Acórdão nº 21/21.0PEEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução24 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo Comum Coletivo n.º 21/21.0PEEVR da Comarca de Évora Juízo Central Cível e Criminal de Évora - Juiz 1, submetido a julgamento, foi o arguido AAA, condenado: 1.1.

Como autor material de dois crimes de incêndio florestal, previstos e punidos pelo artigo 274.º, n.º 1 do CP, na pena de um ano e oito meses de prisão (relativamente ao crime de incêndio cometido no xxx e na pena de dois anos de prisão (relativamente ao crime de incêndio cometido no yyy); 1.2.

Em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos e oito meses de prisão efetiva.

Foram, ainda, declarados perdidos a favor do Estado todos os objetos apreendidos nos autos.

  1. Do recurso 2.1. Das conclusões do arguido Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1) Não Se conformando com o douto acórdão em que foi condenado a dois anos e oito meses de prisão, vem o arguido (…) apresentar (…) o presente recurso porquanto; 2) O arguido reconhece a gravidade dos factos praticados; o arguido revela capacidade de autocrítica, tendo mostrado arrependimento.

    3) Na senda do seu espírito de autocrítica e consciencialização do desvalor e consequências gravosas da sua conduta.

    4) Ao arguido houve já uma severa reprovação do crime, suficiente para prevenir a prática de futuros crimes, estando a salvo o ordenamento jurídico vigente.

    5) Em termos de necessidade especial, importaria aplicar uma pena global que permitisse ao arguido, manter o seu posto de trabalho.

    6) Condenando-o na suspensão da execução da pena.

    7) E tendo em conta o percurso de vida do arguido a sua inserção social, parece-nos que o mesmo beneficia de todas as condições para ver a alteração da sua pena.

    Pelo exposto, deve o (…) acórdão ser substituído por outro, que condene em pena suspensa na sua execução (…)”.

    2.2. Das contra-alegações do Ministério Público Motivou o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição): “1. A culpa do arguido AAA situa-se a um nível médio face ao descrito modo de actuação, às circunstâncias meteorológicas existentes e à persistência na sua conduta ilícita, temperadas com a imputabilidade diminuída do arguido.

  2. Acresce ainda que são fortíssimas as exigências de prevenção geral e médias as de prevenção especial, ponderando, por um lado a ausência de antecedentes criminais – o que se mostra o comum para a generalidade dos cidadãos e, por outro lado, a mencionada persistência do arguido em atear os fogos.

  3. As penas de um ano e oito meses de prisão e de dois anos de prisão situam-se muito próximas do limite mínimo da moldura penal aplicável, pelo que se mostram de acordo com a culpa apresentada pelo arguido.

  4. Atentos tais elementos e os demais indicados no Acórdão recorrido, as penas concretas aplicadas mostram-se ajustadas à actividade desenvolvida pelo arguido, à sua culpa e às exigências de prevenção geral e especial e, consequentemente, estão conformes aos critérios legalmente fixados no artº 71º, nºs. 1 e 2, do Cód. Penal, para a determinação da medida concreta da pena.

  5. As penas aplicadas não ultrapassam a culpa revelada pelo arguido e as fortes exigências de prevenção geral verificadas “in casu”, impedem que se aplique uma pena inferior.

  6. Ponderando os factos na sua globalidade importa desde logo considerar que o arguido não possui antecedentes criminais registados tudo apontando no sentido de se tratar de uma situação de pluriocasionalidade.

  7. Tudo ponderado, afigura-se ajustada, adequada e proporcional a condenação do arguido numa pena única de dois (2) anos e oito (8) meses de prisão.

  8. Pena que não pode ser suspensa na sua execução atenta a instabilidade vivenciada pelo arguido que impede que se formule, de forma fundada, o juízo exigido pelo artº 50º, nº 1, do Cód.Penal. (…)”.

    2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância Na Relação a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de ser julgada a improcedência total do recurso interposto pelo arguido.

    “(…) Concordamos na integra com a bem elaborada resposta do magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo.

    Estamos perante crimes de perigo, dos mais censurados na sociedade atual e que têm deixado marcas profundas na memória coletiva e provocados danos pessoais patrimoniais e ecológicos irreparáveis.

    Quer a prevenção geral quer a prevenção especial não são compatíveis com penas de prisão que não sejam efetivas.”.

    2.4. Da tramitação subsequente Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.

    Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.

    Cumpre apreciar e decidir.

    1. FUNDAMENTAÇÃO 1. Objeto do recurso De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

  9. Questão a examinar Analisadas as conclusões de recurso a questão a conhecer consiste em saber se ocorre erro de julgamento quanto à matéria de direito (artigo 412.º, n.º 2 do CPP), por ter sido afastada a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena.

  10. Apreciação 3.1. Da decisão recorrida Definida a questão a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.

    3.1.1.

