Acórdão nº 451/22 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução15 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 451/2022

Processo n.º 492/2022

Plenário

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. O Presidente da Assembleia Municipal de Valença submeteu ao Tribunal Constitucional, com registo de entrada em 5 de maio de 2022, requerimento para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade da deliberação da Assembleia Municipal de Valença, tomada na sua sessão ordinária de 28 de abril de 2022, que aprovou por maioria deliberação visando a realização de referendo local sobre a permanência ou não do Município na Águas do Alto Minho, S.A., nos termos do artigo 25.º da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto – diploma que aprova o regime jurídico do referendo local −, com as alterações introduzidas pelas Lei Orgânicas n.º 3/2010, de 15 de dezembro; n.º 1/2011, de 30 de novembro; n.º 3/2018, de 17 de agosto; e n.º 4/2020, de 11 de novembro (referida adiante pela sigla «LORL»).

2. Através do Acórdão n.º 383/2022, tirado em Plenário, decidiu-se, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 25.º da LORL, ter por não verificada a legalidade do referendo local que a Assembleia Municipal de Valença, na sua reunião ordinária de 28 de abril de 2022, deliberou realizar.

Tal decisão baseou-se na seguinte fundamentação:

6. Compete ao Tribunal Constitucional, em fiscalização preventiva obrigatória, verificar a constitucionalidade e a legalidade do referendo (v. o artigo 223.º, n.º 2, alínea f), da Constituição, e o artigo 11.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação vigente).

O requerente tem legitimidade para o pedido de fiscalização preventiva do referendo local, na qualidade de deputado ao órgão da autarquia que deliberou a sua realização, mostrando-se o processo regularmente instruído (artigos 28.º, n.º 1, da LORL).

No caso presente – e tratando-se de referendo municipal –, a iniciativa referendária foi exercida por deputado à Assembleia Municipal de Valença, revestindo a forma de projeto de deliberação, em conformidade com o disposto nos artigos 10.º, n.º 1 e 11.º, ambos da LORL.

O projeto de deliberação foi aprovado por maioria pela Assembleia Municipal, dentro do prazo estipulado pelo artigo 24.º, n.º 1, da LORL, pelo que se mostra observado o disposto no artigo 23.º e no n.º 5 do artigo 24.º, ambos de tal diploma.

Dispõe o artigo 25.º da LORL que, «[n]o prazo de oito dias a contar da deliberação de realização do referendo, o presidente do órgão deliberativo submete-a ao Tribunal Constitucional, para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade». O prazo foi observado.

Resta apreciar a constitucionalidade e a legalidade da deliberação de referendo.

7. O artigo 8.º da LORL determina que «[n]ão pode ser praticado nenhum ato relativo à convocação ou à realização de referendo entre a data de convocação e a de realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, eleições do governo próprio das Regiões Autónomas e do poder local, dos deputados ao Parlamento Europeu, bem como de referendo regional autonómico ou nacional».

Atentos os prazos previstos nos artigos 32.º e seguintes da LORL, é manifesto que não se verifica nenhum dos limites temporais a que se realize a consulta popular.

8. Apreciemos agora a legalidade do objeto ou matéria do referendo local.

A Assembleia Municipal de Valença deliberou consultar o eleitorado municipal sobre as seguintes questões:

a) «Pretende a saída do Município de Valença da A.D.A.M., S.A. (Águas do Alto Minho Sociedade Anónima)?» e

b) «Pretende a permanência do Município de Valença da A.D.A.M., S.A. (Águas do Alto Minho Sociedade Anónima)?»

Como é bom de ver, o referendo incide sobre a permanência ou saída do Município de Valença da sociedade Águas do Alto Minho, S.A., sendo esses os termos em que as questões são colocadas.

Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, da LORL, o referendo local só pode ter por objeto questões de relevante interesse local.

De acordo com as razões aduzidas no projeto de deliberação e da informação pública existente, a Águas do Alto Minho, S.A., é uma sociedade anónima de capitais públicos detida pela AdP — Águas de Portugal, S.A., e pelos municípios de Arcos de Valdevez, Caminha, Paredes de Coura, Ponte de Lima, Valença, Viana do Castelo e Vila Nova de Cerveira, sendo a entidade que atualmente procede à exploração e gestão do sistema de águas da região do Alto Minho.

O Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de agosto, na sua redação atual, estabelece o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos. De acordo com o seu artigo 6.º, n.º 1, a gestão dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos é uma atribuição dos municípios e pode ser por eles prosseguida isoladamente ou através de associações de municípios ou de áreas metropolitanas, mediante sistemas intermunicipais, sendo a delegação do serviço em empresa constituída em parceria com o Estado, nos termos regulados no Decreto-Lei n.º 90/2009, de 9 de abril, um dos modelos de gestão previstos no artigo 7.º, n.º 1, daquele diploma.

Segundo o disposto no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 90/2009, de 9 de abril, a exploração em regime de parceria pode ser feita, nomeadamente, através de entidade do sector empresarial do Estado em que participem municípios ou associações de municípios, sendo que tal modalidade de pareceria é, nos termos do artigo 5.º, instituída mediante a celebração de contrato entre o Estado − através de empresa do sector empresarial do Estado – e as autarquias locais ou associações de municípios em causa. Foi este o quadro legal em que foi criada a Águas do Alto Minho, S.A., detendo o Município de Valença 23.211 ações da categoria A, correspondentes a 3,22% do capital da sociedade.

Sem prejuízo do mais que se venha a dizer sobre a matéria, o referendo incide sobre a pretensão dos munícipes de que a atividade de exploração e gestão do sistema de abastecimento público de águas na área do Município de Valença continue a realizar-se mediante delegação na Águas do Alto Minho, S.A., no quadro do contrato de parceria celebrado para esse efeito. Porém, de acordo com o teor das perguntas propostas, no caso de os munícipes pretenderem que o Município de Valença se desvincule da referida parceria, não lhes é colocada a questão de saber que forma alternativa de prestação da atividade deve ser adotada. Está apenas em causa decidir sobre a participação municipal na Águas do Alto Minho, S.A, ou seja, sobre a eventual desvinculação do Município de Valença da parceria que deu vida a essa entidade.

Tendo-se presente que as atividades de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos constituem serviços públicos de carácter essencial, tendo por objeto bens de primeira necessidade cuja provisão suscita relevantes questões de saúde pública, segurança coletiva, organização económica e tutela ambiental – como se reconhece no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de agosto –, e que o modelo a que tais serviços obedeçam tem graves implicações sociais e económicas, afigura-se que a matéria se reveste de inequívoco interesse local. Por outro lado, não se vislumbra que a eventual cessação da prossecução da atividade de exploração e gestão do sistema de abastecimento público de águas na área do Município de Valença, por delegação na Águas do Alto Minho, S.A., contenda com os princípios da unidade e subsidiariedade do Estado, da descentralização, da autonomia local e da solidariedade interlocal, para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 3.º da LORL. Nem se trata de matéria liminarmente excluída de referendo local, nos termos do artigo 4.º da LORL, pelo que é de concluir que a matéria submetida a consulta popular é referendável a nível local.

9. Cabe agora apreciar se as perguntas formuladas reúnem as exigências legais.

Dispõe o artigo 7.º, n.º 1, da LORL, que nenhum referendo pode comportar mais do que três perguntas. Trata-se de uma exigência respeitada no caso vertente, visto que a deliberação incide sobre duas perguntas. Mostra-se igualmente verificada a condição prevista no n.º 3 do artigo 7.º do mesmo diploma, segundo a qual as perguntas não podem ser precedidas de quaisquer considerandos, preâmbulos ou notas explicativas.

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, «as perguntas são formuladas com objetividade, clareza e precisão e para respostas de sim ou não, sem sugerirem direta ou indiretamente o sentido das respostas».

Apreciemos estes requisitos.

O quesito referendário tem de ser formulado de modo a admitir exclusivamente as respostas sim ou não, de acordo com a natureza dilemática ou bipolar da consulta popular (v., entre muitos, o Acórdão n.º 360/91). No caso vertente, cada uma das perguntas aprovadas pela Assembleia Municipal de Valença, em si mesmo consideradas, obedece a tal requisito, na medida em que é passível de admitir uma só...

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