Acórdão nº 19543/19.6T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Súmula do Processo AA instaurou a presente acção, com processo de declaração e forma comum, contra Mapfre Seguros Gerais, S.A., e Mapfre Seguros de Vida, S.A., pedindo a condenação da primeira a pagar-lhe, a ela Autora, a quantia de € 31 656,34, e a condenação da segunda a pagar-lhe a quantia de € 3 019,52, quantias acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

Alegou que, em 4/10/2017, celebrou com cada uma das Rés contrato denominado contrato de agente de seguros (com exclusividade e com poderes de cobrança).

A A. comunicou às RR. a sua intenção de oposição à renovação dos contratos, juntos por documento, com a antecedência mínima de sessenta dias sobre o fim do prazo inicial.

As RR. comunicaram à A., por carta datada de 27 de Setembro de 2018, que, por via da denúncia por esta efectuada, os contratos da carteira de seguros da A. passariam directos para a MAPFRE, sem que lhe fosse devida qualquer compensação ou indemnização conforme estabelecido na al. a) do número 1 da cláusula décima dos referidos contratos de mediação em regime de exclusividade.

Todavia, as RR. obtiveram um benefício, tendo considerado que os contratos da carteira de seguros da A. passaram directamente para elas RR., à custa da carteira de clientes da Autora, resultante da respectiva actividade, e sem pagar à A. qualquer omissão ou indemnização.

O clausulado dos contratos juntos sob doc. 1 e doc. 2 (assim como a maioria do restante clausulado), não foi objecto de prévia negociação entre a A. e a R. Foi apresentado pela R. à A. para que se limitou a subscrevê-los. Tal cláusula deverá ser excluída dos contratos nos termos e ao abrigo do disposto na al. a) do artigo 8.º do regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais. Ainda que assim não fosse, seria nula tal cláusula por contrária à boa fé como dispõe o artigo 15.º do regime das CCG.

Vedar à Autora a denúncia do contrato, sob pena de não lhe ser paga compensação ou indemnização da clientela, traduz-se num claro benefício, exagerado e desproporcional, em termos patrimoniais, a favor da R., contra o que se encontra estabelecido no art.º 45.º do Decreto-Lei 144/2006 de 31 de Julho.

Deverá a R. ser condenada a pagar à Autora, em termos equitativos, indemnização não inferior ao dobro da remuneração média anual do mediador no período de tempo em que o contrato esteve em vigor, e que ela A. computa em €37.500,00.

A Ré defendeu-se por impugnação, invocando não ter ocorrido contrato de adesão e que a A., quando alude à intenção de oposição à renovação dos contratos, mais não faz do que denunciar o contrato, sem qualquer causa justificativa, para o termos das respectivas vigências.

As Decisões Judiciais A sentença proferida na Comarca julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.

A Autora recorreu de apelação, tendo a Relação decidido revogar a decisão de 1.ª instância, tendo condenado as RR. a pagar à Autora a quantia de € 34 666,10, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento.

Inconformadas agora as RR., recorrem de revista, formulando as seguintes conclusões: 1 - O objecto do presente recurso circunscreve-se a saber se a denúncia do contrato de mediação, por parte de um mediador de seguros, confere ou não direito a uma indemnização de clientela.

2 - percebendo-se, pelo n.º2 do art.º 45.º do D-L n.º 144/2006 de 31/7 que, da cessação do contrato de mediação, poderá advir uma indemnização de clientela, a verdade é que a mesma se encontra excluída, nos termos do n.º5, sempre que o contrato tenha sido resolvido por iniciativa do mediador sem justa causa, ou por iniciativa da empresa de seguros, com justa causa.

3 – Isto quer dizer que o n.º5 do art.º 45.º exclui, pelo menos, a indemnização de clientela ao mediador, quando este não tenha fundamento justificável para resolver o contrato.

4 – Percebe-se essa exclusão indemnizatória, porque, no fundo, trata-se de não compensar o mediador para um comportamento contratual para o qual não tem fundamento.

5 – Não há dúvida, como resulta dos ensinamentos do Prof. Antunes Varela, que a resolução “é a destruição da relação contratual (validamente constituída) operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração” (Das Obrigações em Geral, 3.ª ed., 2.º. pg. 242), facto esse que, não sendo admissível, por não constituir justa causa, inviabiliza o direito à indemnização de clientela.

6 – Por outro lado, se a solução da lei é a da resolução sem justa causa não conferir direito à indemnização de clientela, pareceria absurdo que uma mera denúncia, como a dos autos, pudesse conferir tal indemnização.

7 – Com efeito, a denúncia do contrato de mediação, renovável findo o decurso do prazo convencional, nunca é um modo de pôr termo ao contrato, mas apenas de obstar a que o contrato se renove; o que lhe põe termo é a expiração do prazo, e não a própria denúncia.

8 – A não ser assim, permitir-se-ia que um mediador durante dois anos receba comissões pela carteira que angariou e, num ápice, passados esses dois anos, por via da denúncia, que só tem por intenção a não renovação do contrato, por uma qualquer razão, possa receber uma indemnização de clientela, equivalente ao dobro do que recebeu em dois anos, como comissões.

9 – Trata-se, no entender das apelantes, de uma situação que o legislador não quis por certo contemplar, pelo que se impõe uma interpretação correctiva da lei, sob penda de se criar o absurdo jurídico de um enriquecimento à custa da seguradora, violando-se o disposto no art.º 45.º do sobrecitado diploma legal.

10 – Na verdade, o art.º 45.º n.º5 configura uma resolução “lato sensu”, pelo que nela se abrangeria, e integraria também, a denúncia, na medida em que, no seu fundamento, é destituída de qualquer causa.

11 – Mesmo que fosse verdade o que o tribunal recorrido refere, quanto à impossibilidade de resolução do contrato por parte do mediador, a verdade é que o mediador sempre poderia transmitir a sua carteira de seguros, nos termos consignados na lei.

12 – É impensável que o mediador denunciante possa receber, sem mais, uma indemnização, se atentarmos na volatilidade das próprias carteiras de seguros, mesmo passando a directas, por tal facto não constituir sequer qualquer garantia da sua manutenção e perdurabilidade, atento o direito legal que os tomadores possuem de nomearem mediador para o seu contrato de seguro.

Por contra-alegações, a Autora sustenta a negação da revista.

Factos Apurados 1. Em 4 de outubro de 2017, a autora e a ré Mapfre Seguros de Vida, S.A. firmaram entre si um acordo escrito, nos termos constantes do documento intitulado “CONTRATO DE AGENTE DE SEGUROS (COM EXCLUSIVIDADE E COM PODERES DE COBRANÇA) e dos Anexos I e II que dele fazem parte integrante, que se encontram junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

  1. Nos termos da cláusula 2.ª, n.º 1 do acordo referido em 1), a ré Mapfre Seguros de Vida, S.A. autorizou a autora, em regime de exclusividade, a promover junto de terceiros a obtenção de propostas para a efetivação de contratos de seguro, nos ramos constantes do Anexo I ao contrato, apresentando condições, preparando a celebração dos respetivos contratos de seguros, colaborando na prévia apreciação dos riscos.

  2. Os “RAMOS E MODALIDADES OU PRODUTOS A INTERMEDIAR NO ÂMBITO DO CONTRATO” são os seguintes: “Seguros de vida: Em caso de morte, em caso de vida, misto e em caso de vida com contra-seguro; Renda; Seguros complementares dos seguros de vida, isto é, os relativos a danos corporais, incluindo-se nestes a incapacidade para o trabalho profissional, a morte por acidente ou a invalidez em consequência de...

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