Acórdão nº 0164/21.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

RECURSO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

“A……., S.A.” veio, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo Recurso para Uniformização de Jurisprudência.

1.2.

No requerimento de interposição do recurso invocou, sumariamente, que a decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a 18 de Novembro de 2021, no processo n.º processo 307/2021-T, a que se dirige o recurso, está em oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a decisão proferida pelo mesmo Centro de Arbitragem, a 12 de Outubro de 2020, no processo nº 220/2020-T, já transitada em julgado (ambas as decisões arbitrais correram termos no Centro de Arbitragem Administrativa e encontram-se publicadas em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/).

1.3.

Nas conclusões das alegações que acompanharam aquela interposição, defende a Recorrente que as questões fundamentais de direito apreciadas em ambas as decisões em confronto são as mesmas, que a decisão arbitral recorrida deve ser revogada e que deve ser uniformizada jurisprudência que acolha o sentido perfilhado pela decisão fundamento, nos seguintes termos: «1ª.

- O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência vem interposto de decisão arbitral proferida, no âmbito do processo nº 307/2021 - T - CAAD, por Tribunal Arbitral em matéria tributária que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral; 2ª.

- As questões principais que a recorrente pretendia ver esclarecidas, em sede de arbitral, eram as seguintes: - se a atividade da recorrente no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas (em concreto rações) se enquadra no âmbito de aplicação do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento, DL 162/2014 (doravante designado RFAI); - saber se os investimentos realizados pela requerente encontram-se excluídos do âmbito da aplicação das OAR 2014-2020, Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1 de 27/07/2013 (doravante designado OAR) e do Regulamento Geral de isenção por categoria, aprovado pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014 de 16/06/2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26/06/2014 (doravante designado por RGIC); - saber se a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro padecia de vício de inconstitucionalidade por violação, entre outros, dos princípios constitucionais da legalidade tributária, da tipicidade e da reserva de lei formal.

  1. - Na decisão arbitral ora recorrida estava em causa saber se era legal a autoliquidação de IRC respeitantes aos anos de 2017 e 2018, na medida, entre o mais e para o que aqui interessa, correspondente à não dedução à colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma de incentivos fiscais em IRC, designadamente os benefícios fiscais apurados no âmbito do regime fiscal de apoio ao investimento RFAI.

  2. - A decisão arbitral recorrida decidiu que exercendo a recorrente uma atividade que enquadrou no capítulo 23 do Anexo I do TFUE, relevando o produto final e não o processo produtivo, apesar da recorrente exercer atividade de transformação e comercialização, concluiu que as OAR excluem a sua aplicação à atividade desenvolvida pela recorrente.

  3. - Também entendeu que os investimentos efetuados pela requerente, não eram elegíveis para efeitos de concessão de benefícios fiscais do RFAI, já que, segundo entendimento da decisão recorrida, o legislador nacional não usou a faculdade consagrada no § 168 das OAR do Sector Agrícola, tendo o artigo 1º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, em conformidade com as OAR e com o RGIC, considerado não elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do TFUE.

  4. - E entendeu, ainda, não se verificar a invocada inconstitucionalidade do artigo 2 n.º 3 do CFI ou do artigo 1 da Portaria n.º 282/2014 de 30 de dezembro, por entender que se enquadram no âmbito da margem de manobra reconhecida aos Estados membros pelo § 168 das OAR do Setor Agrícola.

  5. - Antes entendeu que a solução da questão apela a uma interpretação e aplicação do art 2º n.º 2 do CFI e da Portaria n.º 282/2014 em termos sistematicamente adequados, em conformidade com a Constituição e com o direito da União Europeia.

  6. - Este entendimento está em oposição com a decisão arbitral fundamento, proferida no âmbito do processo arbitral n.º 220/2020 - T, transitada em julgado.

  7. - Com efeito, esta decisão arbitral fundamento transitada em julgado, decidiu a mesma questão fundamental de direito (dedução de benefícios fiscais, como RFAI e apreciação da constitucionalidade da Portaria n.º 282/2014), no âmbito do mesmo quadro legal, concluindo de modo oposto, em súmula o seguinte: - Que a indústria transformadora enquadra-se no artigo 2º n.º 2 do CFI e não se está perante "atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC", para efeitos do art 22º n.º 1 do CFI.

