Acórdão nº 113/19.5T9NLS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução15 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

RECURSO N.º 113/19.5T9NLS.C1 Processo Comum Singular Crime de injúria agravada Crime de coacção contra órgãos constitucionais Perfectibilização dos delitos Juízo de Competência Genérica de Nelas Tribunal Judicial da comarca de Viseu Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1.

A SENTENÇA RECORRIDA No processo comum singular n.º 113/19.... do Juízo de Competência Genérica ...

– comarca ... -, por sentença datada de 17 de Novembro de 2021, foi decidido: · a)- Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelas disposições dos artigos 181º, n.º 1 e 184º, por referência à alínea l) do n.º 1 do artigo 132º, todos normativos do Código Penal (doravante CP), perpetrado na pessoa do assistente BB, na pena de 100 (cem) dias de multa; · b)- Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um coacção contra órgãos constitucionais, p. e p. pelo artigo 10º, nºs 1, 3 e 4 da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 30/2015, de 22 de Abril, na pena de 5 meses de prisão, substituídos por 150 dias de multa; · c)- Condenar o mesmo arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 10, o que perfaz a quantia pecuniária de € 2000; · d)- Condenar o demandado AA a pagar ao demandante BB a quantia de € 1500, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos à taxa de 4% ao ano, desde 18/11/2021 até efectivo e integral pagamento.

2.

O RECURSO Inconformado, o arguido recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «I.

AA identificado nos autos e neles arguido, não se conformando com o teor da douta Sentença neles exarada, vem dela interpor recurso penal para o Tribunal da Relação de Coimbra. Tendo o presente recurso efeito suspensivo, porque interposto por sujeitos dotados de legitimidade (Cfr. arts. 407º/1, al. a), 406º/1, al. a) e 401º/1, al.b), todos do C. P. Penal.

  1. Compreende o ora recorrente, que o tribunal a quo valorou erradamente a matéria fáctica produzida nem tão pouco fez uma adequada subsunção da mesma às disposições legais, o que in casu resulta numa incorrecta aplicação do Direito.

  2. Resulta dos autos de sentença, em nosso entender, que não só a prova produzida em julgamento, que suporta a decisão de que ora se recorre, é manifestamente insuficiente, nomeadamente para dar como provados os factos 7. a 13. e 19. a 21., como foi cabalmente errada a sua valoração, causando a infausta condenação do arguido em crime de injuria agravada e bem assim de coacção contra órgãos constitucionais.

  3. As expressões usadas pelo ora recorrente nos pontos 3. e 4. dos factos provados não decorre de uma conduta ilícita, por atentar contra o crédito ou o bom nome do recorrido, antes pelo contrário, insere-se no âmbito da liberdade de expressão e pensamento consagrada constitucionalmente, sendo proferidas estrictamente no âmbito político.

  4. Para concluir se uma expressão é ou não ofensiva da honra e consideração, é necessário enquadrá-la no contexto em que foi proferida, o meio a que pertencem ofendido/arguido, as relações entre eles, entre outros aspectos.

  5. O direito ao bom-nome e reputação, com consagração constitucional [art.26.º da CRP] conflitua, por vezes, com o princípio constitucional da liberdade de expressão [art.37.º da CRP], o qual se traduz no direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento, bem como o direito de informar, sem impedimentos ou discriminações, sendo que, a ofensa à honra e consideração não pode ser perspectivada em termos estrictamente subjectivos, ou seja, não basta que alguém se sinta atingido na sua honra -, na perspectiva interior/exterior – para que a ofensa exista. O que levaria, se tal se verificasse, numa contracção insustentável do princípio Constitucional da Liberdade de expressão (art.37º da CRP).

  6. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem entendido, em vários arestos, que «a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de todas as sociedades democráticas, sendo uma das condições primordiais para o seu progresso e para o desenvolvimento de cada um.» VIII. É pois, pressuposto da existência de uma sociedade democrática, o pluralismo, a tolerância, o confronto, a critica, sendo reduto inquestionável de concretização destes valores o contexto politico, compreendendo-se assim, que aqui “os limites da critica admissível são mais amplos em relação a um homem politico, agindo na sua personalidade pública” do que em relação a um simples cidadão.

  7. Assim o é porque “o homem político expõe-se inevitável e conscientemente a um controlo atento dos seus factos e gestos, tanto pelos jornalistas como pela generalidade dos cidadãos».

  8. Ora, uma das manifestações da liberdade de expressão é o direito que cada pessoa tem de exercer o direito de crítica, nomeadamente, a nível político.

  9. As expressões proferidas pelo recorrente, designadamente: “O senhor é um mentiroso.

    O senhor é um pulha político.

    (…) “O senhor politicamente nunca foi sério para ninguém” (…) foram-no em contexto de acesa contenda política.

