Acórdão nº 226/20.0YHLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelTIBÉRIO NUNES DA SILVA
Data da Resolução07 de Julho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I NOVARTIS PHARMA AG e NOVARTIS FARMA – PRODUTOS FARMACÊUTICOS, S.A., com os sinais dos autos, instauraram, no Tribunal da Propriedade Intelectual, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, acção declarativa de condenação contra LABORATÓRIOS ALTER, S.A. e ALTER, S.A., também com os sinais dos autos, pedindo que sejam as Rés condenadas a: a) abster-se de, por si próprias ou através de terceiros, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, explorar a invenção protegida pelo CCP 315, e, nomeadamente, de fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no comércio, utilizar e/ou importar os medicamentos genéricos que são objecto dos pedidos de AIM indicados no artigo 88 da Petição Inicial, ou de importar ou ter a posse de tais produtos para alguns dos fins mencionados, enquanto o CCP 315 permanecer em vigor; b) abster-se de, por si próprias ou através de terceiros, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, explorar a invenção protegida pelo CCP 315, e, nomeadamente, de fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no comércio, utilizar e/ou importar quaisquer medicamentos que compreendam vildagliptina como substância ativa (de forma isolada ou em associação com outras substâncias ativas), ou de importar ou ter a posse de tais produtos para alguns dos fins mencionados, enquanto o CCP 315 permanecer em vigor.

Alegaram, em resumo, que: As Autoras pertencem ao Grupo empresarial internacional Novartis, com sede em Basileia, Suíça, que oferece, a nível mundial, soluções inovadoras de cuidados de saúde em resposta às necessidades crescentes dos doentes e sociedades.

O desenvolvimento de medicamentos inovadores proporciona aos doentes que sofrem de doenças graves fármacos que melhoram a sua qualidade de vida, tais como os produtos GALVUS® e EUCREAS®, do Grupo Novartis, contendo vildagliptina e vildagliptina + metformina como substâncias ativas, em várias dosagens, ambos indicados para o tratamento da diabetes mellitus tipo 2.

Por referência a esses medicamentos, a Novartis AG é titular, entre outros, da designação portuguesa da Patente Europeia n.º 1 137 635 e do respetivo Certificado Complementar de Proteção Português n.º 315 (“EP ‘635” e “CCP 315”).

A Novartis AG é a titular da EP ‘635 tal como validada em Portugal, intitulada “2-cianopirrolidinas N-substituídas”.

A EP ‘635 protegeu, inter alia, o composto vildagliptina (em forma livre ou em forma de um sal de adição de ácido farmaceuticamente aceitável), as suas utilizações e também composições farmacêuticas compreendendo vildagliptina.

A EP ‘635 foi requerida junto do Instituto Europeu de Patentes (“IEP”) a 9.12.1999.

A menção de concessão da EP ‘635 foi publicada no Boletim da Patente Europeia n.º 2005/42, a 19.10.2005.

A 17.01.2006, foi apresentada ao INPI a respetiva tradução, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 65.º da Convenção sobre a Patente Europeia (“CPE”) e nos artigos 81.º e 82.º do Código da Propriedade Industrial (“CPI”), e publicada no Boletim da Propriedade Industrial (“BPI”) n.º 3/2006, de 31.03.2006.

A EP ‘635 permaneceu em vigor até ao passado dia 9 de Dezembro de 2019 e não foi sujeita a oposição junto do IEP nem a qualquer ação de nulidade, em qualquer país onde a EP ‘635 tenha sido validada.

A Novartis AG é titular do CCP 315, concedido pelo INPI a 15.07.2008, ao abrigo do Regulamento (CEE) n.º 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992 O CCP 315 foi concedido com base na patente de base EP ‘635 e na autorização de introdução no mercado do medicamento Galvus®, concedida a 26.09.2007 e notificada a 28.09.2007 (autorização de introdução no mercado C(2007)4502), que contém vildagliptina como substância ativa única (cf. Doc. n.º 5) e que foi a primeira autorização de introdução no mercado a colocar a vildagliptina no mercado como medicamento na Comunidade.

O CCP 315 entrou em vigor imediatamente após a caducidade da patente de base e caducará a 28 de Setembro de 2022.

Referem ainda que, de acordo com a lista publicitada na página electrónica oficial do Infarmed, a Ré Alter, S.A. requereu em 28.02.2020 autorizações de introdução no mercado (AIM) nº 653764 e 653765, publicadas em 7.05.2020, para a substância activa ‘Metmorfina, cloridrato; Vildagliptina’ nas dosagens de 850mg + 50mg e 1000mg +50mg, em forma de ‘comprimido revestido por película’, cujo produto de referência é aí identificado como ‘Eucreas’.

Por meio de certidão emitida pelo INFARMED, a 15 de Maio de 2020, a Novartis tomou conhecimento de que o pedido de AIM mencionado indicava a Alter, S.A. como a sua futura titular proposta da AIM quando for concedida.

