Acórdão nº 250/20.3SXLSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelANA BACELAR
Data da Resolução07 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I.

RELATÓRIO No processo comum n.º 250/20.3SXLSB do Juízo de Competência Genérica de Coruche da Comarca de Santarém, o Ministério Público acusou CLA, solteiro, (…), pela prática, em autoria material, - de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, alínea a) do Código Penal; - de um crime de ameaça agravada, previsto e punível pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal; - um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86.º, n.º 1, al. e), com referência aos artigos 2.º n.º 1 alínea ap) e artigo 3.º, n.º 2 alínea 3), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.

Não foi apresentada contestação escrita.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida e depositada a 24 de novembro de 2021, foi decidido: «

  1. Absolver o arguido CLA, da prática de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152º, n.ºs 1, alínea a) e 2, alínea a) do Código Penal, do qual vinha acusado e, em consequência, não se arbitra qualquer indemnização.

  2. Absolver o arguido CLA, da prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, do qual vinha acusado.

  3. Condenar o arguido CLA, pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. e), com referência aos art.ºs 2.º n.º 1 al. ap) e 3.º, n.º 2 al. 3) todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 400,00 (quatrocentos euros).

  4. Declarar perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos nos autos, determinando-se o seu envio à P.S.P.

  5. Condenar o arguido em 2 U.C.’s de taxa de justiça e a suportar os demais encargos decorrentes com o processo.» Inconformado com tal decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «1. Nos presentes autos, por sentença proferida em 24-11-2021, o arguido foi absolvido da prática do crime de ameaça qualificada, previsto e punido pelo artigo 153.º, 155.º, n.º 1, alínea a) por referência ao art. 131.º do Código Penal, de que vem acusado.

    1. Ora, não pode o Ministério Público conformar-se com tal decisão absolutória, porque a mesma enferma de erro notório na apreciação da prova.

    2. O Tribunal fundamentou a absolvição do arguido dando como não provados os elementos subjetivos do tipo de ameaça qualificada (pontos y), z) e aa) da motivação de facto).

    3. O dolo e a intenção prevista no tipo pertencem ao mundo interior do agente. Por isso, ou é revelado pelo arguido, sob a forma de confissão, como sucedeu nos presentes autos, quer em sede de audiência de julgamento, quer em sede de primeiro interrogatório judicial, ou tem de ser extraído dos factos objetivos – isto é, inferido através da consideração de determinado circunstancialismo objetivo com idoneidade suficiente para revelá-lo.

    4. Acontece que, na perspetiva do Ministério Público, além da confissão, e tendo em consideração as máximas da experiência, os factos objetivos dados como provados na sentença impunham que se desse também como provado o elemento subjetivo compreendida no tipo de crime de ameaça qualificada imputado ao arguido.

    5. Esta atitude interna, por seu lado, pode ser lida com o suporte de elementos externos e objetivos que a revelam e nos quais externamente se manifeste.

    6. A ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é suscetível de ser tomada a sério pelo ameaçado (tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente), independentemente, de este ficar ou não intimidado.

    7. O crime de ameaça não exige a intenção do agente em concretizar a ameaça nem exige a ocorrência do dano, ou seja, a consumação do crime ameaçado. É, aliás este o entendimento maioritário na jurisprudência e na doutrina, que defendem que, desde a entrada em vigor do Código Penal de 95, o crime de ameaça deixou de ser um crime de resultado, para passar a ser um crime de perigo.

    8. Como nota Taipa de Carvalho, a tutela penal da liberdade é, a um tempo, negativa e pluridimensional. «Negativa, na medida em que visa impedir as ações de terceiros que afetem a liberdade de decisão e de ação individual; pluridimensional, uma vez que assume as diversas manifestações da liberdade pessoal (liberdade de autodeterminação, de movimento, de ação, sexual) como autónomos objetos de proteção penal», neste sentido, entre muitos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 22.09.2015, reator Exmo. Desembargador Fernando Pina, disponível in www.dgsi.pt 10. Incompreensivelmente, o Tribunal deu como não provada o conhecimento do arguido sobre a aptidão da sua conduta a perturbar a tranquilidade da vítima e a causar-lhe alarme e temor pela integridade física e pela vida.

