Acórdão nº 77/18.2T8CLD-C.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Data da Resolução14 de Julho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I – Relatório 1. AA intentou ação de impugnação pauliana contra Jardinscópio Unipessoal, Lda.

, e Exclusiproeza – Gestão de Investimentos, S.A., alegando que: - é credor da 1.ª Ré - Jardinscópio Unipessoal, Lda. -, pois esta assinou, a 14 de março de 2017 (Doc. 1), uma confissão de dívida, seguida de um acordo de pagamento (Doc. 2), sendo o valor confessado de € 480.000,000 (quatrocentos e oitenta mil euros); - é ainda credor da 1.ª Ré - Jardinscópio Unipessoal, Lda. - do valor constante do balancete de outubro de 2016 - € 25.595,51 (Doc. 12); - a 2 de junho de 2017, a 1.ª Ré - Jardinscópio Unipessoal, Lda. -, vendeu à 2.ª Ré - Exclusiproeza – Gestão de Investimentos, S.A. - o prédio rústico registado sob o n.° ...48, na Conservatória do Registo predial ..., e inscrito no artigo matricial ...79 da Repartição de Finanças ... (Doc. 4), conforme resulta da certidão permanente anexada (Doc. 3); - este imóvel era o único bem patrimonial de que a 1.ª Ré - Jardinscópio Unipessoal, Lda. - era proprietária; - apesar de haver sido um pouco superior ao valor patrimonial constante da caderneta predial, o preço da compra e venda não deixa de ser irrisório - € 5.000,00, tendo em conta o seu valor comercial (Doc. 4 - caderneta predial, Doc. 5 - DPA da compra e venda do imóvel, Doc. 6 -cópia do depósito eletrónico); - o valor de mercado do imóvel é muito superior ao seu valor patrimonial; - em 2010, o imóvel em apreço foi avaliado em € 1.400.500,00 (um milhão quatrocentos mil e quinhentos euros) (Doc. 7); - o sócio-gerente da 1.ª Ré - Jardinscópio Unipessoal, Lda. - é, atualmente, BB, melhor identificado na certidão permanente dessa Ré (Doc. 8); - todavia, toda a negociação da confissão de dívida teve lugar entre o Autor e o Sr. CC, que é quem, de facto, controla a 1.ª Ré - Jardinscópio Unipessoal, Lda.

; - o atual sócio-gerente da 1.ª Ré - Jardinscópio Unipessoal, Lda. -será primo do Sr. CC, segundo este último disse ao Autor; - o Autor protesta juntar documentos comprovativos deste parentesco logo que consiga apurar se é verdade o que foi dito pelo Sr. CC; - o Autor entendeu igualmente que os sócios-gerentes das Rés são primos entre si, conforme documentos que se protesta juntar logo que esta questão fique esclarecida; - o administrador da sociedade adquirente - Exclusiproeza – Gestão de Investimentos, S.A., (certidão permanente - Doc. 9) -, DD, é sobrinho do Sr. CC, conforme documentos que se protesta juntar; - assim, todo o negócio é, de facto, controlado pelo Sr. CC;, - o sócio-gerente da 1.ª Ré .

Jardinscópio Unipessoal, Lda. - é pessoa de idade avançada, com muita pouca mobilidade, imensa dificuldade em assinar o seu nome, com autonomia reduzida, aparentando não ter a mínima noção dos negócios que envolvem a 1.ª Ré; - na realidade, quem controla, de facto, a 1.ª Ré - Jardinscópio Unipessoal, Lda. - é o Sr. CC e, devido às razões referidas supra, assim como ao apoio financeiro que lhe presta, o respetivo sócio-gerente não é senão um testa-de-ferro seu; - o acordo de pagamento constante do Documento 2 estipulava que a primeira prestação da confissão de dívida deveria ser paga no prazo de noventa dias a contar da assinatura do referido acordo - 14 de março de 2017 - , o que não foi cumprido; - a 1.ª Ré - Jardinscópio Unipessoal, Lda. - nunca desenvolveu qualquer atividade económica, muito embora o seu objeto social consista na promoção imobiliária; - tendo a 1.ª Ré - Jardinscópio Unipessoal, Lda. - ficado sem a propriedade do referido imóvel, o Autor, enquanto credor desta, ficou perdeu a garantia patrimonial do cumprimento do seu crédito; - por isso, o Autor falou com o Sr. CC e pediu-!he que a confissão de dívida passasse para nome da sociedade adquirente do terreno - Exclusiproeza – Gestão de Investimentos, S.A.

-, pedido que lhe foi negado; - na presente situação, e perante o negócio descrito no artigo 3.º da P.I., atendendo ao património social da 1.ª Ré - Jardinscópio Unipessoal, Lda. -, o Autor encontra-se desprovido de garantia bastante do cumprimento da dívida que impende sobra aquela; - essa dívida encontra-se totalmente vencida, tal como decorre do artigo 781.° do CC, porquanto o prazo de pagamento da primeira prestação terminou a 14 de junho de 2017, tendo-se vencido automaticamente todas as prestações seguintes; - não dispondo de qualquer outro património, nem de fluxos financeiros, a 1.ª Ré - Jardinscópio Unipessoal, Lda. - encontra-se, neste momento, impossibilitada de cumprir as suas obrigações e este não cumprimento poderá ser não apenas meramente culposo, mas antes doloso.

