Acórdão nº 6112/15.9T8VIS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução23 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Referências AA propôs a presente acção, com processo declarativo comum, contra a Clínica ..., Lda., BB e mulher CC.

Pediu que os RR. fossem solidariamente condenados a pagarem-lhe: a) A quantia de € 243.657,37, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais já apurados e liquidados; b) A quantia que se vier a liquidar a título dos lucros cessantes referidos nos artigos 169.° e 170.° da petição, atenta a incapacidade permanente parcial que a autora sofre a determinar após o exame pericial e a liquidar em execução de sentença; c) A indemnização a que se vier a liquidar posteriormente quanto aos danos que futuramente virá a sofrer, designadamente os decorrentes da assistência médica e medicamentosa, tratamentos médicos ou cirúrgicos, tratamentos terapêuticos, eventuais intervenções cirúrgicas a que se tenha de submeter, nomeadamente as referidas nos artigos 70.º a 75.º desta petição inicial e demais danos patrimoniais e morais a liquidar em execução de sentença, d) E, em relação às peticionadas quantias indemnizatórias, os juros legais de mora, desde a citação e até integral pagamento.

Alegou que, em Janeiro de 2013, foi consultada em ..., na Clínica ... – Cirurgia Plástica, Ld.ª, pelo Dr. BB, respectivo diretor clínico, e após exames complementares, foi decidido que a A. iria ser submetida a uma mamoplastia, e concomitantemente, à exérese (extracção) de um nódulo da mama direita, tendo assim sido submetida em 14.02.2013 a cirurgia estética bilateral da mama, e na mesma altura excisado um nódulo da mama direita para posterior análise e diagnóstico histopatológico, levado a cabo pelo aludido cirurgião, que fez o acompanhamento pós-operatório.

O nódulo ficou na posse da Clínica ..., e do respetivo diretor clínico que se obrigaram a remetê-lo para o laboratório que entendessem adequado e vinculando-se a dar de imediato conhecimento à A. do respetivo resultado.

Em conformidade o nódulo foi entregue pela R. Clínica a Dr. DD, Laboratório de Anatomia Patológica, S.A.

Após a cirurgia e internamento a A. deslocou-se 3 vezes à Clínica, num período de mês e meio, para consultas de revisão pós-operatória, nos dias 26.02 e 17.03, procurando obter informações acerca do resultado da análise, sendo-lhe transmitido que ainda não tinham conhecimento do mesmo.

Face à demora, o marido da A. enviou uma comunicação em 18.07.2013 para a Clínica, dirigida ao Dr. BB, solicitando a indicação de quais os nódulos retirados e o resultado da respetiva análise, tendo no dia 22.07, aquele sido contactado telefonicamente por uma senhora, identificando-se como trabalhadora da R. Clínica, transmitindo que o resultado do exame tinha revelado um carcinoma invasivo, tendo a solicitação do mesmo sido envidado o documento que atestava tal diagnóstico.

Dada a gravidade da situação tornou-se imperioso adotar as medidas e procedimentos terapêuticos urgentes, tendo a A. obtido a resposta mais rápida pela F..., onde foi submetida a consulta de oncologia e exames auxiliares de diagnóstico, despendendo 519,50€, realizando múltiplos exames no dia 26.07.2013 e no dia 29.07, nomeadamente a biópsia das lesões mamárias que revelaram tratar-se de um carcinoma invasivo, localmente avançado, iniciando quimioterapia, com intervalos de quinze dias, entre Julho e Novembro, despendendo 9.253,63€, suportando ainda mais gastos nos vários exames e consultas realizados entre as sessões.

Em 5.12.2016, de acordo com o estado da arte, a A. foi submetida a mastectomia direita, esvaziamento axilar, histerectomia total, anexectomia bilateral, voltando ao bloco por ter ocorrido hemorragia interna, verificando-se a progressão da doença entre o final da quimioterapia e a cirurgia.

Em Dezembro de 2013 a A. realizou diversos exames e análises, e devido aos fatores de mau prognóstico foi proposta a realização de quatro ciclos adicionais de quimioterapia, de 7.01.2014 a 10.03.2014, nos quais despendeu 2.978,57€. No período de 7 a 24.04.2014, realizou radioterapia adjuvante, gastando 3.500,00€.

Segundo a orientação médica a A, deve manter vigilância médica regular com a periodicidade de 3 meses e até aos três anos após a intervenção.

O processo de reconstrução mamária desenrolou-se em quatro sessões, a primeira em 21.04.2015, no valor de 2.276,99€, a segunda em 22.09.2015, estando previstas a terceira para abril de 2016 e a quarta e, agosto de 2016, dependendo do estado da saúde da A. e da não rejeição dos enxertos.

Em 23.04.2015 foram-lhe prescritas 12 sessões de fisioterapia, tendo realizado vários exames e consultas.

Face à importância do exame histopatológico, a análise da peça cirúrgica deve ser imediata e quando existe suspeita ou confirmação de malignidade deve ser de logo comunicado ao paciente, pelo que a boa prática médica e o dever objetivo do cuidado não foram observados pela R. Clínica e pelo R. Dr. BB, com manifesto prejuízo para a saúde e para a protecção da integridade física da A.

