Acórdão nº 00039/14.9BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 01 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução01 de Julho de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I RELATÓRIO 1 . “A..., SA”, com sede na EN ...31, Estrada ..., ..., ..., inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Viseu, de 31 de Dezembro de 2021, que, julgando procedente a acção administrativa, instaurada pela Ré/Recorrida “Z... LIMITED COMPANY - SUCURSAL em ...", com sede em C/AA, 27, 7.ª planta - ..., ...

, a condenou a pagar à A. a quantia de 5.187,20 €, acrescida de juros moratórios contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

* 2 .

No final das suas alegações, a recorrente “A..., SA” formulou as seguintes conclusões: "I .

Por ser notório que esta sentença, e salvo o devido respeito, viola flagrantemente o princípio da plenitude da assistência dos juízes e, evidentemente, o disposto no artigo 605º, nº 3 do C. P. C., é indiscutível que a sentença é nula, nulidade essa que expressamente se argui nestas linhas (cfr. o Ac. do STJ, de 08.03.2018, citado no corpo das alegações); II.

Por tal razão, impõe-se pelo menos a anulação da sentença, bem como eventualmente (se não houver outra solução que, cremos, a lei naquele artigo 605º, nº 3 do C. P. C. também prevê e não parece estar demonstrado que não é possível) - a repetição da prova.

Isto posto, III.

Independentemente do que antecede e de que, obviamente, não se prescinde, entende a R. que o tribunal a quo não analisou correctamente a prova produzida, incorrendo em claro erro de apreciação da prova no que se refere aos pontos 18 e 22 dos factos provados, além de que incorreu em não menos clara omissão pronúncia sobre a matéria constante dos artigos 45º e 46º da contestação que, ademais, de importante para a defesa da R. é sobretudo essencial para uma boa decisão da causa; IV.

Assim, e desde logo quanto ao ponto 18 dos factos provados, verifica-se que a resposta decidida pela sentença do tribunal a quo peca por claro defeito, já que, seja com base na lei (leia-se: Decreto-Lei nº 142-A/2001, de 24 de Abril, na redacção aplicável), seja com base no depoimento de BB transcrito acima, seja ainda com base no não impugnado (e confirmado em audiência final) doc. nº 1 junto à contestação da R., porquanto não se trata de organizar patrulhamentos desta ou daquela maneira porque assim à R. “apeteceu” como sugere (mais até que isso) uma tal resposta, mas antes de os organizar de acordo com a obrigação assumida pela R. com o concedente e que tem evidentes reflexos na correspondente obrigação de segurança que lhe cabe demonstrar; V.

Assim, respeitando a prova produzida a este respeito, aquele ponto 18 dos factos provados deve passar a ter a seguinte redacção: – provado que “A R., de acordo com a obrigação que assumiu com o concedente a respeito dos patrulhamentos, organiza os patrulhamentos a toda a extensão da sua concessão, que se inicia no nó de ligação da A...5 à A... e termina em ..., de forma a efectuar habitualmente passagens de vigilância no mesmo local com o intervalo máximo de 03 horas.”; VI.

Do mesmo modo, e como se pode ver do depoimento de CC igualmente transcrito nestas linhas, o ponto 22 dos factos provados tem uma redacção que é também exígua e até redutora, razão pela qual deve ser substituída pela seguinte: – provado que “Cinco dias após a ocorrência do sinistro, o oficial de conservação da R., CC, efectuou uma verificação da vedação, concretamente às vedações existentes em todo o sublanço entre os nós de ... e ... onde se situa o local do sinistro e em ambos os sentidos de marcha da A...5, tendo concluído que a dita vedação não apresentava anomalias.”; VII.

Por outro lado, também errou a sentença por não ter emitido qualquer pronúncia (“formal”, por assim dizer, já que apenas não consta do rol dos factos provados) no que tange aos artigos 45º e 46º da contestação da R., sendo certo que tal matéria deve ter-se provada (até pelo que consta da própria motivação da matéria de facto que a revela claramente) e sugere-se que a redacção a adoptar seja a seguinte: – provado que “O motorista do conjunto não imobilizou o veículo nas imediações do local indicado como correspondendo ao do sinistro, já que prosseguiu viagem até à área de serviço de ....”.

Dito isto, VIII.

A sentença segue um raciocínio que não é o mais correcto, no sentido, desde logo, de que tratou esta situação da mesma forma que o faria seguramente, pelo visto, se houvesse margem para aplicação da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho a estes autos), considerando – como deve ocorrer – a prova produzida e a matéria de facto relevante (e mormente aquela alteração defendida nestas linhas quanto aos artigos 45º e 46º da contestação da R. sobre os quais a sentença não se pronunciou); IX.

Porém, essa Lei nº 24/2007, de 18 de Julho é inaplicável in casu, porquanto só assim poderia acontecer se a autoridade policial tivesse (obrigatoriamente) verificado no local as causas do acidente, i. e., o nº 1 do artigo 12º daquela Lei só consente a sua aplicação se a “condição” prevista no nº 2 – “Para efeitos do disposto no número anterior (...)” for observada (cfr., a este propósito, nomeadamente as conclusões III e IV do Ac. do T. R. C. de 09.03.2010, relator Jacinto Meca, proc. nº 2610/07.6YXLSB.C1, consultável em www.dgsi.pt ); X.

E não foi, nem podia ter sido, porque ademais de não ter sido sequer ouvido o motorista que decidiu, qualquer que tenha sido a razão, prosseguir até à área de serviço e abandonado o local que se diz ser o do sinistro, todas as demais “testemunhas” a que se alude na sentença (militar da GNR e funcionário da R.) não são testemunhas do sucedido e não podem fazer mais do que tirar ilações, que até podem ser legítimas, mas seguramente nada garante (ou pode) que o sejam; XI.

Além disso, importa dizer que o objectivo que ressalta deste nº 2 do artigo 12º não é, na nossa perspectiva, o de limitar ou de impedir a prova do utente e/ou de substituir a decisão dos tribunais por aquela das autoridades policiais no local, mas é, isso sim (e seguramente visando prevenir situações de fraude), o de garantir às concessionárias algum equilíbrio com os utentes em matéria de fardo probatório, já que sobre elas (embora em determinadas condições aqui não reunidas) passou a impender o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança; XII.

Está assim – e também por esse motivo - irremediavelmente afastada a hipótese de aplicação do artigo 12º nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho ao sinistro dos autos, devendo, por isso, e tal como resulta expressa e inequivocamente da Base LXXIII do Decreto-Lei nº 142-A/2001, de 24 de Abril, na redacção aplicável, ser este sinistro enquadrado no único âmbito possível da responsabilidade extracontratual; XIII.

Por isso, vale neste caso tanto o princípio basilar da responsabilidade civil extracontratual (Cód. Civil, artigo 483º nº 1), como o disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 487º do Cód. Civil, sendo que a aplicação deste último artigo (e concretamente do seu nº 1) não está de modo algum excluída, uma vez que não havia (ou há) presunção legal de culpa a impender sobre a concessionária; XIV.

Incumbia, por isso, à A., nos termos previstos nos artigos 342º, 483º e 487º do Cód. Civil (e também de harmonia nomeadamente com a citada Base LXXIII), fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito e bem assim a prova da eventual culpa da R., de modo que só devia lograr obter a condenação desta R. se tivesse alegado e provado que as vedações da auto-estrada se apresentavam com deficiências e que o animal tinha ingressado na via mercê dessas deficiências ou então, e pelo menos, que a R./recorrente sabia da existência de um animal nas vias e nada fez para o remover e/ou sinalizar; XV.

Assim, sendo patente que a A. não logrou provar nada disso (nem sequer o alegou, de resto), impunha-se a absolvição da recorrente que, por seu turno, fez a prova do contrário (que não no sentido usado na sentença que, nesse particular, também não faz sentido) relativamente ao (bom) estado da vedação.

Segue-se que XVI.

À data dos factos (acidente) estava em vigor a Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, lei esta que, no nosso entender, veio de uma vez por todas clarificar (se é que havia essa necessidade) que os acidentes ocorridos em auto-estrada devem ser analisados e enquadrados (como já sucedia – ou, pelo menos, devia correctamente suceder - antes dela) no âmbito da responsabilidade extracontratual – é, de resto, essa (e não qualquer outra) a conclusão que se pode/deve tirar, sem receio de errar, do disposto na Base LXXIII do Decreto-Lei nº 142-A/2001, de 24 de Abril, na redacção aplicável; XVII.

Ora, é verdade que com o advento da referida Lei se procedeu a uma inversão do ónus da prova que agora impende sobre as concessionárias de AE, assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora – insista-se – sempre filiado na responsabilidade extracontratual; XVIII.

Todavia, e como bem se percebe do espírito e do texto da lei (dos nºs. 1 e 2 do artigo daquela lei), mas também do elemento histórico de interpretação (vide projecto de lei nº 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa lei se tenha estabelecido uma presunção de culpa em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redacção do citado artigo 12º nº 1 seria seguramente outra, mais próxima daquela constante do artigo 493º nº 1 do Cód. Civil; XIX.

Efectivamente, e quanto à dita presunção de culpa, nem tal decorre da referida lei, nem tal resulta do DL nº 142-A/2001, de 24 de Abril, concluindo-se tão-só que com a vigência da lei citada passou a impender um ónus de prova sobre as concessionárias de auto-estradas, embora restrito à demonstração do cumprimento das obrigações de segurança (e nada mais que isso). Isto para além de não se poder, de forma alguma, concluir que sempre há situações de inversão de ónus de prova se quer(quis) consagrar uma presunção legal de culpa (cfr. Cód. Civil, artigo...

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