Acórdão nº 461/22 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução24 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 461/2022

Processo n.º 447/2022

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca do Porto — Juízo Local Cível de Santo Tirso, em que é reclamante A. e recorrido o Ministério Público, foi apresentada reclamação do despacho proferido por aquele tribunal, datado de 12 de janeiro de 2022, que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto da decisão do mesmo tribunal, datada de 26 de dezembro de 2020, que julgou improcedente a ação de responsabilidade civil deduzida contra o Estado pelo ora reclamante, e do despacho proferido pelo mesmo tribunal, datado de 23 de junho de 2021, que indeferiu a arguição de nulidade daquela.

2. O requerimento de interposição do recurso tem o seguinte teor:

«A., AUTOR nos autos à margem identificado, vem em interpor recurso para o Tribunal Constitucional nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e f) da Lei e Processo do Tribunal Constitucional e com os seguintes fundamentos:

O recurso ora interposto tem por fundamento a violação de disposições e de princípios constitucionais, nomeadamente o princípio da pronúncia (por omissão de pronúncia), os quais foram suscitados nos autos especialmente no requerimento de arguição de nulidade da sentença.

A sentença entende que a acção está votada ao fracasso devido ao art.º 13/2 da Lei 67/2007. O despacho de 23/6/2021, pronunciando-se sobre a nulidade arguida, mantém o decidido.

Na resposta às excepções arguidas pelo Réu, o Autor invocou 3 questões:

a) que a sentença que julgou válidas e boas as contas era ineficaz por contrariar caso julgado anterior;

b) a inconstitucionalidade do art.º 13/2 da Lei 67/2007;

c) a violação do art.º 41.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

O Tribunal não conheceu estas questões.

À luz do art.º 204.° da CRP os tribunais têm o poder e o dever de recusar a aplicação de normas inconstitucionais.

A questão da inconstitucionalidade consubstancia uma verdadeira questão, autónoma das demais, sobre a qual o Tribunal tem o dever de pronúncia quando a mesma por suscitada (art.º 608/2 CPC).

Entende o aqui recorrente que nas supra identificadas Decisões o douto julgador a quo não se pronunciou, nem conheceu, de inúmeras questões (relevantes e pertinentes) que foram suscitadas pelo recorrente, quer petição inicial, quer na réplica, quer no requerimento de arguição de nulidade e sobre as quais se deveria ter pronunciado, de forma fundamentada; Tendo sido violado nas referidas Decisões o disposto nos artigos 202.°, 1 e 2, 204.° e 205.°, 1, da C.R.P. e nos artigos 608.°, 2, 615.°, 1, alíneas b) e d), do C.P.Civil; E sido feita naquelas Decisões uma interpretação inequivocamente inconstitucional do princípio da pronúncia (omissão de pronúncia), e dos supra mencionados artigos da Constituição e do C.P.Civil;

- Esclarece, desde já, o recorrente, que a interpretação que advoga vai no sentido de que sendo suscitada uma questão concreta e relevante perante o Tribunal, desde que não esteja necessariamente prejudicada pela decisão de outra, a mesma tem que ser, necessariamente, apreciada, de forma fundamentada, sob pena de omissão de pronúncia;

- Interpretação, aliás, corroborada, pela primeira parte da alínea d) do n.° 1 do artigo 615° do C.P.Civil: «é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (...)»;

- Nulidade, aliás, directamente relacionada com o comando fixado no n.° 2 do artigo 608°, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras»;

- Ora a interpretação que foi dada, nas supra identificadas Decisões, às normas e princípios referidos, foi outra, indo antes (com o devido respeito) no sentido de que não obstante terem sido suscitadas questões concretas e relevantes perante o Tribunal este pode deixar de as apreciar, mesmo que elas não estejam necessariamente prejudicadas pela solução dada a outras, não carecendo de motivar/fundamentar a decisão;

- Interpretação aquela que colide com a letra e espírito dos normativos e dos princípios constitucionais e jurídico-processuais supra citados;

- Violando uma tal interpretação o prescrito nos artigos 202.°, 1 e 2, 204.° e 205.°, 1, da C.R.P., sendo, pois, uma interpretação inconstitucional».

3. Em 12 de janeiro de 2022, o tribunal a quo decidiu não admitir o recurso de constitucionalidade pelas seguintes razões:

«In casu, aferindo-se que o recurso congloba quer a sentença proferida em 26 de dezembro de 2020, quer o despacho exarado em 23 de junho de 2021, conclui-se que, com referência à sentença, o recurso é manifestamente extemporâneo, à luz do prazo de 10 dias vertido no art.º 75.º/1-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro.

Ademais, aquilatando-se os fundamentos do recurso, conclui-se que o mesmo não se estriba numa decisão negativa de inconstitucionalidade e tampouco numa decisão de inconstitucionalidade, ancorando-se tão-só na arguição da inconstitucionalidade da sentença e do despacho por omissão de pronúncia, i.e., o Autor não suscitou previamente uma questão de inconstitucionalidade, limitando-se, após a prolação da sentença e do antedito despacho, a invocar que a interpretação vencida nos mesmos dos artigos 608.°/2 e 615.°/1, alíneas b) e d), do Código de Processo Civil, é inconstitucional, decaindo, assim, os pressupostos de admissibilidade do recurso.

Pelo supra exposto, indefere-se liminarmente o recurso aduzido pelo Autor A., em conformidade com o preceituado no art.° 76.°/2. da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro».

4. Inconformado, o recorrente apresentou reclamação deste despacho, nos seguintes termos:

«A., Autor nos autos à margem identificado, notificado da não admissão do recurso vem apresentar reclamação (art.º 76.° LTC) para o Tribunal Constitucional:

Exmos Senhores Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional:

1. - Por sentença de 26/12/2020, foi julgada improcedente a ação.

2. - O Autor foi notificado da sentença em 31/12/2020.

3. - Em 13/1/2021 o Autor arguiu a nulidade da sentença, uma vez que, devido ao valor da causa, não havia recurso para o Tribunal da Relação:

" 1 - A sentença entende que a ação está votada ao fracasso devido ao art.º 13.º/2 da Lei 67/2007.

2.- Na resposta às exceções arguidas pelo Réu o Autor invocou 3 questões:

a) que a sentença que julgou válidas e boas as contas era ineficaz por contrariar caso julgado anterior;

b) a inconstitucionalidade do art.º 13.º/2 da Lei 67/2007;

c) a violação do art.º 41.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

3. – O Tribunal não conheceu estas questões.

4. – À luz do art.º 204.º da CRP os tribunais tem o poder e o dever de recusar a aplicação de normas inconstitucionais.

5. - A questão da inconstitucionalidade consubstancia uma verdadeira questão, autónoma das demais, sobre a qual o Tribunal tem o dever de pronúncia quando a mesma por suscitada (art.º 608.º/2 CPC).

6. - As restantes questões suscitadas pelo Autor são também questões autónomas.

7. - Ocorre omissão de pronúncia geradora do vicio de nulidade da decisão jurisdicional (art.º 615.º/1/d) do CPC).

Nestes termos deverá a nulidade da sentença ser suprida conhecendo-se as questões suscitadas pelo Autor

A Advogada."

4. - Por despacho de 23/6/2021, entendeu-se que a sentença não padecia de qualquer nulidade.

5. - Este despacho foi notificado ao Autor em 28/6/2021.

6. - A 8/7/2021 o Autor...

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