Acórdão nº 505/22 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução14 de Julho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 505/2022

Processo n.º 89/2020

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam na 3.ª secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte, foi interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), por A., LDA, do acórdão daquele Tribunal, de 7 de novembro de 2019, que confirmou a sentença recorrida e julgou improcedente a impugnação judicial de atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativos aos anos de 2003 e 2004.

1.1. Estes atos foram praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ora recorrida, na sequência de uma ação de inspeção tributária em que foi determinada a fixação do lucro tributável por métodos indiretos. A ora recorrente requereu a revisão da matéria tributável assim determinada, ao abrigo do disposto na Lei Geral Tributária (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, adiante designada LGT), indicando o perito que a deveria representar, tal como previsto no n.º 1 do artigo 91.º desse diploma (na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro).

A reunião de debate contraditório dos peritos foi agendada para 3 de maio de 2011 e, em alternativa, para o dia 9 de maio de 2011. Uma vez que o perito que representava a contribuinte não compareceu, em qualquer das datas, a recorrente e o perito foram notificados, em 13 de maio de 2011, das faltas do perito e de que estas valeriam como desistência da reclamação, conforme o disposto no n.º 6 do artigo 91.º da LGT. O perito designado pela recorrente requereu, então, o agendamento de nova reunião, pedido que a recorrida indeferiu. A recorrente propôs uma ação de impugnação deste ato e dos atos de liquidação adicional de IRC.

Num primeiro momento, a ação foi julgada improcedente por se considerar que o ato de indeferimento do pedido de agendamento de nova reunião deveria ter sido objeto de impugnação autónoma, ficando precludida a possibilidade de discutir a respetiva legalidade no âmbito da ação de impugnação dos atos de liquidação e, em consequência, prejudicado o conhecimento de alguns dos vícios a estes assacados.

Por Acórdão de 14 de outubro de 2015, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu, todavia, que a legalidade do despacho que indeferiu o pedido de agendamento de nova reunião poderia ser sindicada em sede de impugnação do ato de liquidação de IRC, para o que seria necessário ampliar o probatório.

1.2. Os autos baixaram novamente à primeira instância que, ante os factos dados como provados, entendeu que as faltas à reunião da comissão de revisão eram imputáveis ao perito, não tendo ficado demonstrado qualquer justo impedimento, pelo que não merecia censura a decisão que indeferiu o requerimento de agendamento de uma nova reunião de peritos. Em consequência, considerou prejudicado o conhecimento das questões atinentes à quantificação da matéria tributável por métodos indiretos.

Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, momento em que a recorrente suscitou a inconstitucionalidade do n.º 6 do artigo 91.º da LGT «por ofensa dos princípios da justiça e da proporcionalidade ínsitos no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da CRP e do direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo reconhecido nos art.ºs 20.º, n.ºs 1 e 4, e 268.º, n.º 4, da CRP, quando interpretad[o] no sentido de a falta do perito do contribuinte à reunião da comissão de revisão equivaler à desistência da reclamação feita pelo contribuinte, quando a apreciação desta integre a condição de recorribilidade prevista nos art.º11[7].º, n.º 1, do CPPT e 86.º, n.º 5, da LGT para a impugnação judicial dos actos tributários» (cf. a Conclusão XXV das alegações apresentadas ao Tribunal Central Administrativo Norte).

Esse Tribunal entendeu não assistir razão à recorrente, negando provimento ao recurso.

2. Deste acórdão veio interposto o presente de recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tendo a recorrente requerido a este Tribunal que se pronunciasse sobre a «questão de constitucionalidade da norma constante do artigo 91.º, n.º 6 da Lei Geral Tributária quando interpretada no sentido de a falta do perito do contribuinte à reunião da comissão de revisão a que aludem os artigos 91.º e 92.º da mesma Lei equivaler à desistência da reclamação feita pelo contribuinte ao abrigo do n.º 1 do artigo 91.º da Lei Geral Tributária, e a apreciação da reclamação integre a condição de recorribilidade prevista nos artigos 117.º, n.º 1 do Código de [Procedimento e Processo Tributário] e 86.º, n.º 5 da Lei Geral Tributária para a impugnação dos atos tributários.»

