Acórdão nº 3809/18.5T9STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução24 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora 1. RELATÓRIO 1.1.

Nestes autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, n.º 3809/18.5T9STB, do Tribunal Comarca de Setúbal – Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 4, foram os arguidos AAA e SA.

, melhor identificados nos autos, pronunciados pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 107º, com referência ao artigo 105º, n.ºs 1 a 5, ambos do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho e artigo 30º, n.º 2, do Código Penal e, ainda, no que concerne à sociedade arguida ao artigo 7º, n.º 1, do RGIT.

1.2. Tendo os arguidos, em sede de contestação, invocado a extinção do procedimento criminal contra a sociedade arguida, em virtude de a mesma ser tido declarada insolvente, a não verificação da condição objetiva de punibilidade prevista no artigo 105º, n.º 4 do RGIT, no que diz respeito ao arguido, pessoa singular e a nulidade da acusação conforme validada e alterada pelo despacho de pronúncia, foram estas questões prévias julgadas improcedentes, por despacho proferido em 12/04/2021, o que motivou a interposição de recurso pelos arguidos, que com tal decisão não se conformaram.

1.3. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 14/10/2021, depositada nessa mesma data, com o seguinte dispositivo: «(…), decide este Tribunal:

  1. Condenar o Arguido AAA pela prática, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelo artigo 107.º, n.º 1 e 2, com referência ao disposto no artigo 105.º, n.ºs 1, 4 e 7, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, bem como no artigo 30.º, n.º 2, do Cód. Penal, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, perfazendo um total de € 390,00; b) Condenar a sociedade Arguida SA.

pela prática, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelo artigo 7.º, nºs. 1 e 3, artigo 107.º, n.º 1 e 2, com referência ao disposto no artigo 105.º, n.ºs 1, 4 e 7, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, bem como no artigo 30.º, n.º 2, do Cód. Penal, na pena de 230 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, perfazendo um total de € 1.150,00; Condenar cada um dos Arguidos no pagamento de 3 [três] UC´s de taxa de justiça e nas demais custas do processo, nos termos dos arts. 513.º, n.º 1 e 2 e 514.º do Cód. Proc. Penal e art. 8.º, n.º 9 e da tabela III anexa ao RCP.

(…).» 1.4. Inconformados, os arguidos interpuseram recurso da sentença.

1.5. Das motivações dos recursos, o arguido/recorrente extraiu as seguintes conclusões: 1.5.1.

Conclusões do recurso do despacho interlocutório referido em 1.2.: «1. Vem o presente recurso interposto do despacho com a refª 92184712, proferido a 12 de Abril de 2021, na parte em que julga improcedentes as questões prévias invocadas na contestação – cfr. pontos (II) e (III).

A.

Omissão da condição de punibilidade: 1. Os factos de que os Arguidos vêm pronunciados não reúnem a condição de punibilidade encerrada no artigo 105.º/4, al. b) ex vi Artigo 107.º/2 do RGIT.

  1. Desde logo, não pode concluir-se que o Arguido pessoa singular foi notificado a título pessoal e individual, apenas porque a comunicação se mostra assinada por aquele.

  2. O contribuinte investigado é, segundo o texto da notificação (o qual faz fé junto dos seus destinatários), a sociedade comercial, não o Arguido pessoa singular.

  3. Não decorre, pois, das comunicações em crise que impende qualquer responsabilidade penal sobre o Arguido pessoa singular - pois que, vinque-se, a investigação recaía, dixit, sobre a Arguida SA., tão-somente.

  4. Adite-se que a notificação prevista no Art. 105º/4, b) RGIT deve consistir numa “interpelação admonitória”, de tal sorte que dela resulte que se está a conceder uma derradeira oportunidade para que o (pretenso) contribuinte relapso liquide a dívida.

  5. No caso vertente, as notificações constantes de fls. 296 não assumem tal caráter terminante, desde logo porque não foram as únicas emitidas pelo INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL [ISS] (v. fls. …). A notificação almejada pelo legislador deve ser única e firme. Não se pode reputar de admonitória uma sucessão de notificações (sempre se perguntará: qual delas, se alguma, é a definitiva e final?).

  6. Denote-se que as comunicações dos autos não veiculam que, nos termos da lei e mediante o pagamento dos valores notificados, os Arguidos, aqui Recorrentes, ficariam eximidos ao processo-crime, conforme a vontade do legislador ao prever a condição de punibilidade ora em pauta.

  7. Com efeito, bem lido o teor das comunicações, resulta que a preclusão do processo-crime é uma mera hipótese e não uma certeza (como impõe o legislador). De facto, o que se transmitiu foi que “o cumprimento da (…) notificação é passível de determinar o eventual arquivamento do processo de inquérito atualmente em curso”. Os adjetivos «passível» e «eventual», sendo pleonásticos, reforçam a ideia de que a extinção do processo-crime se salda como discricionária e incerta. Também nesta vertente, é impossível afirmar que as comunicações em apreço corresponderam ao desiderato legal e à ratio da «punibilidade», não podendo, razoavelmente, exigir-se de quem as recebe um último esforço de alinhamento com a intimação da Segurança Social (pois, mesmo que envidassem tal esforço, a sua exoneração não estaria garantida…).

