Acórdão nº 405/22 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 405/2022

Processo n.º 253/21

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público, B. e outros e C. e outros, a primeira, na qualidade de assistente, inconformada com a decisão proferida pelo Juiz de Instrução Criminal de Braga que rejeitou o requerimento de abertura de instrução, por considerar que “o requerimento apresentado é absolutamente omissivo na alegação factual pertinente ao preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos de qualquer um dos crimes imputados”, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, que foi julgado improcedente, por acórdão prolatado a 22 de fevereiro de 2021.

Notificada do teor desse acórdão, deduziu recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, doravante LTC), que foi delimitado no sentido de ter por objeto a apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 287.º do CPP, lida em conjugação com o artigo 283.º, nº 3, alíneas b) e c), do mesmo Código, interpretada no sentido de que não é possível ao assistente aperfeiçoar o requerimento para abertura de instrução e de que não é obrigatória a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para abertura de instrução, apresentado pelo assistente, quando esse requerimento não contenha uma descrição, ainda que mínima, dos factos imputados aos arguidos (cf. fls. 760-764).

2. Considerando que o objeto do recurso integrava questão simples, já tratada pela jurisprudência constitucional, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1 da LTC, foi proferida a Decisão Sumária n.º 61/2022, não julgando inconstitucional a norma resultante do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, com referência ao artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), do mesmo Código, segundo a qual não é admissível a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente e que não contenha o essencial da descrição dos factos imputados aos arguidos, delimitando o objeto fáctico da pretendida instrução, por remissão para a posição sufragada no Acórdão n.º 175/2013.

Na referida decisão, consta a fundamentação seguinte (cf. fls. 770-780):

«[…]4. No respetivo requerimento de interposição de recurso, a recorrente invoca a «[i]nconstitucionalidade do artigo 287º do CPP por violador dos artigos 2º, 3º nº 2, 20º, 32º, 202º nºs 1 e 2, 203º e 221º da Constituição da República Portuguesa, artigos 1º, 6º nº 1, 8º, 9o nº 2, 10º nº l, 13º, e 14º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigo 1º do protocolo nº 1 adicional á convenção supramencionada e a alínea d) do artigo 568º do CPC e dos princípios constitucionais do Acesso á Justiça e do Direito e da Tutela jurisdicional efetiva e da proporcionalidade, se lhe for dada a interpretação de que não é possível ao Assistente aperfeiçoar o requerimento para abertura de instrução e de que não é obrigatória a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para abertura de instrução, apresentado pelo assistente, quando esse requerimento não contenha uma descrição, ainda que mínima, dos factos imputados aos arguidos».

É esse o objeto do presente recurso, tal como surge delimitado no ponto 4 do respetivo requerimento de interposição.

Constata-se, porém, que, ao enunciar os “fundamentos” do recurso, a recorrente vem igualmente afirmar que pretende ver apreciada «a inconstitucionalidade, por violação do direito da Assistente no acesso à justiça, do direito e tutela jurisdicional efetiva e do princípio da proporcionalidade estabelecidos nos artigos 20º e 32º da Constituição, da norma contida no artigo 287º do C.P.P. na interpretação segundo a qual, não respeitando o requerimento de abertura de instrução as exigências essenciais de conteúdo impostas pelo nº 2 do artigo 287º do CPP e não ocorrendo nenhuma das causas de rejeição previstas no nº 3 do mesmo artigo, cabe rejeição imediata do requerimento de abertura de instrução, não devendo o Assistente ser convidado a proceder ao seu aperfeiçoamento para suprir as omissões/deficiências eventualmente constatadas» (cf. ponto 16 do respetivo requerimento).

Ora, esta questão, ainda que com diferente formulação – aparentemente mais ampla –, reconduz-se, na sua essência, à mesma questão de mérito. Por outro lado, esta dimensão normativa, tal como formulada, não constitui a ratio decidendi do acórdão recorrido. Assim, considerando o sentido da decisão recorrida e as normas efetivamente aplicadas pelo tribunal a quo, o objeto do presente recurso deve ser delimitado em termos mais precisos, cabendo, in casu, aferir da inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 287.º do CPP, lida em conjugação com o artigo 283.º, nº 3, alíneas b) e c), do mesmo Código, interpretado no sentido de que não é possível ao assistente aperfeiçoar o requerimento para abertura de instrução e de que não é obrigatória a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para abertura de instrução, apresentado pelo assistente, quando esse requerimento não contenha uma descrição, ainda que mínima, dos factos imputados aos arguidos.

Foi esta a dimensão normativa acolhida pela decisão recorrida e que, no entender da recorrente, ofende os princípios constitucionais do acesso à justiça e da proporcionalidade e o direito à tutela jurisdicional efetiva.

5. A questão ora em análise já foi objeto de pronúncia nesta 2.ª Secção no Acórdão n.º 175/2013, (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), no qual se decidiu «não julgar inconstitucional a norma resultante do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, com referência ao artigo 283.º, nº 3, alíneas b) e c), do mesmo Código, segundo a qual não é admissível a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente e que não contenha o essencial da descrição dos factos imputados aos arguidos, delimitando o objeto fáctico da pretendida instrução.»

Esse juízo assentou na seguinte fundamentação:

«(…)

8. O artigo 287.º, n.º 2, do CPP fixa os requisitos a que deve obedecer o requerimento para abertura de instrução:

«O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º Não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas».

A aplicabilidade do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º daquele Código – requisitos da acusação a deduzir pelo Ministério Público, cuja inobservância é sancionada com a nulidade - ao requerimento do assistente resulta da alteração introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, e prende-se com a própria estrutura acusatória do processo penal: é a acusação do Ministério Público ou o requerimento para abertura de instrução por parte do assistente quando tenha havido despacho de arquivamento que definem o objeto do processo. O juiz tem de apreciar o «facto» (ou thema decidendum) que lhe é proposto pela acusação ou, na falta desta, pelo requerimento de abertura de instrução. Dai que o requerimento do assistente desempenhe função idêntica à da acusação – na prática, funciona como «acusação alternativa» -, sendo, por isso, natural que tenha de obedecer aos mesmos requisitos. De outro modo, em especial se de tal requerimento apenas fosse obrigatório constar as razões de facto e de direito da discordância em relação à decisão de arquivamento, o mesmo funcionaria como impugnação desta última junto do juiz de instrução.

Ora, a instrução é mais do que isso e não pode ser dissociada da posição do arguido. Nos termos do artigo 286.º, n.º 1, do CPP, a mesma “visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.

Deste modo, tendo o juiz de instrução de se debruçar apenas sobre o thema decidendum, e só podendo realizar os atos necessários àquela comprovação (cfr. o artigo 290.º, n.º 1, do CPP), os factos integradores do objeto da atividade de instrução têm de estar pré-definidos na acusação ou no requerimento para abertura de instrução, não competindo ao juiz selecionar, a partir do material coligido no inquérito, o que eventualmente possa ser relevante. Tal seleção é incompatível com o princípio do acusatório enformador do processo penal...

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