3. Admitido o recurso pelo tribunal a quo, a Relatora, primitiva titular do processo neste Tribunal, notificou as partes para alegar, com a menção de que constitui objeto do recurso «a interpretação conjugada do artigo 117.º, n.º 1 do CPPT e dos artigos 86.º, n.º 5 e 91.º, n.º 6 da LGT, no sentido de não poderem ser impugnados, com base em erro na determinação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos, os atos tributários relativamente aos quais haja sido pedida a revisão da matéria tributável, mas se tenha considerado haver desistência por falta de comparência do perito designado pelo contribuinte.»

4. A recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES:

a) Constitui objecto do presente recurso, “a interpretação conjugada do artigo 117.°, n.° 1 do CPPT e dos artigos 86.°, n.° 5 e 91.°, n.° 6 da LGT, no sentido de não poderem ser impugnados, com base em erro na determinação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos, os atos tributários relativamente aos quais haja sido pedida a revisão da matéria tributável, mas se tenha considerado haver desistência por falta de comparência do perito designado pelo contribuinte”;

b) O princípio da garantia constitucional de tutela jurisdicional, plena e efectiva, dos direitos e interesses legalmente protegidos, consagrada nos art.°s 20,° e 268.°, n.° 4 da CRP – e reafirmado, em matéria tributária, nos art.°s 9.°e 95.°, n.° 1 da LGT – não obsta ao estabelecimento pelo legislador ordinário de condições ou pressupostos de recorribilidade dos actos administrativos e dos actos administrativo-tributários, salvo se o legislador ordinário impuser requisitos de tal modo excessivos e desproporcionados que se concretizem na imposição de um condicionamento ilegítimo ao direito fundamental de acesso à justiça administrativa.

c) Trata-se de uma posição que corresponde ao entendimento maioritário da doutrina, como se refere, algo sucintamente, no corpo das alegações.

d) E quedando-nos pelo direito tributário, é de notar que, também, a jurisprudência constitucional se pronunciou pela conformidade constitucional com tal princípio de garantia constitucional de tutela jurisdicional plena e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, consagrada nos art.°s 20.° e 268.°, n.° 4 da CRP, de várias normas de direito ordinário tributário que estabeleciam condições de accionabilidade jurisdicional de actos tributários, entre outros, nos Acórdãos do TC n.°s 9/95, 603/95, 159/96, 468/99 e 376/09, todos disponíveis em www. tribunaiconstitucional.pt

e) A norma que constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade estabelece um condicionamento normativo da accionabilidade dos actos tributários (determinação indirecta da matéria tributável e liquidação do imposto), com base em erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, definido em termos mais amplos e, na medida abrangida por essa sua maior amplitude também diferente do que foi questionado no Acórdão do TC n.° 376/09, pois que, agora, o que está em causa é “a interpretação conjugada do artigo 117.°, n.° 1 do CPPT e dos artigos 86.°, n.° 5 e 91.°, n.° 6 da LGT, no sentido de não poderem ser impugnados, com base em erro na determinação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos, os atos tributários relativamente aos quais haja sido pedida a revisão da matéria tributável, mas se tenha considerado haver desistência por falta de comparência do perito designado pelo contribuinte”.

f) Na norma agora sindicada, faz-se equivaler à não satisfação da condição ou pressuposto de accionabilidade dos actos tributários, com fundamento em erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, a hipótese normativa em que foi pedida a revisão da matéria tributável, ou seja, se deduziu a prévia reclamação para a administração tributária (condição analisada no Acórdão TC. n. ° 376/09), mas se tenha considerado haver desistência do pedido de revisão por falta de comparência do perito designado pelo contribuinte (nova condição).

g) Ora, esta dimensão normativa da condição de recorribilidade ou de accionabilidade dos actos tributários, com fundamento em erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, em relação aos quais aos quais haja sido pedida a revisão da matéria tributável, mas se tenha considerado haver desistência por falta de comparência do perito designado pelo contribuinte, viola o princípio da garantia constitucional de tutela jurisdicional, plena e efectiva, dos direitos e interesses legalmente protegidos, consagrada nos art.°s 20.° e 268.°, n.° 4 da CRP, por violação intolerável do princípio da proporcionalidade, nas suas dimensões de necessidade, adequação e justa medida, ínsitos no princípio material do Estado democrático de direito, consagrado no art. ° 2.° da CRP.

h)Os...

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