Acórdão nº 4111/19.0T8GMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução23 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA e BB instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC e DD (1.ºs RR.), EE e FF (2.ºs RR.), GG e HH (3.ºs RR.), e II e JJ (4.ºs RR.), pedindo:

  1. A condenação de todos os réus a reconhecerem o direito de propriedade dos AA. sobre os prédios referidos no artigo 1.º da p.i., e sobre a água referida, e, bem assim, o direito de servidão de aqueduto, melhor descrito na petição, constituído, pelo menos, por usucapião e onerando os prédios de todos os RR., nos termos descritos; b) A condenação dos 1.ºs RR. a reporem a situação anterior às obras de construção da vinha que realizaram no local, por forma a assegurar o completo e irrestrito trânsito da água pelo seu prédio, repondo a mina e a canalização no estado anterior, esta em toda a extensão que for necessária até ao prédio dos AA., isto é, também pelos prédios dos demais réus.

    Para tanto alegam, em síntese, que são donos e possuidores de uma água de nascente, que nasce na parte norte do terreno dos 1.ºs RR. e que, depois de duas caixas de visita, segue por um tubo pelos terrenos dos 2.ºs, 3.ºs e 4.ºs RR. até ao prédio dos AA., onde é recolhida num tanque e aí aproveitada para fins habitacionais e agrícolas. Esta servidão de rego e aqueduto existe há mais de cem anos, desde o tempo dos avós do A., e este consentiu que o pai do 1.º R. passasse a utilizar ½ da água, recolhida na segunda caixa de visita, até um tanque existente na propriedade dos 1.ºs RR..

    Acrescentaram que o 1.º R., há cerca de dez anos, pediu autorização aos AA. para fazer obras na mina, para construção de uma vinha, obrigando-se a repor a circulação de água, mas tal não aconteceu, jamais ficando a sair qualquer quantidade de água a partir da mina existente.

    Após reuniões constataram que existia água abundante na mina, mas que não prosseguia por o dito R. ter tapado a zona da base da mina com um murete que ficou a impedir em definitivo o acesso da água ao tubo, sendo necessárias obras de reposição num montante de € 31.760,00, acrescidos de IVA à taxa legal, que o 1. R. se recusou a suportar.

    Os AA. requereram, além do mais, a inspecção ao local.

    Os 1.ºs RR. contestaram dizendo que, quando muito, aceitam que os AA. beneficiam de uma servidão de metade da água admitindo que o avô do 1.º R. permitiu tal utilização, contudo tal servidão extinguiu-se há mais de 40 anos por não uso, pois desde 1960 - altura em que se construiu a estrada a norte - que tal nascente secou. Assim era quando, em 1986, os AA. adquiriram a ... pelo que nunca tiveram qualquer interesse de inspecção, limpeza ou reposição. Aquando da construção das casas dos 2.ºs a 4.ºs RR. foram destruídas as condutas que eventualmente atravessassem as suas propriedades. Impugnam a responsabilidade de tais factos às alegadas obras realizadas que se resumiram à colocação de uma argola e tampa na segunda caixa.

    Os 2.ºs RR. contestaram impugnando nos mesmos termos dos 1.ºs RR.. Referiram que, como não beneficiavam de qualquer água, construíram um poço. Acrescentaram que, em 2002, quando começaram a construção da habitação no seu prédio, os tubos antigos já não existiam, estando podres e degradados pelo que autorizaram o A. a colocar novos tubos que ainda lá estão sem qualquer ligação.

    Os 3.ºs e 4.ºs RR. não contestaram.

    Os AA. apresentaram resposta negando a extinção da servidão de aqueduto por não uso.

    Foi proferido despacho saneador, fixado o valor da acção, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, bem como foram admitidos os requerimentos probatórios sendo que, nesta sede, foi proferido, além do mais, o seguinte despacho: «A inspeção ao local será determinada se for necessária para a descoberta da verdade.».

    Procedeu-se a perícia cujo relatório foi junto, Na audiência de julgamento foi pelos AA. requerido que se procedesse às diligências de prospecção recomendadas pelo perito, o que veio a ser indeferido.

    Desta decisão foi interposto recurso em separado (Apenso A) tendo o Tribunal da Relação de Guimarães julgado o mesmo improcedente por acórdão de 23 de Setembro de 2021. Foi interposto recurso para o Supremo Tribunal, que, por acórdão de 9 de Dezembro de 2021, negou a revista.

    Finda a audiência de julgamento foi proferida, em 19 de Julho de 2021, sentença, cuja parte decisória, na parte que interessa, reproduzimos: «Face ao exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência: - condeno os 1º Réus CC e DD a reconhecerem o direito de propriedade dos Autores AA e BB sobre ½ da água que nasce no limite norte do prédio daqueles referido supra em 2) dos factos provados e que segue, no sentido norte-sul, até uma caixa onde é dividida.

    - condeno os Réus a reconhecerem que o prédio dos Autores identificado supra em 1) dos factos provados beneficia de servidão de aqueduto que onera, sucessivamente os prédios dos Réus, descritos supra nos factos 2) a 5), relativamente à água que deriva da mina existente no prédio dos 1º Réus para o prédio dos Autores.

    Absolvo os Réus do restante peticionado.».

    Inconformados, interpuseram os AA. recurso de apelação, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

    Por acórdão de 10 de Fevereiro de 2022, foi proferida a seguinte decisão: «Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, - Indeferem a requerida inspecção local; - Julgam a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condenam réus a reconhecerem que o prédio dos autores identificado no ponto 1 dos factos provados beneficia de servidão de aqueduto - em relação à água que nasce no limite norte do prédio dos 1º réus identificado no ponto 2 dos factos provados, água essa que segue no sentido norte-sul, pelo prédio destes (onde passa por duas caixas), segue pelos prédios dos 2º e 3º réus identificados nos pontos 3 a 5 dos factos provados, e que depois entra no referido prédio do autor -, servidão essa que onera sucessivamente os prédios identificados nos pontos 2 a 5 dos factos provados; e absolvem os 1º réus quanto ao restante peticionado.».

    1. Vêm os AA. interpor recurso de revista, por via normal, com fundamento na previsão do art. 671.º, n.º 1 do CPC, e, em qualquer caso, em ofensa de caso julgado (art. 629.º, n.º 1, alínea a), do CPC); e, subsidiariamente, por via excepcional.

    Formularam as seguintes conclusões: «1ª Os autores, ora recorrentes, propuseram a presente ação contra os primeiros réus, como proprietários de um prédio no qual é represada uma água, que sustentaram pertencer-lhes na totalidade, em propriedade, e no qual esses réus procederam à construção de uma vinha que inutilizou os encanamentos e a mina onde essa água existe, e contra os demais réus, pedindo a condenação de todos os réus a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre esses prédios e sobre a água, bem como a servidão de aqueduto necessária para o aproveitamento daquela água, e a condenação, nesta parte somente dos primeiros réus, a reporem o seu prédio no estado anterior às obras de construção daquela vinha, por forma a ser de novo assegurado o uso completo e irrestrito da água e o trânsito da mesma pelos prédios dos réus até ao prédio dos autores, onde desde há mais de 100 anos a água é recolhida num tanque, e a partir daí é utilizada pelos próprios autores e, por força de uma servidão, por vizinhos, que da água também ficaram privados.

    1. Em 1ª instância, o tribunal julgou a ação parcialmente procedente, e em consequência condenou: a) os primeiros réus a reconhecerem o direito de propriedade dos autores “sobre ½ da água que nasce no limite norte do prédio daqueles (…)”; b) todos os réus a reconhecerem que o prédio dos autores “beneficia de servidão de aqueduto que onera sucessivamente o prédio dos réus (…) relativamente à água que deriva da mina existente no prédio dos primeiros réus para o prédio dos autores”.

    2. Os autores – e apenas eles – interpuseram recurso da sentença: a) imputando-lhe a comissão de duas nulidades (uma por, tendo a julgadora lavrado um despacho onde decidiu que oportunamente resolveria se faria ou não inspeção do local, jamais se ter pronunciado; outra, porque, tendo a julgadora ordenado um arbitramento, que o perito declarou não poder realizar, por carecer de atos prévios, o tribunal nada ter decidido inicialmente, e, após instado, ter decidido que esses atos prévios só se realizariam se todas as partes estivessem de acordo, ao que elas não anuíram, ficando o arbitramento por fazer; b) impugnando a matéria de facto, porque dela devia constar que estava já provado que eram necessárias todas as diligências apontadas pelo perito, bem como que antes da construção da vinha, existia água em abundância; c) sustentando que o tribunal deveria, oficiosamente, que mais não fosse, e uma vez que a peritagem fora por si ordenada, com indicação dos pertinentes quesitos, determinar a realização de todos os atos prévios à peritagem, e desta mesma; d) imputando-lhe erro de aplicação da lei, porque se provou que os autores eram donos de toda a água e não apenas de metade dela.

    3. O acórdão recorrido: a) reconheceu a existência de uma daquelas nulidades (a falta de pronúncia sobre a inspeção do local e, passando a julgá-la nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, decidiu que a inspeção era de indeferir, porque era impossível a observação direta da nascente) indeferiu a outra (por entender que a omissão de pronúncia sobre as condições pedidas pelo perito para fazer o arbitramento “de modo algum obviamente se enquadram nas pretensões processuais formuladas pelas partes nos pedidos, causa de pedir ou exceções” (sic); b) alterou, em parte, a matéria de facto, consignando no facto 14 que “os autores em 2018 chamaram um técnico que considerou que para assegurar o restabelecimento da condução da água para o prédio dos autores é necessário verificar o estado da mina e dos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT