Acórdão nº 526/22 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução27 de Julho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 526/2022

Processo n.º 640/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82 de 15.11 (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de maio de 2022 nos seguintes termos:

(…) vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos artº.s 70º/1-b) e 72º/1-b)/2 da LTC, para efeito do que averba aqui o passo, onde especificou, na minuta de discordância com a decisão de 1ª Instância a inconstitucionalidade normativa do suposto judicante e a saber: Conclusão K: No limite, o acórdão recorrido, não procedam as conclusões antecedentes, fez aplicação inconstitucional do artº 4º da lei 410/82, ao afasta-lo da dosimetria da pena, por motivo de não caber ao caso, quando, segundo o direito da ONU contemporâneo (artº 1 das regras mínimas das nações unidas para a proteção dos jovens privados de liberdade), o dito artº 4º da lei de proteção dos jovens delinquentes, se inscreve como cogente, já, na ordem jurídica portuguesa.

Conclusão K do recurso, onde propôs ao TR Lisboa que decidisse contra uma interpretação do art. 4 da Lei 410/82, sob o arbítrio pretoriano de um reinvestimento da matéria estritamente típica (v.g. sub specie, do alarme social) em ordem ao afastamento da aplicação da lei penal de descriminação positiva dos quase menores de 18 anos de idade, com foco esta interpretação/aplicação, defendida pelo recorrente, no imperativo dos artº s 1º, 6º, 8º, 13º, 16º, 29º/4 da CRP.

Segmento normativo constitucional, este, que, portanto, infringiu a decisão recorrida, ao aceitar a álea (sim/não), de uma proteção da dignidade humana, indexada a uma quase menoridade, quando a censura penal dos menores de 18 anos se impõe benevolente, por facto de direito internacional, mas também da estruturação finalística da lei fundamental portuguesa.

2. O recorrente foi condenado pelo Juízo Central Criminal de Lisboa (Juiz 8), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal (CP), na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

A recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo acórdão ora recorrido, negou provimento ao recurso, confirmando o decidido em 1.ª instância.

3. Ainda inconformado, o recorrente interpôs recurso para este Tribunal Constitucional, nos termos supra relatados.

Pela decisão sumária n.º 424/2022, decidiu-se não conhecer do mérito do recurso. Os fundamentos foram os seguintes, para o que ora nos importa:

“(…) se bem compreendemos o recurso de interposição que acima deixámos transcrito, o recorrente pretende obter a fiscalização concreta da constitucionalidade da norma constante do «art. 4 da Lei 410/82, sob o arbítrio pretoriano de um reinvestimento da matéria estritamente típica (v.g. sub specie, do alarme social) em ordem ao afastamento da aplicação da lei penal de descriminação positiva dos quase menores de 18 anos de idade».

O recorrente entende infringidos os «artºs 1º, 6º, 8º, 13º, 16º, 29º/4 da CRP».

(…) Perante estes elementos – e independentemente de qualquer outra apreciação acerca dos demais pressupostos de que depende a admissibilidade do presente recurso de constitucionalidade – impõe-se concluir que, no requerimento de interposição de recurso, o recorrente não logra apresentar uma questão de constitucionalidade suscetível de constituir objeto idóneo da pretensão manifestada. Em rigor, resulta claramente do teor da referida peça processual que o seu intuito se traduz na sindicância da decisão jurisdicional concreta, na vertente de interpretação do direito infraconstitucional e de apreciação casuística, dimensões que se encontram, legal e constitucionalmente, subtraídas à esfera de competências do Tribunal Constitucional.