  8. Adicionalmente, as comunicações em exame não contêm todos os elementos prescritos na lei: capital da prestação alegadamente em falta, juros de mora e valor da coima.

  9. Quanto ao primeiro elemento, resulta já dos autos que a quantia total que o ISS indicou como sendo devida não o é, na realidade.

  10. Não se pode aceitar que, para se exonerar ao pathos da ação penal, o arguido notificado para os efeitos do artigo 105.º/4, al. b) RGIT tenha de arrostar com o pagamento de um valor indébito. Para além de representar um enriquecimento injustificado do Estado, tal implica que a ação penal revista foros de desproporcionalidade (violando a garantia de um processo equitativo, leal e justo) – sendo que até pode dissuadir o contribuinte que pretenda honrar a dívida de o fazer (desvirtuando a ratio da condição de punibilidade).

  11. No que tange aos juros moratórios (leia-se: vencidos), as comunicações mostram-se totalmente omissas.

  12. No que se refere ao valor da coima aplicável, as comunicações sob análise veiculam tão-somente um intervalo dentro do qual se poderá (quem? Quando?) encontrar o valor da coima aplicável.

  13. Quando alude a «juros moratórios» e «valor da coima aplicável», o legislador pretende que a notificação prevista no artigo 105.º/4, al. b) RGIT contenha quantias líquidas.

  14. A lei não consente outra interpretação, sob pena de usurpação do sentido possível das palavras e do princípio da legalidade (Cfr. artigos 1º/1 CP e 29.º/1 CRP), que se aplica às condições de punibilidade (v.g., TERESA BELEZA e FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO).

  15. Acresce que a trintena prevista no RGIT corresponde ao prazo que o legislador reputou de adequado para a realização do pagamento. Donde resulta que a quantia a pagar pelo arguido deve surgir concretizada na notificação referida no Artigo 105.º/2, al. b) RGIT.

  16. Se assim não se entender, o arguido terá de se enlear em diligências junto da Segurança Social, as quais poderão revelar-se infrutíferas no prazo improrrogável e imperativo de 30 dias. A resposta dos serviços poderá não ser (consciente ou inadvertidamente) célere – abrindo, assim, a oportunidade a que a Administração defraude o âmago e a finalidade da condição de punibilidade (com inegável detrimento para as razões de política-criminal e de racionalidade do poder punitivo do Estado que inerem à referida condição) – v. fundamentação do ac. TRL de 28.11.2019; P. 2886/16.8T9LSB.

  17. Admitir aligeiramentos, incluindo omissões, ao conteúdo da notificação referenciada no artigo 105.º/4, b) RGIT acarreta – para além de uma violação do princípio da legalidade – uma compressão (administrativa) do prazo (legal) definido para a efetivação do pagamento das rubricas indicadas naquela alínea (o que afronta inclusivamente os princípios da separação de poderes e da legalidade, este agora entendido como vetor estruturante da atividade administrativa Cfr. Artigo 266.º/2 CRP).

  18. Independentemente do que antecede, a doutrina - v.g., MANUEL DA COSTA ANDRADE e FREDERICO DA COSTA PINTO - tem apontado à condição de punibilidade em apreço a pecha (em bom rigor: inconstitucionalidade) de consentir um tratamento arbitrário e desigual dos contribuintes.

  19. Divergindo agora do conteúdo das notificações, enfrentemos a questão da legitimidade da sua emissão, o ISS não devia ter procedido à emissão da notificação, falecendo-lhe competência para tal ato.

  20. Sendo a categoria da punibilidade autónoma do tipo ilícito e da culpa, as condições que lhe são atinentes não são objeto de «diligências probatórias», estando vedada ao I.S.S a sua intervenção neste conspecto… 22. A notificação em apreço deveria ter sido ordenada pelo Ministério Público, uma vez que os autos se encontravam em pleno inquérito. Como tal não sucedeu (nem ab initio nem em reparação do comportamento da Administração), estamos ante ato inoperante para os efeitos do artigo 105.º/4, al. b) do RGIT.

    ARGUIÇÃO (EXPRESSA E SEPARAD

    1. DE INCONSTITUCIONALIDADE: 23. A interpretação do artigo 105.º/4, b) RGIT (Ex vi Artigo 107.º/2 do RGIT) no sentido em que a notificação aí prevista não tem de liquidar os valores a pagar pelo contribuinte é inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, proporcionalidade, separação de poderes e igualdade e do direito fundamental a um processo equitativo (v. artigos 2.º, 13.º, 18.º/2, 20º/4 e 29.º/1, todos da CRP).

  21. A admitir-se que a notificação em exame pode ser realizada pela Administração Pública (o que vem contestado neste recurso), a supramencionada interpretação viola ainda os princípios da boa-fé...

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