Acórdão nº 2414/20.0T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelANTERO VEIGA
Data da Resolução15 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

AL.…, intentou a presente ação declarativa comum de impugnação de sanção disciplinar contra “Instituição…”, peticionando: a) Ser declarada a nulidade da prova obtida – quer da prova direta quer da prova derivada ou mediata - para efeitos disciplinares, redundando na nulidade de todo o procedimento disciplinar, com a inerente revogação da sanção disciplinar aplicada à autora; b) Ser ademais declarada a nulidade do procedimento e da respetiva decisão, por violação – sem prejuízo de outros normativos ao caso aplicáveis – do nº 1, do artigo 353º, do nº 2, do artigo 354º, do nº 1, do 356º e do nº 4 e 5 do artigo 357º, todos do Código do Trabalho, com a inerente revogação da sanção disciplinar aplicada à autora.

Se assim não se entender, c) Ser a sanção disciplinar aplicada à autora revogada por não provados ou não demonstrados os factos sobre os quais a mesma assentou; d) Ou, em último ratio, ser a mesma sanção reduzida ou atenuada em função de todo o comportamento anterior da autora e das demais circunstâncias atenuantes que se mostrem provadas; E, na sequência da procedência de qualquer um dos pedidos supra, e) Ser a ré condenada a pagar à autora, a título de reposição salarial, a quantia de €1.495,54 (mil quatrocentos e noventa e cinco euros e cinquenta e quatro cêntimos), correspondente a sessenta dias de remuneração e quarenta e quatro dias de subsídio de alimentação (654,05€ x 2 + 4,26€ x 44), ou o montante proporcional aos dias em que a sanção vier a ser reduzida; E ainda, f) Ser a ré condenada a pagar à autora a título de danos não patrimoniais o valor de € 5.000,00 (cinco mil euros); g) Ser a ré condenada no pagamento de juros até efetivo pagamento da dívida.

***Alegou em resumo, que foi admitida para trabalhar sob a autoridade e direção da ré em 2014.

Sempre exerceu as funções inerentes à categoria profissional de Ajudante de Ação Direta, primeiro na Estrutura “A” e atualmente na estrutura “B”, ambas estruturas propriedade da ré.

Em fevereiro de 2020, alegadamente na sequência de factos reproduzidos em programa televisivo, foi a autora notificada de que se encontrava suspensa de funções, sem perda de retribuição.

Posteriormente, foi a autora notificada de Nota de Culpa deduzida pela ré, na qual lhe eram imputados os seguintes factos: - “estando com a colega “R” a virarem o sr. “A” para o posicionar, fizeram-no com movimentos bruscos”; - “segurou a mão do sr. “A” para não o deixar cair, mantendo-lhe o braço em tensão, ao mesmo tempo que afastou a cama com o pé”; - “referindo-se ao sr. “A”, e na presença deste, perguntou aos colegas “que é que hei-de vestir a este filho da puta, falando bem e depressa?”” - “noutra ocasião, disse “deixa estar a porta aberta que é para sair o cheiro a merda”, e referiu-se ao sr. “A” por “espantalho”; - “mudou a fralda ao sr. “A” com movimentos bruscos e agressivos” – doc. 6.

Pese ter apresentado defesa à Nota de Culpa, a R. decidiu, através de notificação de março de 2020, aplicar à A., com efeitos imediatos, a sanção unitária de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade, pelo período de 60 dias, e ainda o fim da sua suspensão preventiva sem perda de retribuição.

A autora cumpriu integralmente a sobredita sanção disciplinar, com a correspondente perda de retribuição e de antiguidade, não podendo, contudo, conformar-se com a mesma.

Regularmente notificada, veio a ré pugnar pela total improcedência da ação, com os fundamentos constantes do seu articulado/contestação que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

Realizado o julgamento foi proferida decisão nos seguintes termos: “Em conformidade com o exposto, decide-se julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente ação e, em consequência, decide-se: a) Declarar lícita e isenta de nulidades a sanção disciplinar aplicada pela ré/empregadora à autora/trabalhadora; e b) Absolver a ré/empregadora dos pedidos formulados pela autora/trabalhadora.

(…)” Inconformada a autora interpôs recurso com as seguintes conclusões: 1) A douta sentença recorrida – na senda aliás da decisão disciplinar – deixa transparecer um punhado de incongruências e insubsistências sobre a questão da nulidade da prova obtida para efeitos disciplinares – quer da prova direta quer da prova derivada ou mediata… 2) Diga-se, como consta do documento 5 junto com a petição inicial, datado de fevereiro de 2020, a Conversão em Processo Disciplinar eclode da difusão pública do programa televisivo … 3) Também o introito da decisão disciplinar é claro ao referir a difusão pública das imagens em programas televisivos e na internet como a fonte do processo disciplinar… 4) Por outro lado, a decisão recorrida, na senda decisão disciplinar, refere que, “mesmo que se considerasse terem sido as imagens a fonte do processo disciplinar, certo é que tais imagens não eram e não foram o único meio de prova a ser tido em consideração, porquanto também foi produzida e livremente apreciada a confissão da A. e a prova testemunhal sobre os factos que levaram ao procedimento disciplinar.

5) Sobre esta aventada “confissão” da autora e sobre a prova testemunhal produzida em sede disciplinar, jamais a mesma poderá valer para sustentar o que quer que seja, pois foi obtida no cotejo com prova ilícita, a redundar na questão da ilicitude da prova derivada ou mediata (a teoria do “fruto envenenado”) sobejamente aflorada na petição inicial.

… 8) Ora, como é evidente, isso mesmo se reconhecendo na decisão disciplinar e na douta sentença, as imagens que espoletaram o procedimento disciplinar em causa, reproduzidas no programa televisivo e depois na internet, foram obtidas de forma clandestina, oculta e sem conhecimento da autora e dos demais trabalhadores da Estrutura (e da própria entidade patronal, ora recorrida), derivando em autêntica surpresa, constituindo a sua utilização e reprodução pública uma clara violação da dignidade e privacidade dos trabalhadores e, enfim, dos próprios utentes filmados, pessoas naturalmente debilitadas em função da sua saúde e da sua idade.

9) Mesmo a tese daqueles que defendem que em determinadas circunstâncias, pode ser lícita a utilização de dados com fins disciplinares quando o que se descobre acidentalmente são factos particularmente gravosos, e que constituem ilícitos penais de relevo, a verdade é que essa validade pressupõe sempre que as imagens tenham sido licitamente obtidas, de acordo com as regras e princípios aplicáveis, nomeadamente as constantes dos artigos 20.º e 21.º do Código do Trabalho.

10) Caso essas regras e princípios não tenham sido observados – e no caso vertente manifestamente não o foram – então as imagens não podem valer como prova disciplinar.

11) A consequência legal da utilização ilícita dos meios de vigilância à distância é a total invalidade da prova obtida para efeitos disciplinares.

12) Assim, à luz do artigo 32.º, n.º 8 da Constituição da República Portuguesa, a prova produzida através desses registos será sempre de considerar absolutamente nula… 13) A douta sentença recorrida considera, todavia, sobre esta matéria que “no caso sub judice “a captação de imagens será antes relativamente proibida, abrangida pelas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 417.º do CPC” e que, fazendo apelo ao princípio da “teoria da ponderação dos interesses”, e tendo em “atenção os princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação”, a ilicitude a prova deve ser considerada justificada.

14) Para o douto Tribunal a quo “no presente caso consideramos que nos direitos em colisão, (direito à imagem e vida privada da A./versus direito à saúde e bem-estar dos utentes do lar) decorrentes das imagens que circulavam clandestinamente na localidade, captadas sem autorização da A., deve prevalecer o direito à saúde e bem-estar dos utentes em detrimento da imagem da A….

15) A autora /recorrente não coloca em causa a relevância do direito à saúde e bem-estar dos utentes do lar, todavia, o juízo do Tribunal não pode ser erigido em torno desta premissa, sobrepondo-a a outras premissas fundamentais numa análise que se quer sensata e, enfim, de Direito – não confundível com um julgamento público como o do Programa televisivo -, como são as premissas, de cariz imperativo e absoluto, relativas à licitude da obtenção de provas 16) A autora também não coloca em causa que, após a divulgação pública das filmagens, a ré/recorrida deveria espoletar um procedimento de averiguações, exercendo o seu direito subjetivo/potestativo de instaurar procedimento disciplinar. Deveria fazê-lo, como fez.

17) Não pode é a ré, em caso algum, estribar e conduzir esse processo disciplinar em torno das imagens clandestinas, editadas e trabalhadas a preceito por desconhecidos… … 19) Por exemplo, no caso vertente, não foram sequer inquiridos os familiares do Sr. “A” e esposa, Sra. “D”, sobre eventuais queixas anteriores reportadas pelos progenitores que pudessem consubstanciar “maus tratos” perpetrados pelos funcionários no interior do seu quarto na instituição.

20) Também não foi inquirida a Sra. “D”, que partilhava quarto com o Sr. “A”, entretanto falecido em meados de janeiro de 2020, sobre quaisquer situações que pudessem consubstanciar maus tratos.

21) Não foi espoletada qualquer diligência para averiguar sobre a autoria das filmagens clandestinas… nem foram questionados ou aprofundados os desígnios do autor/a das filmagens clandestinas.

22) O que demonstram os autos é que a autora/recorrente foi chamada a depor depois da difusão do programa televisivo, nessa sequência foram inquiridos também outros trabalhadores, criando-se um clima de delação dentro da instituição, colocando-se colegas a identificar colegas, num registo de “salve-se quem puder”, tendo por base as imagens difundidas publicamente.

23) Ora, quanto a esta prova testemunhal produzida em sede disciplinar, cumpre dizer que se a prova produzida através das filmagens clandestinas é nula, por uma questão de lógica, também não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT