Acórdão nº 265/22.7 BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DE CARVALHO
Data da Resolução30 de Junho de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO G…, Lda., ora recorrente, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal, contra o despacho que indeferiu o pedido de aceitação de garantia e contra o acto de constituição de penhor e aplicação de crédito, praticados nos processos de execução fiscal n.º 3255202001091280 e apensos, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: «

  1. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 24 de março de 2022, na parte em que decidiu julgar procedente a reclamação judicial apresentada, pela RECORRENTE, contra a decisão de não aceitação da garantia por esta oferecida, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3255202001091280 e apensos, sob a forma de penhor sobre estabelecimento comercial/o restaurante G….

  2. Na sentença ora recorrida, o Tribunal a quo deu como provados determinados factos que fez constar dos pontos 1 a 24 da matéria de facto assente.

  3. Sucede que, relativamente à maior parte dos factos considerados provados, o Tribunal a quo limitou-se a transcrever para a Sentença recorrida o teor dos documentos juntos aos autos, sem cuidar de selecionar devidamente os factos que tais documentos permitiam demonstrar.

  4. Nestes termos, impõe-se proceder à ampliação da matéria de facto assente, selecionando e dando como provados os seguintes factos que ora se especificam em cumprimento do disposto no artigo 640.º, n.os 1, 2 e 3 do Código de Processo Civil (em aditamento aos factos dados como provados pelo Tribunal a quo): 25. O estabelecimento comercial/restaurante G… foi inicialmente explorado pela RECORRENTE (cf. contrato-promessa de arrendamento que integra o Doc. 7 do DOC. 5 da p.i.); 26. O referido contrato-promessa de arrendamento celebrado integra todas as cláusulas típicas de um contrato de arrendamento (cf. contrato-promessa de arrendamento que integra o Doc. 7 do DOC. 5 da p.i.); 27. Desde 2018 que o estabelecimento comercial/restaurante G… passou a ser explorado pela sociedade G…, LDA., pessoa coletiva n.º 5… … … (cf. acordo de cessão da posição contratual do contrato promessa de arrendamento e aditamento a contrato-promessa de arrendamento anexa que integra o Doc. 7 do DOC. 5 da p.i.); 28. A sociedade G…, LDA. entrou de imediato no gozo do imóvel prometido dar de arrendamento (cf. acordo de cessão da posição contratual do contrato promessa de arrendamento e aditamento a contrato-promessa de arrendamento que integram o Doc. 7 do DOC. 5 da p.i.); 29. Nesse mesmo ano de 2018, a RECORRENTE celebrou com a sociedade G… II , LDA. um acordo de cedência de uso de bens móveis, nos termos do qual, esta última passou a explorar os equipamentos integrantes do restaurante (cf. acordo de cedência de uso de bens móveis junto sob o DOC. 6 da p.i.); 30. No ano de 2017, o resultado líquido/contabilístico da RECORRENTE, resultante quase em exclusivo da exploração do restaurante G…, foi de € 440.040,49 (cf. demonstração de resultados de 2017 junta como o Doc. 11 do DOC. 5 da p.i.); 31. Nos anos de 2018 e de 2019 (exercícios em que já detinha a exploração do restaurante G…), a sociedade G… II, LDA. apresentou um lucro contabilístico de, respetivamente, € 25.869,02 e € 40.772,35, que decorre da exploração do mesmo estabelecimento e que corresponderam vendas e prestações de serviços nos correspondentes valores de € 829.882,79 e de € 1.800.217,67 (cf. demonstrações de resultados juntas como Docs. 12 e 13 do DOC. 5 da p.i.); e 32. Os Serviços da Administração tributária não procederam à avaliação quantitativa do estabelecimento comercial objeto do penhor mercantil, considerando, apenas, que «a sociedade não pode empenhar um bem que não é de sua pertença» (cf. DOC. 1 da p.i.).

  5. Os factos ora enunciados constituem factos relevantes para a análise dos fundamentos invocados pela RECORRENTE para sustentar a ilegalidade do ato reclamado, impondo-se, assim, a sua consideração para a boa decisão da causa.

  6. Pelo exposto, impõe-se concluir que a decisão recorrida enferma de erro sobre os pressupostos de facto, devendo a mesma ser revogada.

  7. Sem prejuízo do exposto, entende a RECORRENTE que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo padece, igualmente, de erro de julgamento sobre a matéria de direito.

  8. Com efeito, importa começar por referir que, de acordo com o disposto no artigo 666.º, n.º 1, do Código Civil, o penhor constitui uma das garantias especiais das obrigações que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito com preferência sobre os demais credores, pelo valor de coisas móveis, de créditos ou de outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro.

  9. Por seu turno, o estabelecimento comercial consubstancia uma universalidade ou um complexo de bens e de direitos que o comerciante afeta à exploração da sua atividade (espaço no qual funciona, bens utilizados na prossecução da atividade, inventários ou stocks, créditos, contratos em vigor, licenças, autorizações, alvarás, marcas e patentes, entre outros) e que apresenta utilidade, funcionalidade e valor próprios, distintos daqueles que são atribuídos a cada um dos seus componentes individualmente considerados e que o ordenamento jurídico trata de forma unitária.

  10. Na situação em apreço, o penhor oferecido em garantia pela sociedade G… II, LDA. incidia sobre o estabelecimento comercial através do qual funciona o restaurante G…, da qual era proprietária e que era composto por uma universalidade de bens e direitos.

  11. No entanto, no entendimento do Tribunal a quo, a sociedade G… II, LDA. não podia oferecer tal penhor na medida em que não é proprietária dos bens móveis utilizados na exploração do restaurante G… e que integram o ativo fixo tangível de tal estabelecimento, pelo que, «na eventualidade de [aquela sociedade] ser executada, aquele estabelecimento comercial não poderá ser vendido enquanto estabelecimento comercial por lhe faltar o núcleo essencial que faz dele um estabelecimento comercial, apto a exercer atividade e gerar lucros como restaurante» (cf. pp. 26 a 33).

  12. Sucede que esta afirmação do Tribunal a quo não tem correspondência com a verdade material que ora se aprecia.

  13. É certo que os bens corpóreos que compõe o ativo fixo tangível do referido estabelecimento comercial não são propriedade da sociedade garante. Porém, para além dessa sociedade ser detentora do direito à sua utilização, importa reforçar que (parte d)os bens pertencem à sociedade executada no presente processo de execução fiscal, pelo que, caso a Fazenda Pública tivesse de avançar com a cobrança coerciva da dívida, sempre poderia penhorar e vender esses bens corpóreos.

  14. A este respeito, importa, ainda, referir que, na avaliação de um penhor sobre estabelecimento comercial, não releva o eventual valor de venda dos bens corpóreos que integram o ativo fixo tangível do referido estabelecimento comercial, mas antes o valor atribuído ao estabelecimento comercial enquanto unidade económica e universalidade jurídica, i.e., ao valor de venda dos bens corpóreos que o integram quando explorados para o desenvolvimento da atividade associada ao restaurante G…, no âmbito daquele específico estabelecimento comercial.

  15. Sem prejuízo do exposto, para além de tais bens corpóreos, o referido penhor sobre estabelecimento comercial englobaria, ainda, todo o conjunto de direitos que lhe conferem a possibilidade de nele ser prosseguida a atividade comercial desenvolvida no restaurante G….

  16. Neste pressuposto, impunha-se atentar que do teor do balanço da sociedade G… II, LDA. respeitante ao exercício de 2019 (que integra as demonstrações financeiras apresentadas pela RECORRENTE no seu e-mail de 23 de outubro de 2021, juntas sob o DOC. 8 da p.i.) resulta a existência de um ativo no valor global de € 487.987,64, que engloba, entre outros, créditos sobre clientes, cuja consideração no conjunto de bens e direitos que fazem parte daquele estabelecimento comercial se impunha.

  17. Assim, a conclusão do Tribunal a quo segundo a qual a sociedade G… II – RESTAURAÇÃO, LDA. não poderia constituir penhor sobre o estabelecimento comercial/restaurante G… por não ser proprietária dos bens móveis utilizados na exploração do restaurante G… consubstancia um erro de julgamento, devendo o presente recurso proceder e ser revogada a Sentença recorrida.

  18. Acrescente-se, ainda, que a titularidade do referido estabelecimento comercial e a possibilidade de sobre ele constituir penhor não podem ser afastadas pela circunstância de «a sociedade “G… II, Lda.” não [ser] titular do direito ao arrendamento do imóvel [em que funciona o mencionado restaurante G…](…), advindo-lhe, apenas, em virtude do contrato promessa, o efeito obrigacional de realizar o contrato prometido» (cf. p. 35).

  19. Com efeito e conforme sustentado pela jurisprudência, o contrato-promessa de arrendamento do imóvel revela-se título suficiente para que a sociedade G… II, LDA. deva ser considerada titular do direito ao arrendamento do imóvel na medida em que «[a]pesar das partes terem denominado o contrato que celebraram como “contrato-promessa de arrendamento”, se nele acordaram as cláusulas típicas do contrato de arrendamento, designadamente: o prazo de vigência do contrato, o montante mensal das rendas, o regime de actualização, o regime das benfeitorias, e se o “promitente arrendatário” entra de imediato no gozo do imóvel prometido dar de arrendamento, ficando apenas a faltar a formalização do contrato pela escritura pública, tem de considerar-se estar perante um contrato de arrendamento e não perante um contrato-promessa de arrendamento» (cf. Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 31 de outubro de 2019, no processo n.º 51/18.9T8BCG-A.G1).

  20. Ora, uma vez que (i) a sociedade G… II, LDA. entrou de imediato no gozo do imóvel prometido dar de...

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