Acórdão nº 8/21.2JAPDL.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | ANA BARATA BRITO |
Data da Resolução | 22 de Junho de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1.
Relatório 1.1.
No Processo Comum Colectivo nº 8/21.2JAPDL, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada - Juiz 2, foi proferido acórdão a condenar a arguida AA, como autora de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A anexa, na pena de 6 (seis) anos de prisão.
Inconformada com o decidido, recorreu a arguida, concluindo: “1. A arguida, acusada da prática do crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo artigo 21º do Decreto-lei 15/93 de 22 de janeiro, na ação típica de transporte de 962g de heroína – vulgo correio de droga – foi condenada na pena de 6 anos de prisão.
-
Ora, tendo em conta as concretas circunstâncias dos autos bem como as decisões jurisprudenciais do Supremo Tribunal de Justiça tidas em casos análogos, a decisão condenatória recorrida revela-se excessiva e manifestamente desproporcional.
-
Para a determinação da pena concretamente aplicada, diz-nos o artigo 71º, nº 1 do Código Penal que, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, jamais a pena poderá ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40º, nº 2 da mesma codificação.
-
Salvo melhor opinião e o douto suprimento de Vossas Excelências, o Tribunal recorrido, na determinação da medida concreta da pena foi excessivamente castigador, ultrapassando a medida da culpa.
-
Desde logo e contrariamente ao entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido o facto de a arguida desconhecer a espécie e quantidade do produto estupefaciente transportado, jamais poderá ser valorado contra ela, mas sim a seu favor, na medida em que esse desconhecimento representa uma menor intensidade da cognoscibilidade, enquanto elemento do dolo e, logo, do juízo de censura à sua conduta.
-
O serviço prestado pela arguida – transporte de estupefacientes – cingiu-se ao território nacional, e, portanto, a violação do bem jurídico denota-se consideravelmente mitigada, por se tratar de uma movimentação de estupefaciente já circulante no mercado interno.
-
Na determinação da pena devia a Primeira Instância ter tido em conta que a prática do crime correspondeu apenas a um desígnio criminoso, tratando-se, no fundo, de apenas um episódio na vida da arguida, não havendo antecedentes criminais.
-
A arguida, ainda que não possa de servir de justificação, aceitou este serviço por se encontrar em sérias dificuldades económicas, agravadas pelas restrições impostas pela Covid-19, que resultaram no encerramento do local de trabalho da arguida, ou seja, auto-motivada por uma extrema carência financeira.
-
Ao longo da sua sujeição da medida de coação de obrigação de permanência na habitação, não houve qualquer intenção ou vontade em continuar a atividade criminosa aqui em crise ou qualquer outra legalmente proibida, demonstrando a interiorização do desvalor da sua conduta e a adoção de um comportamento padrão de acordo com as regras vigentes.
-
Parece-nos ser importante levar em conta que os factos pelos quais a arguida foi julgada e condenada não são de todo expressivos de uma tendência de personalidade e muito menos de uma afirmação de sentido de vida, tratando-se, pelo contrário, de um desvio acidental de um percurso que se tolda por princípios e valores compatíveis com uma sã manutenção da sociedade.
-
Na determinação da pena concretamente aplicável não poderá apenas ser tida em conta a matéria factual apresentada, mas também, numa logica de uma jurisprudência consistente e equitativa, as decisões jurisprudenciais tomadas para casos semelhantes.
-
E nesse sentido, veja-se a título de exemplo os seguintes acórdãos: i) Acórdão de 11-03-2010 (processo nº 100/09.1JELSB.L1.S1-5.ª): arguido de nacionalidade brasileira, solteiro, com 4 filhos e sem antecedentes criminais que, no âmbito de um transporte como correio de droga, desembarcou no Aeroporto de Lisboa, proveniente de Brasília, e com destino a Amsterdão, transportando no organismo 96 embalagens de cocaína, com o peso líquido de 846, 462 g.: tida por suficiente a pena de 4 anos de prisão, e não a de 5 anos e 6 meses, imposta na 1.ª instância; ii) Acórdão de 16 de maio de 2002, processo nº 1258/02, estando em causa 749 gramas de cocaína, a pena de 4 (quatro) anos e 5 (cinco) meses de prisão fixada pelas instâncias foi confirmada; iii) Acórdão de 21 de Setembro de 2006, processo nº 2818/06, estando em causa 795 gramas de cocaína, foi confirmada a pena de 5 (cinco) anos de prisão; iv) Acórdão de 7 de Fevereiro de 2007, processo nº 22/07, estando em causa 861 gramas de cocaína, foi confirmada a pena de 5 (cinco) anos de prisão; v) Acórdão de 13 de Setembro de 2007, processo nº 2311/07, estando em causa 790 gramas de cocaína, foi confirmada a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; vi) Acórdão de 20 de Março de 2008, processo nº 305/2008, estando em causa 707 gramas de cocaína, foi reduzida a pena de 5 (cinco) anos para 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão; vii) Acórdão de 11 de Março de 2010, processo nº 100/2009, estando em causa 846 gramas de cocaína, a pena foi reduzida de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses para 4 (quatro) anos de prisão; viii) Acórdão de 09-04-2015, processo nº 147/14-3.ª Secção, foi fixada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, estando em causa o transporte de cocaína com o peso líquido de 795 gramas; 13. E, portanto, aqui chegados só podemos concluir com certeza e convicção que efetivamente a pena de prisão aplicada à arguida de 6 anos é manifestamente desproporcional e excessiva, tanto face às concretas circunstâncias envolvidas, como em face do que tem vindo a ser decido pelo nosso Supremo Tribunal de Justiça, aplicando para os casos análogos penas até ao limite dos 5 anos de prisão.
