Acórdão nº 503/19.3GABRR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelTERESA ALMEIDA
Data da Resolução22 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

O arguido, AA, não se conformando com o Acórdão proferido pelo tribunal coletivo da Comarca de Almada, em 3 de março de 2022, veio interpor recurso.

O arguido foi condenado nos seguintes termos: - pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artº 152º nº 1 al. a) e nº 2 al. a) do Código Penal), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; - pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação agravada p. e p. pelos arts. 164º nº 1 al. a) (na redação anterior à introduzida pela Lei nº 101/2019 de 06/09) e 177º nº 1 al. b) do C.P., na pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão; - em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, na pena única de 6 (seis) anos de prisão; - na pena acessória de proibição de contactar por qualquer meio com a ofendida BB pelo período de 3 (três) anos, bem como de residir com esta no mesmo período, em caso de licenças precárias ou saída antecipada em liberdade condicional, nos termos do disposto no artº 152º nºs 4 e 5 do C.P.; - na pena acessória de proibição de uso e porte de armas pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do disposto no artº 152º nº 4 do C.P.

  1. Formulou as seguintes conclusões (transcrição): “1 - Os motivos de discordância do arguido em relação à decisão recorrida, prendem-se por um lado com o quantum da pena, por outro, com o facto de ser efetiva.

    2 - O tribunal a quo condenou o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152º. nº.1al) a e nº. 2 al) a do C.P., na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e ainda pela prática de um crime de violação agravada, previsto e punido pelos artigos 164º. nº.1 al) a (na redação anterior á introduzida pela lei nº. 101/2019, de 06/09) e artigo 177º. nº.1 al) b) do C.P., na pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

    3 - Em cúmulo jurídico condenar o arguido na pena Única de 6 (seis) anos de prisão.

    4 - Realizada a audiência de julgamento, resultou provado o seguinte: 5 - Que o arguido e a Ofendida iniciaram uma relação de namoro no ano de 2010, tendo em agosto desse mesmo ano, começado a viver juntos, partilhando casa, mesa e leito, como se de marido e mulher se tratassem.

    6 - Em 19-6-2012 casaram-se um com o outro.

    7 - Em 21-07-2012 dessa união nasceu o filho CC.

    8 - Desde o início da relação que o arguido consome bebidas alcoólicas em excesso, ficando visivelmente embriagado.

    9 - Após o nascimento do filho CC, o arguido começou a acusar a Ofendida de dar mais atenção ao filho de ambos, do que ao arguido, o que gerou muitos conflitos e discussões entre o casal, nas quais o arguido apelidava a Ofendida sua esposa de «puta», «vaca», «não prestas para nada», «és um caixote de lixo».

    10 - O arguido sempre manifestou ciúmes da sua mulher, não querendo que a mesma usasse saias e se maquilhasse.

    11 - Telefonava-lhe várias vezes ao dia, para saber onde esta estava, vigiando os seus passos, querendo saber com quem falava e trocava mensagens no telemóvel, acedendo ao telemóvel sem o consentimento da Ofendida.

    12 - Não queria que a Ofendida falasse ao telefone com a família nem que saísse com as amigas, ameaçando bater-lhe caso o fizesse.

    13 - Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2014, o arguido no decurso de uma discussão, desferiu uma bofetada na cara da Ofendida, atingindo-a abaixo do olho direito, provocando-lhe sangramento, hematoma e dor na região do corpo afetada, apelido-a ade «vaca», «puta», «não prestas para nada” 14 - No outono de 2015, quando o arguido e a ofendida sua mulher se encontravam na sala da residência, o arguido apertou o pescoço da Ofendida, fazendo uso das duas mãos e de força, causando-lhe dor e levando-a a perder o ar, só cessando a sua conduta quando o filho de ambos começou a chorar e a pedir ao arguido para que parasse.

    15 - Em dia não concretamente apurado, mas após o Outono de 2015, durante a noite e por temer que o arguido, que havia ido para o café, regressasse alcoolizado, a Ofendida trancou a porta de casa.

    16 - Quando o arguido regressou encontrava-se visivelmente embriagado e deparando-se com a porta trancada, desferiu uma pancada partindo o vidro da porta e logrando assim aceder ao seu interior e de seguida desferiu diversas pancadas nas costas da Ofendida, que com o seu corpo protegia o corpo do filho de ambos, o que lhe causou dor na região afetada, dirigiu-lhe as expressões «puta», «Vaca», «não prestas para nada», «és um caixote do lixo».

    17 - Uma outra vez, já após o nascimento do filho de ambos, numa discussão no interior da residência o arguido desferiu com violência um pontapé no corpo da Ofendida, atingindo-a no braço esquerdo, causando-lhe dor.

    18 - A partir de abril de 2019 a relação entre o casal, degradou-se ainda mais, sendo as discussões diárias, apelidando a Ofendida de «puta», «vaca», «não prestas para nada», «és um caixote de lixo», proibindo-a de falar com determinadas pessoas, não podendo sair á rua sem que o arguido soubesse onde ela estava.

    19 - Os factos descritos ocorreram no interior da residência do casal e ás vezes na presença do menor, filho de ambos.

    20 - Nos meses de Abril e Maio de 2019, o arguido forçou a Ofendida fazendo uso da sua força e superioridade física, a manter com ele relações de coito anal, contra sua vontade.

    21 - Encontrando- se na cama, no quarto do casal, com a Ofendida de barriga para baixo, o arguido posicionando o seu corpo sobre o seu, agarrando-a, impedindo que esta se movimentasse, introduziu o pénis ereto no ânus da Ofendida, fazendo movimentos de vaivém até ejacular.

    22 - A Ofendida por diversas vezes disse ao arguido que não queria manter relações sexuais com ele, que a estava a magoar, implorando que parasse, porém, o arguido concretizou os seus intentos, desrespeitando a vontade da Ofendida, causando-lhe dor e sofrimento.

    23 - Nesse mesmo período temporal o arguido forçou a Ofendida a manter relações sexuais de cópula completa, pese embora esta lhe tenha dito que não queria.

    24 - Sempre que a Ofendida se recusava a manter relações sexuais com o arguido este dizia-lhe que se não queria era porque tinha outro homem.

    25 - Enquanto durou o casamento o arguido sempre manifestou ciúmes, querendo controlar o dia a dia da Ofendida, telefonando-lhe por diversas vezes ao dia e caso esta não atendesse era porque tinha amantes.

    26 - Mais se provou que o arguido está divorciado da Ofendida desde 18-03-2021.

    27 - Que as Regulações das Responsabilidades parentais se encontram reguladas por decisão de 12-12-2019.

    28 - Do CRC do arguido consta uma condenação pela prática de um crime de condução de veículos sem habilitação legal.

    29 - Que cedo abandonou a escola, tendo concluído o primeiro ciclo do ensino básico.

    30 - Trabalha desde os 16 anos de idade, e desde então nunca abandonou o mercado de trabalho, exercendo diversas atividades laborais.

    31 - Desde 2016, trabalha como ... no Centro Hospitalar ....

    32 - Onde é descrito pela entidade patronal como um funcionário responsável e autónomo, com um adequado relacionamento comos seus pares, superiores hierárquicos e utentes do hospital.

    33 - Tem uma filha atualmente com ... anos de idade, fruto de uma outra relação, que reside na mesma rua, prestado apoio e suporte familiar ao arguido.

    34 - A Ofendida deixou a residência do ex-casal em Outubro de 2019, e desde então nunca mais o arguido a incomodou ou contactou.

    35 - O arguido já em 2008 submeteu-se a um tratamento no CAT ..., para combater a adição ao álcool.

    36 - Desde o início da relação que este consome álcool em excesso, ficando visivelmente embriagado.

    37 - Consumo que aumentou significativamente após o nascimento do filho de ambos, chegando a beber uma box de cinco litros por dia de vinho.

    38 - O arguido embora tenha adotado um discurso de desresponsabilização e de negação dos factos, admitiu o consumo de álcool.

    39 - Adição que não pode servir para legitimar e desresponsabilizar a conduta do arguido, mas também não podemos deixar de apontar tal dependência, como fator propiciador da conduta ilícita do arguido.

    40 - Com reflexos no grau de ilicitude e da culpa do arguido, a qual deve ser mitigada.

    41 - O arguido e a Ofendida, para além de não manterem contactos desde Outubro de 2019, residem em localidades diferentes e distantes.

    42 - O arguido beneficia do apoio familiar da filha e de uma irmã, o que lhe confere estabilidade sócio familiar.

    43 - Trabalha como ... desde 2016, no Centro Hospitalar ...

    44 - Do CRC consta uma condenação pela prática do crime de condução de veículos sem habilitação legal.

    45 - Os factos ilícitos, aconteceram sempre e quando o arguido se encontrava sob o efeito do álcool, pelo que o tribunal a quo deveria ter tido alguma contemplação, quanto á imputabilidade, o que foi completamente omitido pela decisão recorrida.

    46 - Ressalvando o respeito devido ao douto tribunal a quo, que aliás é muito, não nos podemos conformar com a medida da pena a que foi o arguido condenado – em cúmulo jurídico na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

    47 - Perante os elementos trazidos aos autos e os parâmetros para definir a medida concreta da pena, artigos 40º., 71º. e 72º. do Código Penal o tribunal a quo não sopesou devidamente a adição alcoólica do arguido, causa relevante e propiciadora da prática dos ilícitos criminais de que foi condenado.

    48 - O arguido é a primeira vez que é condenado por crimes desta natureza.

    49 - Beneficia de apoio familiar, está inserido social e profissionalmente 50 - Tem trabalho estável.

    51 - É bem visto pela entidade patronal 52 - Pelo que e sem querer branquear a gravidade da conduta do arguido, entendemos que a pena aplicada é excessiva, excede as necessidades de prevenção geral e especial, prejudicando seriamente a futura ressocialização do mesmo.

    53 - Ponderando todo o exposto as penas parcelares...

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