    Factos provados na 1.ª instância O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição): “1. No dia 23 de junho de 2021, o arguido AAA decidiu atear um fogo na zona de xxx.

  11. Para tanto, o arguido muniu-se de uma mochila de cor preta e vermelha, contendo quinze maços de lenços em papel de marca “Pingo Doce”, um maço de guardanapos em papel de folha dupla de marca “Pingo Doce”, um isqueiro de marca “Bic”, de cor preta, uma caixa de acendalhas de marca “Flamefast” e uma faca de cozinha com cabo em madeira.

  12. Nestes termos, o arguido deslocou-se a um terreno camarário situado na zona de xxx, composto por pasto, arbustos, árvores e onde se localizam moinhos.

  13. Pelas 10 horas do referido dia, junto aos moinhos ali existentes, e em execução do plano por si delineado, o arguido usou o isqueiro que trazia consigo, acionou a chama do mesmo e utilizando os papéis e acendalhas que trazia consigo, ignizou fogo no pasto daquele terreno.

  14. O arguido ao verificar que o referido pasto se encontrava a arder, abandonou o local.

  15. Em consequência do fogo ateado pelo arguido, este alastrou-se no mencionado terreno camarário, tendo consumido meio hectare de pasto.

  16. Entre as 10 horas e as 11 horas daquele dia, vinte e sete bombeiros, das corporações de …, …, …, seis viaturas pesadas e ligeiras e um helicóptero “H51”, chegaram ao local e extinguiram o incêndio, impedindo, desse modo, que alastrasse naquele terreno e se propagasse aos terrenos contíguos.

  17. Ainda no dia 23 de junho de 2021, o arguido decidiu atear um outro fogo na zona do yyy.

  18. Nesse dia, pelas 11 horas e 18 minutos o arguido deslocou-se ao hipermercado “Pingo Doce”, sito …, e adquiriu um saco de plástico reciclável, um isqueiro de marca “Megalighter”, uma caixa de acendalhas de marca “Zas” e uma embalagem de gel acendalhas de marca “Pluricor”, pelo valor total de € 7, 67.

  19. Acto contínuo, o arguido deslocou-se ao terreno municipal sito na Rua …, composto por pasto, árvores e arbustos, e em execução do plano por si delineado, o arguido usou o isqueiro que trazia consigo, acionou a chama do mesmo e utilizando os papéis e acendalhas que trazia consigo, ignizou fogo na vegetação daquele terreno, criando um foco de incêndio.

  20. Em seguida, o arguido percorreu 200 metros, e ainda na mesma zona, o arguido usou o isqueiro que trazia consigo, acionou a chama do mesmo e utilizando os papéis e acendalhas que trazia consigo, ignizou outro ponto de fogo na vegetação daquele terreno.

  21. Pelas 11 horas e 40 minutos do dia 23 de junho de 2021, no mesmo terreno municipal sito no yyy, o arguido deslocou-se para o mato ali existente, agachou- se e usando o isqueiro que trazia consigo, acionou a chama do mesmo e utilizando os papéis e acendalhas que trazia consigo, ignizou um outro ponto de fogo na vegetação daquele terreno.

  22. Neste terreno, o fogo consumiu e destruiu cerca de quatrocentos metros de arvoredo e pasto.

  23. Entre as 11 horas e 20 minutos e as 14 horas e 56 minutos, trinta e um bombeiros, das corporações de … e de …, seis viaturas pesadas e um helicóptero ligeiro de combate a incêndio, chegaram ao local e extinguiram o incêndio, impedindo, desse modo, que alastrasse naquele terreno, se propagasse aos terrenos contíguos e atingisse habitações ali existentes.

  24. Pelas 11 horas e 40 minutos daquele dia, o arguido foi intercetado na …, trazendo consigo na mencionada mochila e no saco de plástico, catorze maços de lenço de papel completos, um maço de lenços de papel usado até metade, um maço de guardanapos folha dupla aberto, uma embalagem de acendalhas de marca “Zas” aberta e com duas unidades em falta, um frasco de gel acendalha de marca “Pluricor”, uma embalagem de acendalhas de marca “Flamefast” aberta e com duas unidades em falta e uma faca de cozinha.

  25. O arguido agiu com o propósito concretizado de atear fogo nos terrenos sitos no xxx e no yyy, utilizando isqueiro, papel e acendalhas, querendo e sabendo que o fogo se ia propagar e destruir a vegetação que ali existia, como veio a acontecer.

  26. O arguido apercebeu-se do risco iminente de propagação rápida dos fogos a zonas circundantes, mormente do perigo da destruição dos moinhos e vegetação no xxxx e destruição de vegetação e habitações no yyy, potenciando a destruição dos mesmos pelos fogos, que mesmo assim, não se absteve de atear.

  27. O arguido sabia que a vegetação a que ateou fogo, causando incêndio, era um...

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