Por carta registada com aviso de recepção, em 25.07.2013, a A. solicitou à R. Clínica a informação relativamente à data em que foi enviado o material para a análise e a data em que foi remetido o resultado, respondendo aquela que o nódulo mamário fora levantado no dia 20.02.2013 e que tomaram conhecimento do resultado em 11.07.2013, na sequência de pedido formulado. Na mesma data mandou também ao Laboratório uma carta no mesmo sentido, que foi devolvida e remetida nova comunicação em 8.09.2013, que indicou a recepção em 22.02.2013 e o resultado do exame enviado, via CTT, ao G.…, que, por sua vez, indicou que tendo recebido o resultado em 5.03.2013, o entregou de imediato na Clínica R.

O diagnóstico da peça cirúrgica revelou tratar-se de um carcinoma mamário invasor com grau histológico G3, significando e indicando que o tumor é pouco diferenciado e, por isso, com agressividade muito maior, e, segundo a prática clínica, entre as mulheres mais jovens, com menos de 35 anos, como era a A., que tinha 33, possui uma evolução clínica pior do que nas mulheres mais velhas, sendo um factor preditivo e significativo de recorrência e morte.

O lapso de tempo que mediou entre a extração do nódulo, o envio do mesmo e o acesso ao conhecimento do resultado histológico para posterior decisão terapêutica, atrasou o início desta, com evidentes prejuízos para a saúde da A., causando-lhe danos irreversíveis.

A R. Clínica e o R. BB, médico cirurgião, enquanto agentes e técnicos de saúde qualificados, conhecedores dos riscos de um carcinoma mamário invasor, podiam e deviam ter procedido e providenciado pela comunicação célere e imediata do relatório, impondo-se ao R. BB um especial dever técnico, enquanto médico especialista da cirurgia plástica, violando assim o dever objetivo de cuidado, preterindo as regras da boa praxis médica, além de que tais Réus se obrigaram perante a A. a comunicar prontamente o resultado do exame.

Após o conhecimento do resultado da análise, a vida da A. passou a ser um tumulto de emoções, medos, tristeza, angústia e ansiedade, não deixando de pensar que se tivesse conhecimento do resultado alguns meses antes e na data em que foi comunicado à R. Clínica, as consequências seriam inevitavelmente diferentes.

A A. teve que recorrer aos serviços da medicina particular, despendendo avultadas importâncias em dinheiro, assim conseguindo resposta imediata para o seu quadro clínico.

Na sequência da progressão da doença, e de cada uma das sessões de quimioterapia, a A. sofreu efeitos secundários, tais como fortes dores por todo o corpo, sobretudo na cabeça, cansaço, vómitos e náuseas frequentes, permanecendo acamada e em letargia nos cinco dias seguintes a cada uma sessão de quimioterapia. Os tratamentos provocam um estado de menopausa precoce, com mau estar e afrontamentos, não conseguindo dormir e descansar convenientemente, tomando tranquilizantes e antidepressivos que a deixam numa apatia constante.

Sofreu também tristeza e desgosto profundo por não poder tratar do filho do casal, com 18 meses de idade, logo que iniciou os tratamentos, nem o marido o pôde fazer porque teve de a acompanhar, pois moram em ..., tendo que deslocar-se a ... em viatura própria e permanecer em hotéis, suportando despesas várias.

A A. sofreu uma incapacidade total para o trabalho desde 26.07.2013 a Abril de 2014, e a partir dessa data padece de incapacidade parcial permanente.

Os prejuízos do não exercício da sua actividade no ramo da comercialização de vestuário e calçado acarretaram-lhe prejuízos não inferiores a 2.500,00€ e, no período de incapacidade absoluta, de 22.500,00€.

Nas despesas indicadas teve comparticipação da Associação ..., suportando, na sua parte, 13.786,73€.

Entre a A. e o marido deixou de haver sexualidade, abalando profundamente a relação, sofrendo a A, um fortíssimo dano na autoestima, tendo-lhe sido retirada a mama direita, e em seu lugar existem extensas cicatrizes, caiu-lhe o cabelo, e nos tratamentos de reconstrução, sofreu intensas dores, com hematomas dolorosos que passaram muitos dias a desaparecer.

Os danos morais são bastante elevados, computando a indemnização a tal título em 200.000,00€ A R. mulher é também responsável pelas quantias reclamadas, pois, com a atividade de cirurgião, o R. concorre para as despesas do seu agregado familiar.

A A. pagou à R. Clínica a quantia de 12.700,00€.

Em Contestação, os RR. invocaram a ilegitimidade da R. mulher e impugnaram o factualismo aduzido, nomeadamente que o R. Dr. BB não podia ter a menor suspeita de que a A. tinha um tumor maligno, tendo enviado o nódulo para o exame por ser sua prática comum, de mera precaução, e não porque tivesse qualquer preocupação em particular. Por sua vez o laboratório não informou o médico como é habitual sempre que a análise indicia qualquer problema de saúde, só tendo conhecimento do resultado da mesma em 22.07.2013.

Mais invocaram que inexiste nexo de causalidade entre o atraso de conhecimento do diagnóstico e os danos que a A. diz ter sofrido, pois o tempo que...

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