Acórdão nº 401/22 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 401/2022

Processo n.º 186/22

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC).

Por sentença da 1.ª instância datada de 24 de novembro de 2020, o arguido foi condenado, para o que aqui mais releva, numa pena única conjunta de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de dois crimes de abuso de confiança fiscal.

Interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão datada de 7 de outubro de 2021, lhe negou provimento, confirmando integralmente a decisão recorrida.

Recorreu depois para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que não foi admitido pelo próprio tribunal a quo, por despacho datado de 17 de novembro de 2021, com base no disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.

O arguido reclamou então para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 405.º daquele diploma, tendo esta reclamação sido indeferida por despacho datado de 28 de dezembro de 2021, com base no disposto tanto na alínea f) como na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.

2. Notificado dessa decisão, o recorrente interpôs então recurso de constitucionalidade, nos seguintes termos:

«A., Recorrente melhor identificado nos autos supra referenciados, tendo sido notificado do indeferimento da reclamação (do despacho que não admitiu o recurso interposto), apresentada junto deste Egrégio Supremo Tribunal de Justiça, e, não se conformando com aquela douta Decisão de indeferimento, vem da mesma interpor o presente Recurso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (artigo 78º, n.º 4 da L.T.C), para o

EGRÉGIO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ao abrigo do disposto no art. 70º, n.º 1, al. b) da L.T.C. - inconstitucionalidade suscitada durante o processo, mormente, em sede de Recurso apresentado do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e, bem assim, em sede de requerimento de arguição de nulidade apresentado pelo ora Recorrente relativamente ao douto Acórdão proferido por este Egrégio Supremo Tribunal de Justiça,

Por entender que os artigos 400º, n.º 1, al. f) e 432º, n.º 1, al. b) do C.P.Penal foram interpretados de forma inconstitucional na decisão da reclamação apresentada, na medida em que, e conforme referido nessa reclamação, a interpretação dos mesmos no sentido da não admissibilidade do recurso interposto na parte respeitante ao conhecimento de Nulidade suscitada relativamente ao dito Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, sempre viola os princípios da igualdade, da certeza e da segurança jurídica, da legalidade e do livre acesso à Justiça e aos Tribunais, direitos constitucionalmente consagrados nos artigos 13º, 18º, 29º, n.º 1 e 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

Porquanto, por não estarmos perante uma qualquer inconstitucionalidade já anteriormente julgada por este Egrégio Tribunal Constitucional, essa não admissão de recurso sempre poderá redundar numa recusa, por parte deste Egrégio Tribunal, em tomar conhecimento do seu recurso no que a tal matéria respeita - caso V. Exas. sejam de entender não haver tal inconstitucionalidade sido suscitada, de forma formalmente válida, durante o processo -, colocando-se assim em "xeque", desde logo, o preceituado no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, e o direito do Recorrente de vir perante este Egrégio Tribunal Constitucional discutir, via recurso próprio para o efeito, a constitucionalidade de um Acórdão condenatório e atentatório da sua liberdade pessoal e enquanto cidadão.

Ademais, ao se decidir pela inadmissibilidade do Recurso interposto para o Egrégio Supremo Tribunal de Justiça, sempre se estará a coartar o direito ao ora Recorrente de, em sede recursiva, poder "discutir" a legalidade do Acórdão proferido em sede de Recurso pelo Tribunal da Relação (o qual humildemente se entende como "ferido" de ilegalidade), não sendo, por isso, "alvo" de reapreciação e sancionamento por Tribunal distinto, mormente, superior, não sendo, por isso, "respeitado" e observado o já referido artigo 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, direito constitucionalmente consagrado, do ora Recorrente poder "reagir", legalmente, por via de recurso, à confirmação da sua condenação resultante de Acórdão proferido por Tribunal Superior que, como referido, se entende como "ferido" de ilegalidade.

