Acórdão nº 598/18.7T8LSB.L1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução14 de Julho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1. AA, notificado da decisão singular de 28/04/2022, que não julgou procedente a reclamação apresentada em 21/03/2022, não se conformando, vem, ao abrigo dos artigos 652.º, n.º 3, e 643.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil (CPC), dela reclamar para a Conferência, formulando as seguintes conclusões: «--- DO DESPACHO ORA IMPUGNADO --- A. Apreciando a reclamação apresentada, a Senhora Juíza Conselheira Relatora indeferiu-a, com o argumento de que o prazo para a interposição de recurso de decisões finais em processos não urgentes, antes da entrada em vigor do prazo geral de suspensão iniciado em 22/01/2021, não ficou suspenso até à entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 05/04, louvando-se nos entendimentos a tal propósito já adoptados noutros acórdãos do STJ que para o efeito convocou.

  1. Tendo sido suscitada a questão da inconstitucionalidade de tal entendimento normativo, a Senhora Juíza Conselheira entendeu igualmente que o mesmo não seria inconstitucional.

  2. Ressalvado o devido respeito, que muito é, o Reclamante não está de acordo nem com o entendimento normativo adoptado quanto à suspensão do prazo em pauta, nem quanto ao juízo de constitucionalidade da interpretação normativa perfilhada.

    -- DO ERRÓNEO ENTENDIMENTO NORMATIVO ADOPTADO D. Na esteira de outros acórdãos do STJ – apesar de ser reconhecido que o texto da al. b), do n.º 5, do art. 6.º-B, da Lei n.º 1-A/2020, com a redacção introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, inculca a ideia de que a excepção aí aberta (em relação ao regime geral da suspensão) visa apenas as decisões proferidas após a entrada em vigor da Lei –, a decisão impugnada entende que, reconstituindo o espírito da lei, não deve haver destrinça entre as decisões anteriores ou posteriores à sua entrada em vigor, porque a lei teria apenas em mente salvaguardar as situações em que fosse necessário assegurar a presença física de intervenientes em actos presenciais.

  3. Ressalvado o devido respeito, não é verdade que a lei em causa apenas tivesse em mente a realização de actos presenciais, porque isso não é dito em lado nenhum e não decorre do texto da lei, como, ademais, resulta designadamente do seguinte:  a lei também estabelece a suspensão dos prazos nos processos de fiscalização concreta interpostos no Tribunal Constitucional, onde, por natureza, não ocorrem actos presenciais que obriguem à deslocação das partes ou dos seus mandatários;  a excepção prevista no preceito legal em causa só se reporta ao recurso de decisões finais, mas não abrange o recurso de decisões interlocutórias, os quais ficaram indiscutivelmente suspensos, sem que a sua interposição imponha a presença em actos presenciais;  idem para variadíssimas outras situações em que a suspensão vigorou relativamente a prazos que não implicavam actos presenciais.

  4. A jurisprudência em que se funda o despacho impugnado parece esquecer o contexto histórico da época.

  5. Estávamos então em plena vigência do estado de emergência, por ocorrência de uma situação de calamidade pública, o que determinou o decretamento de sucessivos confinamentos gerais – cfr., entre outros, Decretos do Presidente da República 66-A/2020, de 17/12, 6-A/2021, de 06/01, 6-B/2021, de 14/01, 9- A/2021, de 28/01, 11-A/2021, de 11/02. Durante esses confinamentos gerais, ocorria mesmo um dever geral de recolhimento domiciliário (cfr., por exemplo, art. 4.º do Decreto 3-A/2021, de 14/01).

  6. Não pode, por isso, sustentar-se que estava apenas em causa a participação física e presencial em actos processuais.

    I. Naquele contexto histórico, o regime de suspensão de diligências e prazos foi estabelecido para atender a uma situação excepcional de dificuldade de todos os intervenientes processuais, constrangidos por limitações de toda a ordem na organização da sua actividade profissional regular.

    Foi-o tendo em conta – no que ora releva – as dificuldades de trabalho nos escritórios dos advogados, na circulação dos advogados, funcionários e clientes entre as suas casas e os seus escritórios, na sobrecarga de assistência aos filhos e outros familiares de advogados, familiares e clientes, nas situações de doença provocada pela COVID, nas situações de isolamento profilático e no quadro geral de paralisação da actividade económica, dos serviços públicos e da liberdade de circulação.

  7. Pode naturalmente perguntar-se a razão pela qual foi estabelecido um regime diferente para os recursos de decisões proferidas antes e depois da entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021, de 01/02.

    K.

    Compreende-se – mesmo que se possa discordar – o que presidiu à distinção: se o tribunal entende que pode e deve proferir uma decisão final durante o período geral de suspensão, então os outros sujeitos processuais, querendo reagir, deverão fazê-lo sem contar com qualquer suspensão. Nesse caso, os outros sujeitos processuais ficam em situação idêntica à dos juízes que proferem a decisão. Porém, se a decisão final é anterior ao período de suspensão – não se lhe seguindo qualquer actividade processual –, então mantém-se o regime geral da suspensão.

    L. O legislador quis mitigar os efeitos da suspensão, não suspendendo os prazos dos recursos das decisões proferidas após a entrada em vigor da Lei n.º 4- B/2021.

  8. Esta ideia da mitigação dos efeitos das medidas adoptadas esteve presente em todas as áreas do combate à pandemia (se o período de isolamento deve ser de 14, de 10 ou de 7 dias, se abrange ou não os que convivem com o infectado na mesma casa, se se aplicam a restaurantes com maior ou menor número de mesas, se é necessário um certificado de vacinação ou se basta um teste rápido etc., etc.); nem sempre as razões da mitigação eram aceites ou compreendidas por todos; na verdade, o legislador andou a tactear aquilo que lhe pareceu mais adequado para garantir a mitigação dos efeitos.

  9. Pelo exposto, não é razoável, nem justo – chega mesmo a ser indecente – que os tribunais estejam agora a adoptar uma interpretação extensiva do preceito legal em causa, a qual é naturalmente lesiva dos direitos dos cidadãos que confiaram na letra da Lei, no gravíssimo contexto pandémico que então se viveu.

  10. Não é por acaso que os romanos – a quem devemos a organização do direito em que fundámos o nosso sistema jurídico – diziam “odiosa restringenda, favorabilia amplianda”.

  11. Deste modo, e ressalvado sempre o devido respeito, continuamos a entender que, à luz da letra da lei, das circunstâncias em que a mesma foi elaborada, do seu enquadramento sistemático, das condições específicas do tempo em que é aplicada, do seu elemento histórico e da presunção de que o legislador se exprimiu, em termos adequados, na al. d), do n.º 5, do art. 6.º-B, da Lei n.º 1- A/2020, na redacção introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, o prazo para interposição de recurso de decisões finais proferidas em processos não urgentes, antes da entrada em vigor do prazo geral de suspensão iniciado em 22/01/2021, ficou suspenso até à entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 05/04.

    --- DA PROTECÇÃO DA CONFIANÇA --- Q. De qualquer forma, o entendimento normativo adoptado em relação à al. d), do n.º 5, do art. 6.º-B, da Lei n.º 1-A/2020, com a redacção introduzida pela Lei n.º 4-B, de 01/02, no sentido de que não estavam abrangidos, pelo regime de suspensão geral previsto no n.º 1 do mesmo preceito legal, os prazos para a interposição de recurso de decisões finais proferidas antes da entrada em vigor desse regime – como consta do despacho impugnado –, é inconstitucional, por violação dos princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica, ínsitos no art. 2.º, da CRP.

  12. No despacho impugnado, sustenta-se que o...

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