Acórdão nº 4699/21.6T8FNC.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelSÉRGIO ALMEIDA
Data da Resolução08 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa Sinistrado e recorrente: AAA Responsável (adiante designada por R.): BBB Empregadora: CCC O sinistrado veio dar conta, em outubro de 2021, da ocorrência de um acidente laboral que sofreu em 2016, considerando estar em tempo e pedindo ao MºPº que se registe o acidente de trabalho e se notifique a Companhia de Seguros e Entidade Empregadora, "seguindo-se os ulteriores termos do processo, nomeadamente: A)–Designar data Para o Exame Médico, o qual requer que se realize através do Gabinete Médico Legal do Funchal -, atendendo à residência da mesma ser na Região Autónoma da Madeira; B)–Designar a data da tentativa de conciliação".

O MºPº, depois de solicitar à Seguradora, informação relativa ao acidente que terá ocorrido no dia 15 de junho de 2016 – BBB, apólice …, devendo ser remetido aos autos o respetivo boletim de alta, entendeu que, "atenta a data do acidente, a data da alta clínica ocorrida em 19.08.16, face aos termos do disposto no nº 1 do art.º 179º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro que Regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, “o direito de ação respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.” O Sinistrado teve alta como resulta do boletim clínico. Que de qualquer forma, nos termos do nº 2 do art.º 121º do DL n.º 72/2008, de 16 de abril, que estabelece o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, os restantes direitos emergentes do contrato de seguro prescrevem no prazo de cinco anos a contar da data em que o titular teve conhecimento do direito, pelo que, por esta via, estaria prescrito o direito do Requerente à abertura do processo por este acidente. Assim, prescrito o eventual direito de ação do trabalhador relativamente a créditos emergentes do seu acidente, determino o arquivamento do presente processo".

Na sequência de requerimento entretanto apresentado pelo sinistrado, foi proferido o seguinte despacho, desta feita judicial: "Acidente de Trabalho (F. Conciliatória) Notificado do arquivamento dos presentes autos pelo Ministério Público, veio o sinistrado requerer o indeferimento da promoção do Ministério Público.

Cumpre apreciar e decidir.

Os presentes autos encontram-se neste Tribunal na fase conciliatória.

O processo especial de acidentes de trabalho tem duas grandes fases: a conciliatória e a contenciosa.

A primeira é uma fase necessária, é dirigida pelo Ministério Público e termina com a tentativa de conciliação aludida nos artigos 108 e ss. do Código de Processo do Trabalho.

A fase contenciosa é eventual, ou seja, nem sempre tem lugar (mormente havendo acordo na fase conciliatória entre sinistrado e responsável/responsáveis pela reparação dos danos emergentes do acidente) e inicia-se com uma petição ou requerimento de junta médica, é dirigida pelo Juiz de Direito, que julga e define os direitos e deveres das partes, proferindo afinal uma decisão judicial/sentença.

A fase conciliatória reveste-se de natureza essencialmente administrativa e tem por fim promover o acordo das partes, dentro do respeito dos direitos irrenunciáveis e indisponíveis do sinistrado.

Em rigor, na fase conciliatória não existem partes, não há litígio, nem formulação de pedido e o Ministério Público defende apenas o interesse público da correcta definição dos direitos e deveres resultantes de um acidente de trabalho.

Consequentemente, cabe ao Ministério Público determinar, na fase conciliatória, tudo aquilo que não envolva a definição do direito, nomeadamente, nos termos da lei, o arquivamento do processo, conforme prevê o artigo 100º, n.º 4, do CPT (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30 de Junho de 1987, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XII, tomo 3, p. 72).

Nestes termos, cabendo ao Ministério Público a definição dos direitos, o que no caso foi feito, nada há a decidir ou ordenar, indeferindo-se ao requerido.

(...)" * Inconformado, o sinistrado recorreu, concluindo: 1.º-O Sinistrado não se conforma com o arquivamento do presente processo por entender que não se verificam as exceções da prescrição, nem da caducidade do direito de ação do trabalhador relativamente a créditos emergentes do acidente de trabalho participado; 2.º-Impõe-se a revogação da Decisão Judicial em apreço por se afigurar nula, ao abrigo do art.º 77, n.º 1, do CPT, por impedir o prosseguimento e conclusão da fase conciliatória para que, caso em que, não sendo obtido acordo das partes, o Sinistrado possa apresentar a competente petição inicial para dar início à fase contenciosa do processo; 3.º-Apesar de o processo emergente de acidente de trabalho iniciar-se com a participação, é sabido que a ação propriamente dita, como a definição de partes, de causa de pedir e de pedido, só surge aquando da entrada em juízo da petição inicial (ou do requerimento), só então o Tribunal, enquanto órgão de soberania com competência para administrar a justiça, é chamado a dirimir um conflito estabelecido entre as partes, não resolvido na tentativa de conciliação; 4.º-Além do mais, e relativamente ao acidente trabalho que deu origem ao presente processo, a Ré Seguradora nunca enviou ao Sinistrado o boletim de alta clínica referente ao presente sinistro; 5.º-Tanto assim que, consta, expressamente do boletim da alta junto aos autos pela Ré, BBB…, a referência ao proc. TT:2497/16.8T8FNC que correu os seus termos neste douto Juízo de Trabalho, tendo tido origem noutro acidente de trabalho sofrido pelo aqui Sinistrado, que não o aqui participado; 6.

º-Se o sinistrado cumpriu a sua obrigação de participar tempestivamente o acidente ao empregador (que é a única imposta pela LAT/2009) enquanto a Seguradora não lhe comunicar a sua alta clínica (ou que não lhe reconhece quaisquer lesões incapacitantes), o prazo de caducidade de um ano não começa a correr, tenha o empregador participado o acidente à seguradora ou não; 7.º-Na situação em apreço, o Sinistrado limitou-se a submeter à apreciação do Ministério Público a participação, onde deu conta da ocorrência do acidente e solicita a final que seja agendado exame médico e tentativa de conciliação; 8.º-Neste momento não há, nem podia haver, qualquer pedido de condenação dos eventuais responsáveis pela reparação das consequências advenientes do acidente, pedido esse que só poderá ser formulado se e quando o processo passe à fase contenciosa por frustração da conciliação na tentativa agendada para o efeito - cfr. artº 119º do C.P. Trabalho; 9.º-Com efeito, para a determinação da exceção de caducidade do direito de ação importa apurar, entre o mais, diversos fatores tais como: a data da alta clínica e a entrega do boletim de alta pela Companhia de Seguros, pois que o prazo de caducidade do direito de ação nos processos emergentes de acidente de trabalho, só começa a correr depois da efetiva entrega ao Sinistrado do boletim da alta; 10.º-Consequentemente cai por base a exceção de prescrição, igualmente, invocada na promoção do Ministério Público em apreço, atento o disposto no art.º 306 do CC, segundo o qual: “a prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido“, o que ainda não se verificou, até à presente data, por falta de entrega do boletim da alta médica ao Sinistrado; 11.º-A dedução das exceções de caducidade e de prescrição do direito do Sinistrado é intempestiva, não podendo o Tribunal, à míngua de elementos factuais bastantes para o efeito apreciá-las desde já; 12.º-Os direitos e garantias decorrentes do Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, estão sujeito ao princípio da indisponibilidade e ficariam irremediavelmente postos em causa, se se fizesse recair sobre o trabalhador/sinistrado a observância do prazo de um ano desde a data do acidente para a propositura da ação, caso não tenha ocorrido a comunicação formal da alta, designadamente quando a Ré Seguradora, recusando assumir a sua responsabilidade infortunística não tenha participado o acidente ao tribunal; 13.-Em face do exposto, sob pena de obstaculizar o direito de acesso à Justiça que assiste ao aqui Recorrente, garantido constitucionalmente, deve ser revogada a decisão judicial em apreço que, sem...

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