Acórdão nº 0337/18.2BECBR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução09 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1.

A “Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP)/Ministério da Justiça (MJ)” interpôs o presente recurso de revista do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) em 5/2/2021 (cfr. fls. 312 e segs. SITAF), o qual, concedendo provimento ao recurso de apelação que A………… e B…………, enquanto Autoras, interpuseram da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Coimbra (TAF/Coimbra), de 20/5/2020 (cfr. fls. 229 e segs. SITAF) - que julgara a ação improcedente -, revogou esta decisão de 1ª instância e anulou o ato impugnado que aplicara às Autoras a pena disciplinar de repreensão escrita, suspensa na sua execução por 6 meses.

  1. Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 343 e segs. SITAF): «A- O presente recurso tem como objeto o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte) que concedeu provimento ao recurso interposto pelas ora Recorridas (A………… e B…………) e assim anulou a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra e, consequentemente anulou o ato impugnado no processo nº 337/18.2BECBR.

    B- Os requisitos da sua admissibilidade estão elencados no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, designadamente, é admissível recurso de revista quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a sua admissão seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

    C- O TRL tem entendido de forma consistente que o artigo 15º do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional, enuncia apenas exemplificativamente os serviços mínimos que devem ser garantidos em período de greve, do que resulta que outros serviços, para além dos previstos na norma, possam ser garantidos, desde que respeitados os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, impondo-se, assim, que se verifique um equilíbrio entre o direito à greve do pessoal do Corpo da Guarda Prisional e os direitos constitucionais dos reclusos.

    D- O Acórdão do TCA Norte recorrido adotou posição contrária à jurisprudência assente e sedimentada em inúmeros Tribunais Arbitrais sobre fixação de serviços mínimos em greves convocadas pelos elementos do corpo da Guarda Prisional, bem como da posição assumida pelo Venerando TRL em Acórdão proferido em 2018 no processo nº 298/18.8YRLSB que firmou jurisprudência que as visitas com entrega de saco visam a satisfação de necessidade sociais impreteríveis da população reclusa.

    E- Consentir a definição, nos moldes definidos pelo TCA Norte no Acórdão ora recorrido, do referido serviço mínimo traduz-se, nessa medida e em nosso entender, na violação das normas e princípios constitucionais aqui aplicáveis e numa restrição indevida ou excessiva aos limites traçados pelas normas legais que regulam o direito à greve, designadamente no seio da atividade desenvolvida pela DGRSP.

    F- Com efeito, o TCA Norte considerou tal como as Recorridas que a imposição da receção e revista dos sacos trazidos pelas visitas destinados aos reclusos, no período da greve, viola o direito à greve, constitui um ato de coação que, como tal, padece de nulidade, pelo que as Recorridas não incorreram em infração disciplinar, por violação do dever de obediência ao não acatar as ordens dos seus superiores hierárquicos.

    G- Pelo que, in casu, justifica-se a intervenção desse Venerando Tribunal para uma melhor aplicação do direito e reparar um erro interpretativo do TCA Norte não só do quadro legal aplicável, mas também constitucional relativo ao direito de cidadãos que estão à guarda do Estado e cujos direitos incumbe a esta DGRSP assegurar e respeitar, e que naturalmente num novo e futuro período de greve dos elementos do corpo da guarda prisional serão necessariamente postos em causa.

    H- A relevância jurídica e social fundamental do caso em análise não se confina aos estritos limites do caso concreto, tendo potencialidade para abranger muitos outros casos e reclama a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para melhor aplicação do direito, de molde a garantir a mais correta e uniforme aplicação do direito de modo a maximizar a capacidade de previsibilidade das decisões administrativas quando estão em causa direitos liberdades garantias, justifica-se, pois, a necessidade de intervenção clarificadora do STA.

    I- Razões pelas quais se demonstra estarem preenchidos os pressupostos legais previstos no artigo 150.º do CPTA, que permitem e justificam a admissão do recurso interposto pelo Recorrente, justificando-se in casu a quebra da regra da excecionalidade e a admissão da presente revista.

    J- O direito à greve não se afigura como sendo um direito absoluto, podendo ser regulamentado de forma a ser exercido em consonância com os direitos cometidos à população reclusa, direitos esses com reconhecimento constitucional, nos termos do nº3 do artigo 30º da CRP e infraconstitucional em diplomas como o CEPMPL e RGEP, de forma a salvaguardar direitos e interesses constitucionalmente protegidos, in casu, da população reclusa e seus visitantes.