-
Sendo reduzida a pena de prisão aplicada, cifrando-se no patamar de limite máximo dos 5 anos de prisão, essa pena deverá ser suspensa na sua execução, por se vislumbrar existir um juízo de prognose social favorável por parte da arguida, acreditando que a simples ameaça de prisão se denota suficiente para acautelar as exigências dos fins das penas.
-
Nos termos do nº 1 do art. 50º do Cód. Penal, O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
-
Para este efeito, é necessário que o Tribunal que julga em primeira instância, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição 17. Esse juízo de prognose social favorável terá como fundamento quatro critérios, nomeadamente a (i) personalidade do agente; (ii) condições da vida do agente; (iii) conduta do agente anterior e posterior à pratico do crime; e (iv) concretas circunstâncias do crime.
-
Relativamente à (i) personalidade da arguida, atualmente com 23 anos, esta apresenta-se bastante favorável, na medida em que é descrita como uma pessoa bastante pacata, humilde, honesta, trabalhadora e prestável.
-
No que toca (ii) às condições da vida da arguida, apesar de se encontrar desempregada, aquando da sua liberdade esta encontra-se motivada para arranjar emprego, estabilizando-se financeiramente, bem como constituir família com o seu filho – que nascerá em breve – e o pai da criança.
-
Encontra-se familiar e socialmente integrada.
-
O nascimento do filho irá marcar um novo recomeço de vida mais ponderado e cuidado, tanto perante a vida como a sociedade.
-
A (iii) conduta da arguida no momento anterior à prática do crime, caracteriza-se por um período conturbado de escassez económica – causada pela pandemia - que motivou a arguida a aceitar a realização deste serviço, para conseguir sobreviver.
-
No momento posterior à prática do crime, já sujeita a medida de coação privativa da liberdade – há mais de 1 anos - a sua conduta pautou-se e pauta-se por atitudes exemplares, corretas, com clara evidencia de interiorização do desvalor da sua conduta e o enraizamento da necessidade de cumprimento das regras impostas.
-
A arguida demonstra sentimentos de arrependimento, vergonha e autocensura.
-
Por fim, as (iv) concretas circunstâncias do crime, não descurando a gravidade subjacente, mas numa ótica comparativa a casos semelhantes de transporte de drogas, demonstram-se atenuadas na medida em que: a arguida é primária, foi motivada por carências financeiras, o transporte foi efetuado em território nacional e a quantidade apreendida – 962g de heroína – apesar de não ser consideravelmente diminuta, também não se revela avultada face à normalidade neste tipo de tráfico.
-
Entendemos, assim, ressalvado o doutíssimo suprimento de Vossas Excelências, apresentar-se cabalmente evidenciada uma prognose social favorável, que deve conduzir a que o Tribunal corra um risco prudente, um risco moderado, na convicção de que os momentos vividos pela arguida em contacto com o sistema de justiça tal como as concretas circunstâncias dos autos, aliados à ameaça de uma pena de prisão serão suficientes para realizar os fins das penas e mantê-la afastada da criminalidade.
Pelo exposto e ressalvado o doutíssimo suprimento de Vossas Excelências, Colendos Juízes Conselheiros deste Supremo Tribunal de Justiça, deverá: I. Considerar-se excessiva a concreta medida da pena aplicada, reduzindo-a e estabelecendo-a num patamar nunca superior dos 5 (cinco) anos; e II. Suspender-se a pena de prisão que, a final, se fixar.” O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO