Acórdão nº 23309/20.2T8LSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA PIRES LOURENÇO
Data da Resolução12 de Maio de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: Relatório “A…., Ldª”, com sede na Rua (…), intentou contra “FIDELIDADE – Companhia de Seguros, S.A.

”, com sede no Largo do Calhariz, 30, em Lisboa, ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, alegando, sem síntese, que: - Autora e ré celebraram um contrato de seguro Multiriscos Total que abarcava toda e qualquer possibilidade de ocorrência de um evento futuro e incerto, de natureza fortuita, com consequências prejudiciais para o segurado no seu negócio de sapataria; - A par da cobertura base do contrato e até ao limite do capital fixado ficou garantido o pagamento de indemnizações resultantes de atos de vandalismo, greves, tumultos e alterações da ordem pública; - Com a alteração da ordem pública que se vive em Portugal e no mundo em decorrência do COVID-19 foi ordenado pelo Sr. Presidente da República (autoridade legalmente constituída), em comunicado oficial na televisão, o encerramento dos estabelecimentos comerciais, o que viria a ser concretizado no dia 18 de março com a Decretação do Estado de Emergência, por meio do Decreto n.º 14-A/2020 e Decreto n.º 2-A/2020; - Em razão do Estado de Emergência, fundado em alteração da ordem pública, o A. foi obrigado a encerrar portas do seu estabelecimento no dia 19 de março de 2020 e até dia 04/05/2020, interrompendo assim a sua atividade durante 45 dias; - Para além da perda de faturação, os vidros da sapataria foram drasticamente alterados com grafiti de tinta diamante durante o referido fecho; - Uma vez que na apólice não consta pandemia como exclusão específica da alteração da ordem pública, o A. acionou a cobertura da Apólice em questão, mas não obteve resposta da ré seguradora; - Cabe ao segurador prestar todos os esclarecimentos exigíveis e informar o tomador do seguro das condições do contrato, nomeadamente e entre outros, do âmbito do risco que se propõe cobrir e das exclusões e limitações de cobertura; - Qualquer pessoa, singular ou coletiva, que celebrasse um contrato de seguro desta natureza e com a denominação Multiriscos Total, que ainda especifica três módulos mutuamente exclusivos (Base + Negócio + Estabelecimento), de acordo com as condições particulares descritas na Apólice, ficaria tranquila, porquanto liquida anualmente valores capazes de cobrirem todo e qualquer risco; - Estamos perante um contrato de seguro oneroso e as disposições a aplicar são as do DL n.º 72/2008, de 16 de abril, conjugadas com as disposições do regime geral do incumprimento das obrigações do artigo 762º e seguintes do Código Civil; - Restando provada a ocorrência, a circunstância e o dano do sinistro resultante para o A., bem como a ausência de previsão de exclusão de responsabilidade do segurador no caso concreto nas condições gerais, dúvidas não restam da obrigação do segurador de indemnizar o A.

Termina, assim, pedido que a ação seja julgada procedente, por provada, condenando-se a ré a proceder ao pagamento da indemnização global de € 6.414,50, nos seguintes termos: - Interrupção da atividade, pelo limite máximo dos 30 dias, que no caso corresponde a € 4.500,00, uma vez que a empresa esteve totalmente fechada de 19 de março a 18 de maio, em consequência da ordem de encerramento pelo Presidente da República (enquanto autoridade legalmente constituída), em virtude de medidas tomadas por ocasião da alteração da ordem pública vivida e para a salvaguarda e proteção de pessoas e bens; - Custos de Reabertura – pelo máximo da cobertura - € 500,00 - em razão de custos de marketing físico e digital, distribuição de cartões flyers e ofertas, substancialmente superiores àquele valor; - Ato de vandalismo – valor não inferior a € 1.414,50, com material e mão de obra.

* A ré foi devidamente citada e contestou a ação nos seguintes termos: - A Autora subscreveu o contrato de seguro totalmente esclarecida sobre o produto que estava a contratar; - À data da ocorrência do alegado sinistro não se encontravam em vigor as coberturas de interrupção de atividade e de custos de cobertura; - A cobertura de greves, tumultos e alterações da ordem pública, indica, taxativamente, os casos em que funciona e exige uma ação humana e pessoal que possa ser imputada na previsão da cobertura; - A cobertura de greves, tumultos e alterações da ordem pública, refere-se a medidas defensivas ou preventivas que as autoridades tenham de tomar com vista à reposição da ordem pública, que foi alterada ou que tenha sido alterada, pela ação humana; - O Decreto do Presidente da República que decretou o estado de emergência não alterou a “ordem pública”; antes visou criar condições para que o Governo tomasse as medidas necessárias a evitar a propagação do vírus COVID 19.

E impugnando toda a matéria de facto alegada pela Autora, termina, dizendo que contesta com as legais consequências.

* A autora foi notificada para, querendo, exercer direito de resposta relativamente às exceções suscitadas pela ré, o que fez, impugnando-as, terminando como na petição inicial.

* Saneado o processo e realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, nos termos das disposições legais supra citadas, julgo parcialmente procedente a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, instaurada pela sociedade A…., Lda contra a sociedade Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A. e, em consequência: - Condeno a ré a pagar à autora a quantia de € 1 264,50 (mil, duzentos e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos); - Absolvo a ré do restante pedido contra si formulado pela autora.

* Custas da ação a cargo da autora e da ré, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 80% a cargo da primeira e em 20% a cargo da segunda (artigo 527º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).

* Registe e notifique.” * Não se conformando com a decisão, dela vem a autora recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões: “I-A sentença recorrida, sanciona uma flagrante ausência de fundamentação, no que concerne a parte relativa a interrupção de atividade e custos de reabertura daí advindos, uma vez que, influenciada pela argumentação da ré, limita-se a dizer que não houve alteração da ordem pública em Portugal, mas não analisa o conceito a fundo, nem fundamenta o seu entendimento interpretativo, não resolvendo a ambiguidade existente e incorrendo em omissão de pronúncia, dado que não esclarece sequer o que é alteração da ordem pública, o que seria fundamental e indispensável para o correto julgamento da causa; II – Ao não analisar as circunstâncias do caso concreto, de acordo com a boa-fé e à luz do regime mais favorável ao aderente, nomeadamente a celebração do contrato, o sentido da declaração do segurado e a ocorrência dos sinistros, a sentença recorrida, fez um incorreta aplicação do direito, uma vez que analisou o caso como se tratasse de uma responsabilidade contratual geral, oriunda de um contrato negociado e elaborado por ambas as partes; violando as regras previstas pelos art.os 236º a 239º do Código Civil e o regime das cláusulas contratuais gerais.

Por todo exposto, deve ser revogada a douta sentença na parte em que absolveu a ré dos pedidos, sendo a ré condenada nos termos requeridos na inicial, só assim se fazendo a verdadeira Justiça!” * A ré contra-alegou, mas não formulou conclusões das suas alegações, tendo propugnado pelo indeferimento da apelação.

* O recurso foi admitido neste tribunal e mostrando-se cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.

  1. Objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).

    No caso, cabe apreciar e decidir as seguintes questões: - Nulidade da sentença por omissão de pronúncia; - Se os sinistros invocados pela autora estão cobertos pelo contrato de seguro celebrado com a ré.

  2. Fundamentação de Facto Para além dos factos descritos no relatório deste acórdão, cabe ter em consideração o quadro factual emergente do julgamento realizado em 1ª instância e que se tem por fixado, por não ter sido objeto de impugnação.

    O tribunal recorrido deu como provada a seguinte factualidade: “1. A autora detém uma sapataria de nome (…), sita na Rua (…), em Lisboa.

    1. A autora subscreveu e assinou, através do seu legal representante, um documento escrito, pré-elaborado pela ré, intitulado “Proposta de Seguro Multirriscos Negócio”, que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

    2. No final da “proposta de seguro” referida em 2), na parte referente a “Declarações”, constam os seguintes dizeres impressos: “(...) Declaro que me foram prestadas as informações pré-contratuais legalmente previstas, tendo-me sido entregue, para o efeito, o documento respetivo, para delas tomar integral conhecimento, e bem assim que me foram prestados todos os esclarecimentos de que necessitava para a compreensão do contrato, nomeadamente sobre as garantias e exclusões, sobre cujo âmbito e conteúdo fiquei esclarecido.

      Declaro, ainda, ter sido informado pelo Segurador do dever de lhe comunicar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco, bem como das consequências do incumprimento de tal dever.

      Declaro, também, que dou o meu acordo a que as Condições Gerais e Especiais, se as houver, aplicáveis ao contrato me sejam entregues no sítio da Internet indicado nas Condições Particulares. (...)”.

    3. A “proposta de seguro” referida em 2) deu entrada nos serviços da ré em 23 de maio de 2014.

    4. A ré aceitou a “proposta de seguro” referida em 2).

    5. A autora e a ré firmaram entre si um acordo escrito denominado “contrato de seguro”, do...

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