Acórdão nº 514/20.6T8SSB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelFREITAS NETO
Data da Resolução14 de Julho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (1ª SECÇÃO) I - RELATÓRIO AA e BB intentaram uma acção declarativa sob a forma de processo comum contra CC e DD alegando, em síntese: No dia 3 de Março de 2020 celebraram com as Rés um contrato-promessa, reduzido a escrito, pelo qual estas prometeram vender-lhes determinado imóvel pelo preço de € 160.000,00, mediante a entrega da quantia de € 16.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento (que os AA. cumpriram nesse mesmo dia); na cláusula 4ª do contrato ficou convencionado que a escritura pública de compra-e-venda seria realizada no prazo de 30 dias, competindo aos AA. a respectiva marcação; porém, por força do encerramento dos serviços em consequência do estado de emergência nacional, não foi possível aos AA. a marcação da escritura no aludido prazo; apesar disso, foram as Rés notificadas, nos termos contratuais, para a outorga da escritura no dia 3 de Junho seguinte nas instalações do Banco 1..., na Av. ..., em ...; não tendo aí comparecido, os AA. comunicaram-lhes que a nova data para a celebração do contrato prometido seria o dia 3 de Julho seguinte; como num primeiro momento as RR. lhes tivessem feito saber que iriam faltar, sob o pretexto de se acharem a dar apoio à mãe, os AA. ainda lhes propuseram deslocarem-se a casa delas com a Entidade Autenticadora e a procuradora do Banco; porém, em 1 de Julho de 2020, as Rés fizeram saber que não realizavam a escritura por causa do preço desequilibrado do imóvel em face das reais características que na altura desconheciam e lhes foram ocultadas; mesmo assim, os AA. compareceram nas instalações do Banco 1... no ..., no designado dia 3 de Julho de 2020, mas as RR. aí não estiveram presentes; perante isso, por carta enviada em 20 de Julho de 2020, comunicaram às Rés que consideravam o contrato-promessa resolvido por causa a elas imputável, exigindo-lhes a devolução em dobro do sinal prestado.

Remataram pedindo que seja reconhecido o incumprimento definitivo do contrato-promessa pelas Rés e estas condenadas a pagar-lhes a quantia de € 32.000,00, correspondente à restituição do sinal em dobro, acrescida dos juros de mora vencidos desde 01 de Julho de 2020.

Contestando, defenderam-se as Rés por excepção e por impugnação.

Por excepção, invocaram, além do mais, a caducidade do direito dos AA. como promitentes-compradores por não terem marcado a escritura do contrato-prometido no prazo contratualmente previsto de 30 dias a contar da outorga do contrato-promessa.

Em face disso, e para o que ora interessa, terminaram com a procedência da excepção peremptória de caducidade do direito dos Autores e absolvição das Rés do pedido.

* Não houve resposta dos AA..

* No despacho saneador, após se considerar que “por ultrapassagem do prazo contratualmente estipulado” havia caducado “o direito de os promitentes-compradores marcarem a escritura”, sendo a “caducidade do direito” uma exceção peremptória, foi a acção julgada improcedente e, em consequência, foram as Rés absolvidas do pedido.

* Inconformados, desta decisão recorreram os AA. para a Relação de Évora, a qual, por acórdão de 24 de Março de 2022, concedeu provimento ao recurso e revogou o despacho saneador-sentença, julgando improcedente a invocada excepção peremptória da caducidade do direito dos Autores. * Irresignadas, do acórdão proferido vêm as Rés pedir a presente revista, formulando no final da respectiva alegação as conclusões que se transcrevem: UM: O douto Acórdão recorrido é nulo, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil ex vi artigo 666º, nº 1, e nos termos do artigo 195º do Código de Processo Civil.

DOIS: O douto Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 3º, nº 3 do Código de Processo Civil e 334º do Código Civil.

TRÊS: A decisão do douto Tribunal a quo constitui uma decisão surpresa, uma vez que não foi dada às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a possibilidade de a invocação da caducidade do direito dos Autores constituir abuso de direito, tendo, portanto, o douto Tribunal a quo violado o princípio do contraditório.

QUATRO: O douto Tribunal da Relação de Évora resolveu fazer uma nova apreciação da prova existente nos autos, sem que tal tenha sido requerido por qualquer das partes, e assumir como provados factos que nunca o foram (nem poderiam ter sido).

CINCO: Não foi dado como provado que as Rés não se importassem com o atraso no agendamento da escritura, que tivessem transmitido tal posição aos Autores ou sequer que os Autores tenham feito diversas diligências para agendar a escritura.

SEIS: Ao assentar a sua fundamentação decisória sobre factos que não se encontravam dados como provados (quando não houve qualquer impugnação da matéria de facto pelas partes), o douto Tribunal a quo conheceu de questões de que não poderia tomar conhecimento, pelo que, também por esse motivo, o Acórdão do douto Tribunal é nulo.

SETE: Considerando o teor da norma constante do artigo 334º do Código Civil, poderemos considerar que, para existir abuso de direito, terá de existir um direito que seja exercido pelo seu titular.

OITO: A caducidade do direito dos Autores não pode ser entendida como um direito das Rés.

NOVE: Nunca poderíamos entender que existiu abuso de direito, uma vez que as Rés, ao alegar que o direito dos Autores caducou, não estão a exercer um direito, de que sejam titulares, mas apenas a alegar que já decorreu o tempo que os Autores tinham para exercer o seu direito.

DEZ: Não se encontram provados quaisquer factos, dos quais pudesse decorrer a existência de abuso de direito.

ONZE: Nunca os Autores tentaram agendar uma escritura, mas apenas um documento particular autenticado, sendo que o contrato-promessa apenas prevê que a venda seja realizada através de escritura pública de compra e venda, a realizar num Cartório Notarial.

DOZE: Não existiu qualquer comunicação das Rés, em que estas mencionassem que não se importavam com o atraso na realização da escritura (ou sequer de onde se pudesse extrair tal interpretação), pelo que não existe qualquer abuso de direito por parte das Rés.

TREZE: Deverá, portanto, o Acórdão do douto Tribunal a quo ser revogado e substituído por outro que julgue procedente a excepção peremptória de caducidade do direito dos Autores, absolvendo as Rés do pedido.

Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, declarando a nulidade do Acórdão recorrido ou revogando o Acórdão recorrido, e substituindo o mesmo por outro em que se julgue procedente a excepção peremptória de caducidade do direito dos Autores, absolvendo as Rés do pedido, com o que se fará JUSTIÇA! * Contra-alegaram os AA. pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

* II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

São os seguintes os factos que vêm fixados pelas instâncias: 1. As RR são proprietárias do prédio urbano situado em Assenta, freguesia ... (...), concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...97, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...04, da freguesia ... (...); 2. No dia 3 de março de 2020 as RR. prometeram vender aos AA., que prometeram comprar, o referido imóvel; 3. Ficou acordado que o preço da venda seria de 160.000,00€ e que seria pago, a título de...

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