Acórdão nº 00183/15.5BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução13 de Maio de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: * * I – RELATÓRIO AG..., devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que, em 27.06.2020, julgou a presente ação improcedente e, em consequência, absolveu a ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE, I.P.

dos pedidos.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) I. O presente recurso tem por objecto a decisão sobre as questões de direito.

  1. O tribunal recorrido deu como provado que o Recorrente exerceu, nos períodos entre 17 de fevereiro de 2011 e 3 de agosto de 2018, enquanto coordenador da Unidade de Cuidados na Comunidade, todas as funções descritas nas alíneas e) a r) do n.° 1 do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 248/2009, de 22 de setembro, onde o legislador descreve as funções desenvolvidas por enfermeiros em cargos de chefia, tendo por base o n.° 2 do mesmo preceito.

  2. O Recorrente não se pode conformar com o entendimento formalista e atido à letra da lei das normas legais aplicadas no caso vertente pelo Meritíssimo Juiz a quo porquanto não existe substantivamente diferença, no que às concretas funções desempenhadas pelo Recorrente respeita, entre um acto de designação e um acto de nomeação em comissão de serviço.

  3. A comissão de serviço pressupõe que um trabalhador, titular de uma determinada categoria profissional, seja transitoriamente incumbido do exercício de funções de administração, direcção ou chefia, deixando de exercer o conjunto de funções que são típicas da sua categoria profissional, tal como se retira do artigo 161.° do Código do Trabalho, bem como do artigo 9.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

  4. Ora, o Recorrente, que vinha exercendo exclusivamente as funções inerentes à categoria profissional de enfermeiro especialista, passou a exercer, com a designação em causa, funções de coordenador ou “dirigente” da Unidade de Cuidados na Comunidade de Mateus, enquadrando-se numa situação subsumível ao regime de comissão de serviço tal como previsto na alínea a) do artigo 9.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

  5. O tribunal recorrido adota um entendimento excessivamente legalista, sendo que a interpretação que efetuou das normas legais concretamente aplicadas viola as regras da correta hermenêutica e, designadamente, do disposto nos nº.s 1 e 2 do artigo 9.° do Código Civil, tendo ostensivamente desatendido às razões que levaram o legislador a consagrar um suplemento remuneratório para os enfermeiros que, de facto, exercessem funções de chefia ou cargos dirigentes.

  6. É o exercício efetivo de tais funções de chefia que justifica, do ponto de vista legal e da justiça material, o direito ao recebimento do respectivo suplemento remuneratório por parte do Recorrente, ao invés de se privilegiarem questões procedimentais, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da Recorrida e do consequente empobrecimento daquele, bem como da frustração das respetivas expectativas quanto ao pagamento de uma retribuição especial pelo exercício de funções de chefia.

  7. Que o Autor tem direito ao suplemento remuneratório em apreço, vem também sido propugnado pela Administração Central do Sistema de Saúde, através de Circulares dirigidas a todos os estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde, tal como consta dos n.°s 28 e 29 da lista de factos provados da sentença proferida.

  8. Apesar de o Autor não ser titular da categoria de enfermeiro principal, o mesmo foi nomeado como enfermeiro avaliador em virtude de prosseguir as funções de chefia a que se refere o artigo 18.° do Decreto-Lei n.° 248/2009, de 22 de setembro, o que significa que com a designação do Recorrente como enfermeiro avaliador, a Recorrida reconheceu, de forma inequívoca, que aquele exerceu, efectivamente, as funções de chefia em causa, atento o disposto no n.° 6 do artigo 9.° da Portaria n.° 242/2011, de 21 de junho.

  9. O entendimento vertido na decisão revidenda é violador dos direitos dos trabalhadores constitucionalmente consagrados, tanto para a função pública, como para o setor privado, nomeadamente o consagrado no artigo 59.°, n.° 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.

  10. O direito ao recebimento da justa remuneração, onde se inclui o subsídio em causa nestes autos, advém, desde logo, da alínea a) do n.° 1 do artigo 59.° da Constituição da República Portuguesa, não dependendo da prática de qualquer acto administrativo que reconheça ou não esse mesmo direito, nem do preenchimento de pressupostos meramente formais cuja omissão é exclusivamente imputável à Recorrida, tratando-se de um direito do Recorrente enquanto trabalhador em exercício de funções públicas (…)”.

*Notificada que foi para o efeito, a Recorrida Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo:”(…) 1° O Tribunal a quo NÃO deu como provado que o recorrente no período de fevereiro de 2011 a agosto de 2018 e enquanto coordenador da Unidade de Cuidados na Comunidade (UCC) exerceu todas as descritas nas alíneas e) a r) do n° 1 do artigo 10° do Dec.-Lei n° 248/2009, de 22 de setembro, MAS apenas aquelas previstas para funções ‘coordenador' de uma Unidade do ACES; 2° Nem adotou um «entendimento formalista» ou «excessivamente legalista», ao pé da letra da lei, quanto às funções materialmente desempenhadas pelo recorrente no período de fevereiro de 2011 a agosto de 2018, posto que existe legal e «substantivamente» uma diferença, com base na previsão legal própria entre um ato de designação e um ato de nomeação; 3° As funções de ‘enfermeiro' habilitado como especialista, e as de Coordenador daquela Unidade de Cuidados na Comunidade (UCC), não consubstanciam as funções dirigentes, subsumíveis a um regime de “comissão de serviço” tal como previsto na norma do artigo 9°/1/a) da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, antes são uma simples coordenação, conforme a previsão legal; 4° Das regras de interpretação e da hermenêutica e vg ao abrigo das normas do art 9°/1/2 do Código Civil, não pode concluir-se que o legislador consagre um suplemento remuneratório para os enfermeiros que «de facto» exercessem funções de chefia ou cargos dirigentes, porque no direito do emprego público a mera materialidade não é fonte de direito, não tem aptidão jurígena como relação de trabalho privada; 5° Nem ocorre situação de enriquecimento sem causa pela Administração também por que o «direito ao recebimento da justa remuneração» previsto no artigo 59°/1/a) da CRP não tem a amplitude que o recorrente pretende, não podendo acolher-se tal instituto sem o sujeitar ao contraditório, com alargamento da causa de pedir; 6° As funções de enfermeiro avaliador, para avaliação de desempenho dos seus pares, não importa o reconhecimento da função dirigente do recorrente, em harmonia com as normas dos artigos 18° daquele DL 248/2009 e 9°/6 da Portaria n° 242/2011, de 21-06, mas antes a constatação e adaptação da norma jurídica à situação de dispersão das Unidades do ACES; 7° O entendimento do recorrente quanto ao suplemento remuneratório não só não está suportado na Circular Informativa e no Ofício Circular da ACSS, IP a que se referem os n°s 28 e 29 dos ‘Factos Provados' como é aí recusado (…)”.

* *O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

*O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

*Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* * II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erros de julgamento de direito, por violação das (i) “(…) regras da correta hermenêutica e, designadamente, do disposto nos nº.s 1 e 2 do artigo 9.° do Código Civil (…)” e ainda do disposto (ii) “(…) na alínea a) do n.° 1 do artigo 59.° da Constituição da República Portuguesa (…)”.

É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.

* * III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO O quadro...

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