Efetivamente, o recorrente expressa a sua discordância relativamente ao sentido decisório promovido pelo tribunal a quo, quanto aos termos da condenação imposta. Em concreto, considera que deveria ter sido abrangido pelo regime da Lei n.º 401/82, de 23 de setembro – e não 410/82, conforme indicado no requerimento de interposição – que prevê o Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes. Assim não tendo sido – pelo facto de os tribunais recorridos terem entendido que «ficou demonstrado que a pena privativa da liberdade é necessária, proporcional e ajustada às finalidades de prevenção geral e especial do crime, que, no caso do recorrente, se fazem sentir com alguma acuidade» – o recorrente insurge-se contra a própria decisão do Tribunal da Relação de Lisboa. Almeja, por isso, obter uma decisão em sentido distinto, que promova o deferimento da aludida pretensão.

A este propósito, pode ler-se, no Acórdão n.º 633/08 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt , bem como os demais arestos deste Tribunal adiante citados), o seguinte:

«(…) sendo o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação direta de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correção do juízo subsuntivo).

Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de “aplicação” a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efetuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida (…)».

Nestes termos, desde logo por inidoneidade do respetivo objeto se concluiria pela inadmissibilidade do presente recurso, nesta parte.

(…) De todo o modo, evidencia-se que tal conclusão sempre se imporia, in casu, com base no incumprimento do ónus de suscitação prévia e adequada de uma questão de constitucionalidade de natureza normativa.

Com efeito, por força do artigo 72.º, n.º 2, da LTC, impunha-se que a questão de constitucionalidade que se pretendesse ver apreciada nesta instância tivesse sido apresentada em momento processual prévio à prolação da decisão recorrida, junto do tribunal a quo, de uma forma expressa, dita e clara, criando para esse tribunal um dever de pronúncia sobre tal matéria. Para que se considerasse cumprido este ónus, era necessário que o recorrente tivesse identificado o critério normativo cuja sindicância pretenderia, reportando-o ao específico segmento legal ou conjugação de segmentos legais de que o mesmo seria extraível, e enunciando-o de forma que, caso o Tribunal Constitucional concluísse por um juízo de inconstitucionalidade, pudesse limitar-se a reproduzir tal enunciação, assim permitindo que os destinatários da decisão e os operadores do direito em geral ficassem esclarecidos sobre o específico sentido normativo considerado desconforme à Constituição (vide Acórdão n.º 367/94).

Ora, compulsada a peça processual na qual o recorrente deveria ter dado cumprimento ao referido ónus – motivações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa – verifica-se que, em tal momento, não foi formulada qualquer questão de constitucionalidade de natureza normativa. De facto, observa-se, nesse âmbito – tal como no requerimento de interposição de recurso – uma completa omissão quanto ao sentido normativo que extrai do preceito enumerado, revelando-se impossível discernir a concreta dimensão que pretende ver apreciada em sede do presente recurso de constitucionalidade. Com efeito, o recorrente afirma apenas que «argui, por fim, a inconstitucionalidade do artº 4 do DL 401/82 na interpretação que lhe foi dada pelo tribunal a quo». Equivale isto a constatar que, contrariamente ao que determina o artigo 75.º-A, n.º 1 da LTC, o recorrente apenas aludiu, neste âmbito, a disposições legais, sem explicitar o enunciado normativo que daí entende resultar. Deste modo, revela-se indiscernível o conteúdo da norma que o recorrente entende ter sido aplicada pelo tribunal a quo, em violação da constituição.

Como é bom de ver, o recorrente, também junto do tribunal a quo, não colocou uma questão de constitucionalidade de natureza normativa, imputando apenas à decisão ali recorrida o vício de inconstitucionalidade, referindo inclusivamente que o acórdão recorrido deveria ser «reformado em conformidade de uma boa aplicação desses incisos legais» (vide conclusão 27). Assim, nunca chegou a delimitar um verdadeiro enunciado dotado de generalidade e abstração, passível de ulterior apreciação, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade.

Pelo exposto, não tendo o recorrente enunciado e suscitado, perante o tribunal a quo, uma questão de constitucionalidade reconduzida a normas, sempre estaria, também por esta via, prejudicada a admissibilidade do recurso, ainda que, no respetivo requerimento de...

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