  10. Inclusivamente, o recorrente responde ao assistente/recorrido, quando este lhe diz que “ninguém chama pulha ao Presidente da Câmara”, afirmando e concretizando o significado que para ele assumia a designação de “pulha político”: “É que o senhor só diz mentiras! Só diz mentiras”.

  11. Significa tal que a afirmação era apenas e tão só reportada a alegadas mentiras políticas que, no entendimento do recorrente, o Presidente da Câmara estava a proferir na reunião do executivo camarário.

  12. Estas expressões, embora contundentes, agressivas, integram-se num contexto de disputa política e eleitoral, visando a actuação do denunciante enquanto Presidente da Câmara, o seu comportamento político e não o denunciante em si mesmo, o mero cidadão, nem a vida pessoal deste.

  13. As expressões proferidas pelo ora recorrente, concretizam tão só e apenas, o sentido de critica política, porquanto da expressão: “É que o senhor só diz mentiras! Só diz mentiras” conclui-se, natural e previsivelmente, que do contexto em que são proferidas, uma Assembleia Municipal, têm em vista a critica política, visando a actuação do denunciante enquanto Presidente da Câmara e não denunciante em si mesmo, o mero cidadão, nem a vida pessoal deste.

  14. O Presidente de uma Câmara Municipal, exercendo um cargo público, tem uma maior exposição e tem de se sujeitar à crítica, a qual é comunitariamente aceite, ainda que se recorra a expressões contundentes, desagradáveis, grosseiras. Pese embora, decorrente da exposição normal que o exercício de cargo publico compreende, e bem assim, sujeito a críticas à sua actuação e conformação enquanto tal, o assistente revela laivos de intolerância à critica.

  15. Compulsada a factualidade recolhida em sede de inquérito, com relevo sobre a matéria, verifica-se que as expressões proferidas pelo arguido foram em resultado das provocações do assistente.

  16. Pois que, tais expressões proferidas pelo arguido, conforme resulta da ata da reunião de câmara, só foram utilizadas depois daquelas provocações, sempre com o significado de mentiroso.

  17. Na verdade, é a própria sentença que o reconhece porquanto, nos factos dados como provados, concretamente no seu ponto 14, o Mmo. Juiz a quo dá como provado que: “À data da reunião referida no facto 3. (10 de Julho de 2019), as relações entre o arguido e o assistente eram tensas, com episódios de altercações entre ambos em reuniões anteriores do executivo camarário, a ponto de, em algumas reuniões, o sr. Presidente apelidar o arguido de “burro”, “jerico”, “palhaço”.

  18. Compulsada a factualidade recolhida em sede de inquérito, com relevo sobre a matéria, verifica-se que as expressões proferidas pelo arguido foram em resultado das provocações do assistente.

  19. Resulta ainda dos autos que tais expressões foram proferidas enquanto juízo de valor, que se reporta ao contexto da discussão recíproca e insinuações do assistente de que o arguido tudo fez para encerrar a C..., provocando assim deliberadamente o desemprego dos trabalhadores que lá prestavam serviço e prejudicando um negócio local, sem outro propósito ou motivação que não fosse o de retaliação político-partidária.

  20. Ora, o arguido proferiu as expressões constantes da acta da reunião enquanto manifestação do descontentamento com as insinuações do assistente, no contexto da contenda política, sendo as reuniões de câmara (tal qual como na Assembleia da República) o palco de maior e mais aceso debate político local.

  21. Nada se demonstrou no sentido de que com aquelas expressões, tinha o arguido a intenção e actuou com o propósito de humilhar e vexar o assistente, despido da respectiva veste política.

  22. Na verdade, e face ao que supra se expõe as expressões proferidas pelo arguido estão cobertas pela liberdade de expressão constitucionalmente garantida e por esta razão deve se considerar não provado que o mesmo tivesse agido com a consciência da punibilidade da sua conduta.

  23. Pelo exposto, a douta sentença recorrida deverá ser reformada, de acordo com o que antecede, absolvendo-se o arguido da prática de um crime de injuria agravada, previsto e punido pelos art.ºs 180 n.º 1 e 183 n.º 1 al.ª a), ambos do CP, e absolvendo o arguido do pedido de indemnização civil formulado nos autos pelo Ofendido.

  24. O arguido está ainda acusado da autoria, na forma consumada, de um crime de coação contra órgãos constitucionais, p. e p. pelo art. 10.º, n.º 1, 3 e 4 da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 30/2015, de 22 de abril., sendo que da interpretação do referido artigo o bem jurídico protegido desconhece-se.

  25. Considera-se, pois, que o crime objecto dos autos tem na sua génese – como referido na sentença proferida pelo Tribunal a quo – não a mera perturbação do...

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