    K- Dessa forma, as necessidades sociais impreteríveis a que se refere o artigo 57º, nº3 da CRP são aquelas necessidades cuja não satisfação se traduz na violação de direitos e interesses constitucional e legalmente protegidos, no caso em análise dos cidadãos em reclusão e seus visitantes cujos Acórdãos Arbitrais acolheram ao longo do tempo de forma inequívoca em cumprimento da jurisprudência superior consolidada.

    L- Assim, para definir o âmbito dos serviços mínimos a prestar pelo corpo da guarda prisional releva considerar o quadro normativo constitucional e legal que consagra aos cidadãos reclusos um conjunto de direitos, quadro normativo esse que o TRL no Douto Acórdão de 2018, no processo nº 298/18.8YRLSB, reconheceu de forma expressa e inequívoca.

    M- Os serviços mínimos elencados nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 15º do Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional representam acima de tudo um conteúdo de natureza programática que tem merecido a adequada interpretação e concretização, no que concerne à definição de serviços mínimos e de meios necessários à realização da greve, por parte dos Colégios Arbitrais e jurisprudência dos Tribunais Superiores; N- A referida norma tem de ser compreendida numa lógica meramente exemplificativa e nunca taxativa em função da existência quer, da palavra “nomeadamente” no seu n.º 2, quer em função do seu n.º 1 referir que o direito à greve pelos trabalhadores do CGP verifica-se nos termos da Constituição da República Portuguesa e demais legislação aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas; O- Ou seja, o direito à greve dos elementos do Corpo da Guarda Prisional tem de ser exercido em consonância com os direitos cometidos à população reclusa, direitos esses com reconhecimento constitucional e infra constitucional em diplomas como o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro e no Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 51/2011, de 11 de Abril e de acordo com o estatuído na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho.

    P- O direito à greve não se afigura como sendo um direito absoluto, que pode ser regulamentado por Lei, como efetivamente se verifica nos artigos 394º e seguintes da LGTFP, e esta regulamentação pode constituir objetivamente uma restrição ao seu exercício, de forma a garantir a satisfação de necessidades sociais impreteríveis salvaguardando outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos da população reclusa.

    Q- É por isso que é jurisprudência assente dos Colégios Arbitrais e igualmente no Douto Acórdão do TRL, de 2018, no processo nº 298/18.8YRLSB, que a satisfação dos direitos dos reclusos no que tange às visitas nos termos habituais (com entrega de saco) integra o conceito de necessidades sociais impreteríveis e constituem contributos relevantes para a reinserção social dos reclusos cuja não satisfação tempestiva, pode provocar danos inaceitáveis na esfera dos reclusos, com o inerente aumento de tensão em meio prisional.

    R- Assim, torna-se, pois, necessária uma harmonização entre os direitos fundamentais dos reclusos que possam ser afetados com o exercício do direito de greve do CGP, sob pena de violação dos direitos constitucionais e legalmente atribuídos à população reclusa, com reflexos nefastos na missão de qualquer pena privativa de liberdade, que é a de garantir uma correta saída do recluso para a sociedade e assim garantir uma efetiva ressocialização daqueles cidadãos.

    S- Ora, tudo visto e ponderado o recluso não pode ser privado da visita semanal dos familiares, com a entrega de saco pelos visitantes nos termos habituais, umbilicalmente ligados, sob pena de grave violação dos seus direitos, sendo de salientar que a não realização de visitas semanais colide em absoluto com a manutenção de vínculos familiares e de amizade de visitantes.

    T- Ou seja, se o recebimento e entrega dos sacos com artigos autorizados, por caber no conceito de visitas aos reclusos, se mostrava abrangido pelos serviços mínimos a assegurar durante o período de greve, tal como definido nas ordens e instruções emanadas da DGRSP, não houve qualquer violação do direito à greve, nem qualquer limitação ao seu pleno exercício pelas Recorridas, não podendo aquelas ordens, naturalmente, ser consideradas um ato de coação, prejuízo e/ou discriminação sobre as mesmas como erroneamente concluiu o douto Acórdão recorrido do TCA Norte.

    Neste termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. exas. requer-se: i) A admissão do presente recurso de Revista; ii) Seja concedido provimento ao Recurso, anulando-se Acórdão Recorrido, mantendo-se a decisão do Tribunal de 1ª instância».

  2. As Autoras/Recorridas não apresentaram contra-alegações...

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