Acórdão nº 2195/18.8T9BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO SERAFIM
Data da Resolução20 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO: ▪ No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 2195/18.8T9BRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Barcelos – Juiz 2, no dia 06.10.2021, pela Exmo. Juiz de Direito foi proferido despacho com o seguinte dispositivo (referência 175327588): «Consequentemente, ao abrigo do artigo 311º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, alínea d), do Código de Processo Penal, decide-se rejeitar, por ser manifestamente infundada, a acusação pública deduzida nos presentes autos contra Centro Social Paroquial X, J. L., I. N., A. S.

e A. F.

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» ▪ Inconformado com a sobredita decisão, dela veio o Ministério Público interpor recurso, que contém motivação e culmina com as seguintes conclusões e petitório (referência 12167231): “1. O Ministério Público discorda da decisão tomada pelo Meritíssimo Juiz de Direito, que rejeitou a acusação pública, nos do disposto nos artigos 311.º, nº2, al. a) e nº3º, al. d) do Código de Processo Penal, por entender que se trata de acusação manifestamente infundada.

  1. Com o devido respeito que a opinião diversa nos merece, afigura-se-nos que o Tribunal a quo não terá feito uma correcta aplicação do Direito.

  2. A exigência de pagamento, previamente à admissão, de determinada quantia monetária, por parte dos arguidos, como condição de admissão (em violação dos critérios referidos nos art.ºs 5.º e 6.º da acusação) de um candidato a utente da IPSS em causa, ou de fixação do valor da mensalidade a pagar depois de admitido, que seria de montante superior caso não fizessem aquela entrega de quantia monetária ou equivalente (aqui em violação dos critérios de fixação da mensalidade ínsitos no art.º 9.º da acusação), sendo aquele o único critério de admissão/determinação do valor da mensalidade, faz com que o acto que assim praticam, por causa desta entrega, seja contrário aos seus deveres funcionais que os mesmos estavam adstritos.

  3. Em violação dos critérios para admissão de utentes descritos nos pontos 5.º e 6.º da acusação e da fixação da respectiva mensalidade a pagar (ponto 9.º da acusação).

  4. Caso não se verificasse este pagamento, o acto da admissão não era permitido, ou sendo-o implicava o pagamento duma mensalidade em montante superior ao que deveria pagar de acordo com os Protocolos celebrados com o Instituto da Segurança Social.

  5. A relação de sinalagmaticidade exigida pelo tipo legal aqui em crise é precisamente esta que lhes é imputada aos arguidos – a exigência da entrega da quantia monetária (vantagem solicitada ou aceite) para a contrapartida correspondente à admissão do utente em causa, que nunca seria admitido se o mesmo não entregasse tal quantia, tivesse ou não os critérios para tal, ou teria que pagar uma mensalidade superior.

  6. Mesmo que o candidato em causa obedecesse aos critérios previstos nos pontos 5.º e 6.º da acusação, caso aquele pagamento não fosse efectuado, o mesmo não seria admitido ou sendo-o teria que pagar aquela tal mensalidade superior.

  7. Ao exigir este pagamento prévio como requisito necessário à admissão de cada um e para todos os utentes, os arguidos criaram uma condição prévia ilegítima a cada uma das admissões/valor de mensalidade, sendo que, conforme consta da acusação (art.º 18.º, als. x) e y)), dois candidatos não acederam à entrega de qualquer quantia e acabaram não admitidos.

  8. Esta exigência ilegítima, levou a que cada uma, e todas as admissões realizadas, fossem praticadas em violação dos deveres funcionais dos arguidos, pois que as mesmas nunca teriam tido lugar, ou tendo tido lugar como tiveram nos casos das als. m), v) e w), teriam os utentes em causa que pagar uma mensalidade superior à que resultaria dos critérios descritos no ponto 9.º da acusação, caso não houvesse aquele pagamento.

  9. Seguindo o raciocínio expendido no despacho ora em crise, basta então uma qualquer IPSS não elaborar quaisquer listas de espera (ao contrário daquilo a que está obrigada) e, assim, uma vez que não se consegue apurar então se um utente relativamente ao qual seja exigida uma determinada quantia monetária para a sua admissão acaba admitido preferencial e indevidamente em relação a outro, que deveria estar em lista de espera (mas não existe essa lista), em violação daqueles critérios de admissão, e então fica impune (em termos criminais, pelo menos) uma admissão de tal utente naquela condição, pois que a existência daquelas listas de espera seria a única forma de controlar se tais critérios foram ou não violados.

  10. Estas as razões pelas quais, a acusação pública deduzida não padece de qualquer vício, nomeadamente não se trata de acusação manifestamente infundada e deveria, pois, ter sido recebida, pois que contém todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal em causa.

  11. Assim o Tribunal, ao rejeitar a acusação deduzida nos autos fez, s.m.o., uma errada interpretação do disposto no artigo 8.º da Lei nº20/2008, de 21 de Abril, e do artigo 311.º, n.ºs 2, al. a), e n.º 3, al. d), do Código de Processo Penal.

    Deve, por conseguinte, ser revogado o despacho proferido e substituído por outro que receba a acusação deduzida, designando dia para a realização da audiência de julgamento, nos termos do disposto nos artigos 312.º e 313.º, ambos do Código de Processo Penal.” ▪ Na primeira instância, os arguidos Centro Social Paroquial X, J. L., A. S. e A. F., notificados do despacho de admissão do recurso, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentaram resposta, na qual, pugnam pela improcedência do recurso, mantendo-se a decisão recorrida (referência 12373029).

    Formularam as seguintes conclusões: “1ª. O despacho proferido de rejeição da acusação pública não merece a mínima crítica ou reparo de qualquer espécie, pelo que é opinião dos Recorridos que o mencionado despacho fez uma análise correta e acertada quanto à manifesta insuficiência de fundamentos presentes na acusação, bem como quanto ao não preenchimento dos elementos do tipo legal de crime.

    1. Resulta do artigo 8º, nº1 da Lei 20/2008, de 21 de abril que o ato ou omissão punível tem que constituir uma violação dos seus deveres funcionais.

    2. Ora, analisando os factos constantes da acusação pública deduzida pelo MP, mais precisamente os factos 18, 20, 21, 22, verifica-se que se limita a fazer uma indicação vaga e genérica, nunca mencionando nenhum, de que as alegadas quantias entregues não poderiam ser condição obrigatória à admissão de utentes porquanto existiam outros pressupostos a cumprir, impostos pela legislação em vigor.

    3. Neste sentido, o despacho de rejeição da acusação entendeu, e bem, que em nenhum lugar da acusação se verifica a indicação de um ato ou omissão que constitua uma concreta violação dos deveres funcionais dos Requeridos, estando assim omissa quanto a um dos elementos objetivos do tipo de ilícito, não podendo fundamentar, desta forma, a prática de um crime.

    4. Assim, verifica-se que na acusação o MP se limita a referir que aqueles montantes não podiam ser condição necessária para a admissão dos utentes no ERPI, bem como que os mesmos não podiam ser solicitados para a prática de um ato que dependia de uma série de outros requisitos.

    5. No entanto, não se pronuncia, uma única vez ao longo de toda a acusação, quanto ao concreto processo de seleção e de verificação dos requisitos que era feito pelos Recorridos.

    6. Pelo que, não existe único facto na acusação que permita vislumbrar que os Recorridos não cumpriram com as suas funções na verificação, ou não, dos requisitos necessários à admissão de utentes e, só depois de ter sido confrontado com o despacho de rejeição da acusação, é que, em sede de recurso, vem dizer que a admissão dos utentes afinal não estava condicionada a qualquer outro requisito que não fosse a entrega do dinheiro.

    7. No entanto, não existe qualquer origem ou fundamento para tal facto, que não consta da acusação e que só pode ser entendido como uma tentativa de o MP contornar a insuficiência verificada na sua acusação, que não permite o preenchimento de qualquer tipo de ilícito criminal como decidiu, e bem, o tribunal a quo.

      Acresce que, 9ª. Face ao normativo legal que prevê e pune o crime de corrupção passiva, rapidamente se percebe que uma eventual violação dos deveres funcionais adstritos aos Recorridos, sempre passaria pela análise sobre as alegadas quantias recebidas e se estas seriam exigidas para colmatar eventuais irregularidades no processo de admissão dos utentes e, assim, permitir a entrada de quem, de outra forma, não preencheria os requisitos.

    8. Não esquecendo que os Recorridos, no exercício das suas funções, estão vinculados ao cumprimento da legislação em vigor que define e estabelece os protocolos e procedimentos para admissão dos utentes e, por isso mesmo, só existiria a prática de um crime, ao abrigo do art. 8º da Lei 20/2008 se, primeiramente, se verificasse a violação dessas exigências, o que não só não acontece, como não é sequer invocado pelo MP.

    9. Sendo certo que o MP, em nenhum momento da sua acusação, refere que os Recorridos tenham atuado no sentido de contornar as normas legais em vigor, de modo a permitir, de forma ilegítima, o acesso à estrutura residencial de utentes a quem não cumpria os requisitos impostos.

    10. Assim, não se verifica o preenchimento do tipo legal de crime porquanto um dos elementos objetivos está omisso, razão pela qual, o tribunal a quo não podia ter decidido de forma diversa daquela que consta do despacho de rejeição da acusação, que se deve manter na íntegra.

      Finalmente, 13ª Caso se aceitasse as motivações do MP, o que apenas se coloca por raciocínio académico, estaria a permitir-se que novos elementos objetivos ou subjetivos dos tipos de crimes fossem criados, mediante a conveniência do seu intérprete e a conceder a hipótese de, em sede de recurso, vir o MP acrescentar factos não constantes da acusação ou dar-lhes agora uma nova vida.

    11. O que prejudica gravemente o...

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