    9. Ora, segundo as regras de experiência comum e normal acontecer, socorrendo-nos aqui do critério do homem médio, é natural que o cidadão comum tome por idónea e credível o anúncio de morte, da vítima e da sua progenitora, a quem a vítima solicitava suporte perante situação de crise, ou, nas palavras de Nuno Brandão, quando vivenciada micro episódios de violência doméstica era à sua mãe a quem a vítima pedia socorro.

    10. Desta feita, o arguido era sabedor que tal conduta seria idónea a aterrorizá-la e a causar-lhe alarme e temor pela integridade física e pela vida, agindo livre, voluntária e conscientemente e com a intenção de atemorizar AME.

    11. Centrando o enfoque na perspetiva da vítima, o Ministério Público considera que os crimes de ameaças qualificadas consumaram -se, quando o arguido, detentor de arma, de resto, como o mesmo confirmou em sede de audiência de julgamento e primeiro interrogatório judicial; ao qual foram apreendidas munições; o qual fora condenado por detenção de arma proibida; proferiu as expressões parafraseadas que chegaram ao conhecimento da vítima, tendo esta, na sua sequência, aceitado o patrulhamento de proximidade por parte de órgão de polícia criminal territorialmente competente (ponto 6. dos factos provados); tendo a, então, magistrada titular do inquérito, inclusive, estabelecido contacto com a vítima em setembro de 2020 e ao aperceber-se da ocorrência de conflito entre a vítima e o arguido acionado as forças de segurança que se deslocaram ao domicílio do casal. A intenção de causar receio e atemorizar a vítima ressalta evidente dessa conduta objetiva, bem como da concomitante atitude da vítima.

    12. A Mma. Juíza “a quo” considerou que seria necessário que essas afirmações qualquer dia mato-te, a ti e à tua mãe e não passas de amanhã, vou-te limpar o sebo a ti e à tua mãe, fossem proferidas de modo adequado a que o anúncio desse mal fosse visto em abstrato, por uma pessoa média como um anúncio credível, o que, no seu entendimento, não se verifica no caso dos autos.

    13. O Ministério Público não se pode conformar com este entendimento, porque o mesmo contraria as regras da lógica e da experiência comum, por um lado, e por outro, não é compaginável com a reação da vítima, a saída de casa, a realização de denúncia por alegada prática de crime de violência doméstica, a aceitação de policiamento de proximidade para sua segurança e proteção (facto provado 6.).

    14. Ou seja, dos factos dados como provados na sentença teria de se extrair a conclusão da verificação do elemento subjetivo típico do crime de ameaça qualificada, sendo que conclusão contrária ofende as regras da lógica, da experiência comum.

      Nestes termos, julgado vossas Excelências o presente recurso totalmente procedente, dando como provados os factos elencados nos referidos pontos y, z) e aa) da sentença e em consequência (estando reunidos todos os elementos de facto e de direito que habilitam esse Tribunal Superior a decidir), revogando parcialmente a sentença recorrida e substituída por outra que condene o arguido pela prática, em autoria material, dos crimes de ameaça qualificada, p.e p. pelo art. 153.º, 155.º, n.º 1, alínea a) por referência ao art. 131.º do Código Penal, de que vem acusado, farão Vossas Excelências, como sempre Justiça!» O recurso foi admitido.

      Não houve resposta.

      û Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto, emitiu o seguinte parecer [transcrição]: «(…) II – Considerando as questões suscitadas na fundada motivação de recurso da Magistrada do Ministério Público em funções no Juízo de Competência Genérica de Coruche, comarca de Santarém, manifestamos a nossa concordância com as perspetivas jurídicas e conclusões apresentadas, que apontam de forma clara e assertiva os motivos e fundamentos que evidenciam a pretensão recursiva, acompanhamos tal posição e aderimos à respetiva argumentação, também opinando no sentido da procedência do recurso, mostrando-se supérfluo o aditamento de qualquer outro comentário.

      Nesta conformidade somos de parecer que o recurso interposto pelo Ministério Público deve ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida nos termos avançados pelo...

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