Acórdão nº 0124/21.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório - 1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) vem, nos termos dos números 2, 3 e 4 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida a 26 de julho de 2021 no processo arbitral n.º 885/2019-T, por alegada contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido a 15 de Novembro de 2017 no processo n.º 0485/17, transitado em julgado.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

  1. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

  2. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete.

  3. Por seu turno, subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.

  4. Aqui chegados, e considerando a factualidade supra aludida, fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão recorrido e o Acórdão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

  5. Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas.

  6. Em ambos os casos, Recorrente e a ora Recorrida têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo actividades sujeitas a IVA e actividades isentas de IVA.

  7. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).

    I. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).

  8. Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal (2011 e 2010, respectivamente), por força do pro rata definitivo determinado para o respectivo ano, dado terem observado as instruções da Autoridade Tributária constantes no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

  9. Ambas apuraram um montante a deduzir distinto ao que foi apurado por recurso ao pro rata provisório.

    L. Ambas imputam aos actos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entenderem que nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD.

  10. Ainda no âmbito da matéria de facto, nenhum dos Acórdãos – o arbitral e o fundamento (0485/17) – deu como provado que o IVA suportado com os custos mistos à actividade sujeita e à actividade sujeita, mas isenta, fosse predominante consumido pela gestão e financiamento de contratos de locação financeira, fosse pela disponibilização de veículos.

  11. No acórdão fundamento, foi dado como não provado que os custos em que o Banco incorreu no âmbito dos contratos de locação financeira fossem referentes a actos de disponibilização de veículo.

  12. No acórdão recorrido, no ponto 1 da matéria dada como não provada, foi dado como não provado que a utilização de bens e serviços nas operações de leasing e “ALD financeiro”, consumidos em actividades mistas, fosse sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de leasing e “ALD financeiro”.

  13. No acórdão recorrido, no ponto 1 da matéria dada como não provada, foi dado como não provado que a utilização de bens e serviços nas operações de leasing e “ALD financeiro”, consumidos em actividades mistas, não fosse sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de leasing e “ALD financeiro”.

  14. Resumindo, e mesmo que no acórdão recorrido não se tenha dado como não provado que aqueles mesmos custos foram (ou não foram) consumidos sobretudo pelos actos de disponibilização de veículos, o certo é que, de toda a matéria provada e não provada, resulta o desconhecimento – ou o não apuramento – pelo Tribunal sobre se os custos gerais são influenciados e sobretudo, predominante absorvidos pelos actos de disponibilização de veículos ou se pelo financiamento ou gestão de contratos.

    R.

    O Tribunal arbitral não conseguiu apurar, para o que aqui interessa, se aqueles custos comuns foram sobretudos determinados e consumidos pelo acto de disponibilização de veículos, se pelo financiamento e gestão dos contratos.

    S.

    O cuidado do Tribunal arbitral em dar como não provado, expressamente, que se tenha provado que utilização dos custos mistos é (ou não) sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação, sem, diametralmente, ter manifestado e expresso nos factos dados como não provados essa mesma conclusão no que toca à absorção dos consumo daqueles mesmos custos mistos pelos actos de disponibilização de veículo, é bem elucidativo que, à medida que as decisões arbitrais vão sendo proferidas – e evoluindo na sua estrutura e composição -, haja uma dificuldade crescente, por parte da ora Requerente, em apresentar recursos para uniformização de jurisprudência.

    T.

    Se o Tribunal dá como não provado que se aqueles custos comuns foram sobretudos determinados e consumidos pelo acto de disponibilização de veículos, se pelo financiamento e gestão dos contratos, significa isso que, ainda que sem o dizer, também não consegue dar como provado ou como não provado que aqueles custos sejam ou não sejam consumidos pelos actos de disponibilização de veículos.

    U.

    Nos pontos 33, 34 e 36 da matéria de facto dada como provada, se referem diversos gastos mistos, que o Tribunal não atribui serem exclusivos da disponibilização dos veículos, nem da gestão e financiamento dos contratos de leasing e ALD.

    V. Tal como consta do teor do Acórdão 95/19, era esse o ponto que importava descortinar e que constituiu motivo para ordenar a ampliação da matéria de facto: «Em face da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, deve ser considerada a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos.» W.

    Aceitar a falta de identidade da matéria de facto no presente recurso por referência ao acórdão fundamento mais não é que “abrir a porta” para que, através de uma habilidade linguística – numa jurisdição, como a arbitral, que não admite recurso da matéria de facto – se furte uma decisão ao escrutínio dos Tribunais superiores, para mais numa matéria que tem vindo a ser uniforme, consistente e reiteradamente decidida por esse STA.

    X. No acórdão fundamento entendeu-se que o decidido pelo TJUE no processo no processo C-183/13, o artigo 23.º, n.º 3 do CIVA constitui a transposição do artigo 17.º, n.º 5, parágrafo 3, c) da Sexta Directiva e que, sendo assim, os Estados membros podem obrigar uma instituição bancária, que exerce actividades de locação financeira, a incluir no numerador e denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos contratos de locação financeira, correspondente aos juros.

  15. Foi assim decidido no acórdão fundamento porquanto, em sede de factos dados como não provados na sentença da 1.ª instância, fixou-se como não provado o facto de que os custos mistos, comuns à actividade isenta e à actividade sujeita, respeitassem à disponibilização de veículos objecto dos contratos de locação financeira.

  16. A decisão arbitral entendeu, por referência a diversas decisões arbitrais, de que se destaca a proferida no processo 498/2018-T, que a solução da ora Recorrida de aplicar o método de imputação específico, escorado no Ofício-Circulado n.º 30108, era incompatível com o disposto nos artigos 173.º e 174.º da Directiva IVA e, por consequência, com a solução proposta no artigo 23.º, n.º 3 e 4 do CIVA, não podendo a Autoridade Tributária aplicar um método de imposto específico para apurar a percentagem de dedução em sede de IVA.

    AA. Em oposição, o Acórdão fundamento (0485/17) entendeu que o artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução...

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