    - Por outro lado, o afastamento do benefício fiscal não pode basear-se no artigo 1º da Portaria n.º 282/2014, de 30/12, por falta de habilitação legal e validade constitucional para restringir o âmbito do benefício fiscal definido no art 2º n.º 2 do CFI.

    - Entendeu que a Portaria n.º 282/2014 não pode validamente afastar a aplicação de benefícios previstos em diplomas de natureza legislativa.

    - De qualquer forma, sendo patente que a intenção legislativa subjacente ao RFAI, na versão do CFI, foi a de "definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional", enunciada na alínea c) do n.º 3 do artigo da Lei de autorização legislativa n.º 44/2014, de 11/07, a Portaria, como instrumento de execução dessas regras, sempre teria de ser interpretada de forma a concretizá-las e não a afastá-las, em face da supremacia do Direito de união sobre o Direito Nacional, que resulta do n.º 4 do art 8 da Constituição da República Portuguesa (doravante designado por CRP).

    - Concluiu pela ilegalidade das liquidações por vício de violação de lei.

  8. - Cotejando os pertinentes quadros factuais e normativos das decisões em confronto (ou seja, da decisão recorrida – processo n.º 307/2021-T - e da decisão arbitral fundamento – processo n.º 220/2020 - T), verifica-se, em síntese, o seguinte: 11ª. - Quanto à conduta do(s) respetivo(s) sujeito(s) passivo(s) de IRC e à postura da Autoridade Tributária: a. Que, na decisão arbitral recorrida foi apreciada uma situação em que o sujeito passivo de IRC apresentou, nos anos de 2017 e 2018, modelo declaração de IRC em que usufruiu de benefícios fiscais em sede de RFAI, tendo a AT, na sequência de processo inspetivo, entendido que as deduções à coleta relativas ao benefício fiscal RFAI declaradas se mostravam indevidas, efetuado correções, referentes aos exercícios de 2017 e 2018, bem como as consequentes liquidações adicionais de impostos e juros compensatórios, por a AT entender que a atividade desenvolvida pela recorrente estava excluída do âmbito de aplicação do RFAI, por força do art 1º da portaria n.º 282/2014, de 30/12 e por aplicação do nº. 1 do art 22º do Código Fiscal do Investimento (doravante designado por CFI); b. Que, semelhantemente, na decisão arbitral fundamento foi apreciada uma situação em que o respetivo sujeito passivo de IRC apresentou declarações de IRC relativamente ao exercício de 2015 e 2016 em que usufruiu de benefícios fiscais RFAI, tendo a AT, na sequência de processo inspetivo, entendido que as deduções à coleta relativas ao benefício fiscal RFAI declaradas se mostravam indevidas, efetuado correções, bem como as consequentes liquidações adicionais sede impostos e juros compensatórios, por a AT entender que a atividade desenvolvida pela recorrente estava excluída do âmbito de aplicação do RFAI, por força do art 1º da portaria n.º 282/2014, de 30/12 e por aplicação do nº. 1 do art 22º do CFI; 12ª. - E quanto à questão decidenda submetida pelas entidades requerentes a cada um dos respetivos Tribunais Arbitrais: a) Que na decisão arbitral recorrida: a Recorrente sustentou a ilegalidade das correções e liquidações efetuadas pela AT alegando, entre outros, que a AT não pode vedar a aplicação do RFAI à atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, com fundamento no disposto no artigo 1º da Portaria n.º 282/2014, de 30/12, sendo que o benefício fiscal deve ser interpretado nos seus precisos termos e não de forma restritiva e que o artigo 1º da Portaria 282/2014, de 30/12 é inconstitucional por violação do princípio da legalidade tributária e da proibição do reenvio normativo; b) Que na decisão arbitral fundamento: a Requerente invoca a ilegalidade das correções e liquidações efetuadas pela AT alegando, entre outros, que a AT não pode vedar a aplicação do RFAI à atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, com fundamento no disposto no artigo 1º da Portaria n.º 282/2014, de 30/12, sendo que o benefício fiscal deve ser interpretado nos seus precisos termos e não de forma restritiva e que o artigo 1º da Portaria 282/2014, de 30/12 é inconstitucional por violação do princípio da legalidade tributária e da proibição do reenvio normativo; 13ª.

    - Demonstrada esta evidente contradição entre a decisão recorrida e a decisão arbitral fundamento, sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e, consequentemente, anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo Acórdão que, definitivamente, decida a questão controvertida (nº 6 do artigo 152º do...

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