- na verdade a 1.ª e a 2.ª Rés simularam uma venda, por um valor simbólico, com a intenção de enganar terceiros – o Autor -, com o objetivo de não satisfazer a dívida de que é credor e, ao mesmo tempo, de se salvaguardarem perante uma ação executiva intentada por este; - de facto, se as Rés estivessem de boa-fé, o Sr. CC teria aceitado fazer uma confissão de dívida em nome da 2.ª Ré - Exclusiproeza – Gestão de Investimentos, S.A. -, acompanhando a transmissão do prédio que constituía o único bem patrimonial da 1.ª Ré - Jardinscópio Unipessoal, Lda.

; - assim, o Autor concluiu pela má-fé do Sr. CC e, por conseguinte, também das Rés Jardinscópio Unipessoal, Lda., e Exclusiproeza – Gestão de Investimentos, S.A.; - todos tinham consciência de que a mencionada deslocação patrimonial teria como resultado uma perda da garantia patrimonial do Autor; de resto, não se trata um negócio normal da atividade desenvolvida pelas referidas sociedades; - aliás, o reduzido valor do preço explica que ambas as sociedades, entre cujos gerente de facto e administrador intercedem laços familiares, hajam apenas visado frustrar a garantia patrimonial do Autor e, desse modo, negociar o imóvel sem que o acordo respeitante à confissão de dívida fosse cumprido; - tal conclusão justifica-se não só pelo elevado montante das dívidas da 1.ª Ré - € 480.000,00 (Doc. 1) e € 25.595,51 (Doc. 12 ) -, como também pelo facto de a venda ter sido efetuada por um valor muito baixo a uma sociedade detida por um familiar da pessoa que, de facto, controla as Rés, e que, supostamente, será igualmente parente do sócio-gerente da vendedora; - ou seja, atendendo ao preço simbólico do preço constante no contrato de compra e venda, o negócio deverá ser considerado como celebrado a título gratuito, o que implica a procedência da ação, independentemente da verificação do requisito de má-fé (art. 612.° do CC); - a 2.ª Ré Exclusiproeza – Gestão de Investimentos, S.A., adquiriu um imóvel de elevado valor por um valor simbólico, tendo conhecimento de que o objetivo da transferência de propriedade consistia em privar o Autor da garantia patrimonial da satisfação do seu crédito e em deixar a 1.ª Ré - Jardinscópio Unipessoal, Lda. – salvaguardada de qualquer execução; - isto é, o valor simbólico do preço constante no contrato de compra e venda implica que este seja, em termos práticos, considerado gratuito; - a gratuidade do negócio tem como consequência a procedência da ação, independentemente da verificação do requisito da má-fé (art. 612.º do CC); - todo este negócio decorreu entre familiares; - conforme mencionado supra, o sócio-gerente da 1.ª Ré - Jardinscópio Unipessoal, Lda. - e o administrador da 2.ª Ré - Exclusiproeza – Gestão de Investimentos, S.A. - manterão laços de parentesco entre si ou, pelo menos, a pessoa que controla tanto este negócio como a 1.ª R. - o Sr. CC - é tio do administrador da 2.ª Ré; - alternativamente, o contrato de compra e venda em causa encontra-se ferido de nulidade por simulação.

  1. As Rés Jardinscópio Unipessoal, Lda., e Exclusiproeza – Gestão de Investimentos, S.A., contestaram, pugnando pela improcedência da ação.

  2. Seguiu-se a junção de vários requerimentos.

  3. A 20 de setembro de 2019, teve lugar a audiência prévia, tendo sido proferido o seguinte despacho: “Nos (ermos dos artigos J55°, 595" e 596" do CPC, proceder-se-á à transcrição dos requerimentos e dos despachos proferidos. " * Seguidamente, e na impossibilidade de, por ora, existir resolução consensual do litígio, pela Min" Juiz foi, então, após debate, e nos termos dos artigos 595° e 596° do CPC, proferido: DESPACHO SANEADOR Nos presentes autos veio o Autor apresentar articulado de resposta à contestação apresentada pelas Rés, "para tomar posição quanto aos novos factos alegados." Dispõe o art.584, n°1 do Código de Processo Civil que "só é admissível réplica para o Autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção".

    Por outro lado, dispõe ainda o art.587° do mesmo diploma ilegal que "a falta de apresentação de réplica ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo Réu tem o efeito previsto no art.574°" Tal como afirmam Paulo ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. l, pg.505, com a norma supra referida não pretendeu o legislador "impor ao Autor o ónus de impugnar os novos factos alegados pelo Réu, no momento previsto no art.3°, n°4, nos casos em que não é admissível a réplica," Ora, da contestação apresentada não resulta que tenha sido deduzido qualquer pedido reconvencional sendo certo que também não foi alegada matéria de excepção em relação à qual cumpra assegurar o contraditório.

    Assim, e ainda que as Rés tenham vindo alegar nova factualidade, afigura-se que não se impondo ao autor o ónus da sua impugnação, não pode este vir apresentar réplica ou articulado e resposta.

    Não obstante, e considerando a factualidade alegada pelo Autor e também pelas Rés será o articulado e os factos alegados ponderados para efeitos de eventual condenação das partes como litigantes de má fé.

    * Dispõe o art.306°, n°1 do Código de Processo Civil, compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes.

    Acrescenta o n°2 da mesma norma que "o valor é fixado no despacho...

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