A exploração da invenção protegida pelo CCP 315, e, em particular, o fabrico, oferta, armazenagem, introdução no comércio, utilização ou a importação ou a posse para alguma das finalidades acima indicadas, dos Genéricos Vildagliptina ou de quaisquer outros medicamentos genéricos que contenham vildagliptina como substância ativa, independentemente da forma pela qual qualquer das condutas acima referidas for feita, constituirá uma violação dos direitos da Novartis decorrentes do CCP 315, uma vez que isso consistirá numa utilização comercial ilegal de uma invenção protegida nos termos dos artigos 102.º, n.ºs 1 e n.º 2 do CPI.

Os Genéricos Vildagliptina compreendem vildagliptina + metformina, cloridrato como substâncias ativas.

Como tal, os Genéricos Vildagliptina invadem o âmbito da proteção do CCP 315 e, desse modo, a exploração industrial e comercial dos Genéricos Vildagliptina ou de quaisquer outros genéricos que compreendam vildagliptina por parte das Rés, diretamente ou através de terceiros, durante a vigência do CCP 315 representa uma violação do mesmo.

Torna-se evidente que a exploração da invenção protegida pelo CCP 315, e, em particular, o fabrico, oferta, armazenagem, introdução no comércio, utilização ou a importação ou a posse para alguma das finalidades acima indicadas, dos Genéricos Vildagliptina ou de quaisquer outros medicamentos genéricos que contenham vildagliptina como substância ativa, independentemente da forma pela qual qualquer das condutas acima referidas for feita, constituirá uma violação dos direitos da Novartis decorrentes do CCP 315, uma vez que isso consistirá numa utilização comercial ilegal de uma invenção protegida nos termos dos artigos 102.º, n.º 1 e n.º 2 do CPI.

As Rés não obtiveram autorização por parte da Novartis para explorar a invenção protegida pelo CCP 315 por qualquer meio.

Não tendo havido contestação, foram considerados confessados os factos articulados pelas Autoras e, após alegações nos termos do art. 567º, nº2, do CPC, veio a ser proferida sentença que jugou a acção improcedente, As AA. recorreram para a Relação de Lisboa, onde, num primeiro momento, foi proferida decisão liminar, na qual se confirmou a decisão impugnada, mas, após reclamação para a conferência, veio a ser prolatado acórdão que julgou parcialmente procedente a apelação e revogou a sentença recorrida, decretando em sua substituição: - que vão as Rés condenadas a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos que contenham contenham a associação de substâncias ativas, que são objeto dos pedidos de AIM melhor identificados no artigo 88.º da petição inicial, enquanto o CCP 315 se encontrar em vigor.

No mais, absolveram-se as Rés da instância.

Inconformadas, recorreram as AA. para este Supremo Tribunal, concluindo as suas alegações pela seguinte forma: «A.

OBJETO DO RECURSO: o presente recurso vem interposto do Acórdão Recorrido, na parte em que absolveu as Recorridas da instância relativamente ao pedido de condenação de proibição de exploração industrial e económica de quaisquer medicamentos genéricos que contenham vildagliptina (de forma isolada ou em associação com outras substâncias ativas.

B.

ADMISSIBILIDADE DO RECURSO COMO REVISTA NORMAL: não existe dupla conforme neste caso porque os fundamentos, por um lado, e o conteúdo decisório, por outro, são diferentes na sentença do TPI e no acórdão do TRL: o TPI absolveu as Rés do pedido por concluir que elas não violaram os direitos invocados pelas Autoras, enquanto o TRL as absolveu do pedido por entender que as Autoras careciam de interesse em agir – ou seja, o Acórdão Recorrido não confirmou a decisão proferida em primeira instância (em nenhum dos seus segmentos decisórios), devendo o recurso ser admitido ao abrigo do artigo 671.º, n.º 1 do CPC, por não se verificar a situação do seu n.º 3.

C.

Por outro lado, o Acórdão Recorrido conta com um voto de vencido do Venerando Desembargador Carlos Martinho, que defendeu que a sentença do TPI deveria ser mantida em todos os seus segmentos decisórios, o que não aconteceu (a sentença foi integralmente revogada e substituída por outra).

D. ADMISSIBILIDADE DO RECURSO COMO REVISTA EXCECIONAL – AO ABRIGO DO ARTIGO 672.º, N.º 1, ALÍNEA A): A questão trazida ao conhecimento deste Tribunal assume relevância jurídica, cuja apreciação é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito o que já foi reconhecido por este Tribunal num caso substantivamente igual ao presente (Acórdão de 3 de março de 2022, Processo n.º 40/20.3YHLSB.L1.S2).

E.

Trata-se de saber se os titulares de direitos de propriedade industrial que iniciam uma ação face à publicitação de pedidos de AIM para medicamentos genéricos podem pedir a condenação do réu não só na proibição de exploração dos medicamentos genéricos objeto dos pedidos da AIM formulados, mas também na proibição de exploração de quaisquer medicamentos genéricos que contenham a substância ativa protegida pelos direitos invocados.

F.

Consideram os titulares desses direitos que nada na Lei 62/2011 limita ou restringe os poderes de cognição do Tribunal, nem tão-pouco...

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