Até porque, a(s) Nulidade(s) invocada(s) (relativamente ao douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e, bem assim, ao douto Acórdão proferido por este Egrégio Supremo Tribunal de Justiça) - por omissão de pronúncia e falta de fundamentação - advêm do facto de tais decisões serem totalmente omissas quanto à questão suscitada pelo Recorrente relativamente à inexistência, em momento prévio, de um juízo de prognose de razoabilidade quanto à decidida condição de suspensão de execução da pena de prisão aplicada ao Recorrente, o que, desde logo, suscita um evidente desvalor de inconstitucionalidade no plano do dever de fundamentação e da segurança jurídica.

Do exposto, entende o ora Recorrente ser de concluir, no caso presente, pela inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação dos artigos 432º, n.º 1, al. f) e 400º, n.º 1, al. e), ambos do C.P.Penal, na interpretação segundo a qual, não é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de Acórdãos proferidos em Recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1ª Instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 (oito) anos, quando essa segunda decisão não se mostre devidamente fundamentada, seja, como integralmente cumpridora do preceituado no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, por violação do artigo 32º, n.º 1 desse mesmo diploma.

E porque o recurso é próprio e está em tempo, requer-se a V. Exas. se dignem admiti-lo.»

3. O recurso não foi admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça, por despacho datado de 19 de janeiro de 2022, assente na seguinte fundamentação:

«A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, para apreciação da inconstitucionalidade dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f) e 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP.

O recorrente refere na parte final do requerimento, seguramente, por lapso, quanto às normas que indica, ser de "concluir no caso presente, pela inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação dos artigos 432.º, n.º 1, al f) e 400.º, n.º 1, al. e), ambos do C.P. Penal, na interpretação segundo a qual, não é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de Acórdãos proferidos em Recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1ª Instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 (oito) anos (...).”

Cumpre decidir:

A aplicação da norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP na decisão que indeferiu a reclamação constituiu um segundo fundamento, não teve, assim, relevância, no caso, uma vez que a inadmissibilidade do recurso resultou desde logo, da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º n.º 1, do CPP, o que inviabiliza qualquer julgamento sobre ela por parte do Tribunal Constitucional, porquanto os recursos de constitucionalidade desempenham uma função instrumental, só podendo esse Tribunal conhecer de uma questão de constitucionalidade quando tenha influência no julgamento da causa.

Apenas se referiu ex abundantia que a interpretação normativa decorrente da conjugação das normas dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP (seguida pelo despacho reclamado), não era inconstitucional, tendo em conta o exercício do direito ao recurso (cf., ponto 5 da decisão da reclamação).

Acresce que o reclamante não questiona propriamente os critérios legais da inadmissibilidade de recurso ordinário em mais um grau, assentes na medida da pena aplicada ou confirmada pela Relação, em recurso.

Argumentou na reclamação que, com o recurso para o STJ, não visava discutir o mérito do acórdão da relação "que veio confirmar a decisão de 1ª instância" - cfr ponto 8. Visava reagir contra aquele aresto apenas, disse, no segmento em que "rejeitou a nulidade invocada e" "contra a própria decisão que de per si é nula", asseverando que a não admissão do recurso o deixa "completamente desprovido de um qualquer meio legal de «defesa» contra uma por si entendida inconstitucionalidade verificada no douto acórdão das normas contidas nos artigos 374º n.º 2 e 379º n.º1 als a) e c) do CPPenal".

Argumenta agora (com sublinhados acrescentados agora para realçar), insistindo, com a inconstitucionalidade da decisão de não admissão de recurso, a qual, na sua leitura, teria aplicado aquelas normas adjetivas que inicialmente se indicaram com o "sentido da não admissibilidade do recurso interposto na parte respeitante ao conhecimento de Nulidade suscitada relativamente ao dito Acórdão proferido velo Tribunal da Relação". “Até porque, a(s) Nulidade(s) invocada(s) (relativamente ao douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e, bem assim, ao douto Acórdão proferido por este Egrégio Supremo Tribunal de Justiça) - por omissão de pronúncia e falta de fundamentação - advêm do facto de tais decisões serem totalmente omissas quanto à questão suscitada pelo Recorrente relativamente à inexistência, em momento prévio, de um juízo de prognose de razoabilidade quanto à decidida condição de suspensão de execução da pena de prisão aplicada ao Recorrente, o que, desde logo, suscita um evidente desvalor de inconstitucionalidade no plano do...

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