Acórdão nº 404/22 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. José Eduardo Figueiredo Dias
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 404/2022

Processo n.º 1120/2021

2.ª Secção

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. interpôs dois recursos para o Tribunal Constitucional, ambos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante designada por LTC).

No requerimento de interposição do primeiro recurso de constitucionalidade, cuja decisão recorrida corresponde ao acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 26 de maio de 2021, que decidiu não conhecer do objeto do recurso de revista normal interposto, por ocorrer dupla conformidade decisória que a tal impedia, o recorrente delimitou como objeto respetivo a inconstitucionalidade da norma «constante do art. 542.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Civil, na interpretação de ser considerado litigante de má-fé aquele que litiga para evitar perda de chance, mesmo correndo o risco de litigar com negligência grave, caso não proceda a sua pretensão jurídica, por violação do art. 20.º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.».

O objeto do segundo recurso interposto, cuja decisão recorrida corresponde ao acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08 de setembro de 2021, que indeferiu a nulidade processual suscitada pelo ora recorrente-reclamante consubstanciada «na inopinada alteração do iter processual, determinada unilateralmente pelo relator por não ter proferido decisão singular sobre o não conhecimento do recurso, enveredando desde logo pela decisão em conferência», considerando estar em causa «um desvio processual que não se encontra conferido ao poder discricionário do relator, que fere o princípio constitucional da segurança jurídica e interfere na estabilidade da instância, constituindo uma decisão surpresa, denegando às partes um processo equitativo.», refere-se:

- à norma «constante do art. 652.º, n.º 1 do CPC, na interpretação de que cabe nas funções e poder discricionário do relator não proferir decisão singular sobre o não conhecimento do objeto do recurso, art. 685.º do CPC, embora notificadas previamente as partes de que viria a ser proferido despacho neste sentido – por ocorrer, alegadamente, dupla conformidade decisória – e, em alternativa, sem dar conhecimento prévio aos intervenientes processuais dessa nova intenção, convocar conferência e proferir acórdão sobre a referida matéria – não admissibilidade do recurso.

O referido poder discricionário posterga às partes um processo equitativo, inobservando o princípio do contraditório, violando o art. 20.º, n.º 4 da CRP (…)».

2. Pela Decisão Sumária n.º 287/2022 decidiu-se, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer do objeto do recurso interposto, pelos seguintes motivos:

«A) Do primeiro recurso de constitucionalidade

4. Como resulta do acima relatado, o recorrente erige como objeto do primeiro recurso de constitucionalidade que interpôs nos autos «a norma constante do art. 542.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Civil, na interpretação de ser considerado litigante de má-fé aquele que litiga para evitar perda de chance, mesmo correndo o risco de litigar com negligência grave, caso não proceda a sua pretensão jurídica, por violação do art. 20.º, nº1, da Constituição da República Portuguesa.».

Sucede que, independentemente de qualquer outra apreciação sobre a formulação do objeto do recurso, ressalta com evidência que o mesmo não encontra projeção na ratio decidendi da decisão recorrida, a saber, o Acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça em 26 de maio de 2021.

Com efeito, a decisão recorrida não adotou tal enunciado interpretativo como fundamento do sentido decisório veiculado, sendo que, ao longo do sobredito acórdão a referência que é feita ao aludido preceito legal é meramente lateral, reduzindo-se a uma citação do acórdão aí recorrido e prolatado pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, por sua vez, alude à aplicação do preceito na sentença recorrida (cfr. fls. 353 verso).

Na verdade, a base legal da decisão recorrida alicerçou-se no artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, tendo concluído pela dupla conformidade decisória impeditiva da admissibilidade da revista normal interposta.

Consequentemente, impõe-se concluir que esta dimensão normativa invocada pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso não se reconduz à ratio decidendi da decisão recorrida.

Ora, o pressuposto atinente à aplicação da norma ou dimensão normativa que configura objeto do recurso como ratio decidendi da decisão recorrida constitui decorrência da função instrumental da fiscalização concreta da constitucionalidade, que tem sido considerada pela jurisprudência deste Tribunal, de modo uniforme e reiterado, como um dos pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – cujo sentido se traduz na possibilidade de o julgamento da questão de constitucionalidade que se pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional se repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica adotada no tribunal a quo. Tal possibilidade efetiva-se quando a decisão sobre a questão de constitucionalidade é suscetível de alterar o sentido ou os efeitos da decisão recorrida, espoletando necessariamente uma reponderação da resolução do caso pela instância a quo, o que apenas sucederá quando a norma delimitada como objeto do recurso constitua o fundamento jurídico determinante da solução dada ao pleito pela instância recorrida.

Em consonância, revelando-se que a interpretação sindicada pelo recorrente não integrou a ratio decidendi da decisão recorrida, um eventual julgamento de inconstitucionalidade que sobre a mesma incidiria não teria a virtualidade de se projetar na solução jurídica dada ao caso pelo juiz a quo, razão pela qual, atenta a necessária verificação cumulativa dos respetivos pressupostos de admissibilidade, não se conhece do recurso em apreciação.

B) Do segundo recurso de constitucionalidade

5. No que tange ao recurso de constitucionalidade interposto do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08 de setembro de 2021, cumpre começar por referir que, como tem este Tribunal sucessivamente...

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