Acórdão nº 300/21.6T8MNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução11 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório A. J. instaurou contra D. G., no Juízo de Competência Genérica de Monção do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, peticionando a condenação do Réu a reconhecer o direito do Autor a toda a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A. R. e A. E. como propriedade exclusiva do Autor.

Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que, em 06-07-2017, o Autor adquiriu, entre outras, a quota hereditária do seu irmão A. R., aquisição, esta, que registou.

Desde essa data o seu irmão não é proprietário de nenhuma parte da herança de seus pais.

O Réu penhorou o direito à herança ilíquida e indivisa do aludido irmão do autor no âmbito do proc. n.º 67/14.4T8MNC.

O Autor apenas agora tomou conhecimento da referida penhora, o que era do seu desconhecimento, até porque aquela penhora nunca havia sido registada.

O Autor vem possuindo todos os seus bens que compõem a herança de seus pais, paga as contribuições respetivas e exerce a sua posse pública e pacificamente.

*Citado, o Réu apresentou contestação (ref.ª 39924250 – fls. 17 a 22), pugnando pela procedência da contestação e, em consequência, deve ser decidido: «A – Ser o alegado negócio da venda do quinhão hereditário celebrado entre o Autor e o Réu A. R. considerado simulado e, em consequência, julgado nulo.

B – Ser a presente acção julgada assim totalmente improcedente.

C – Mais deve o Autor ser condenado como litigante de má-fé nos valores acima peticionados de € 3.000,00 euros».

Para tanto e em abono da sua defesa alegou, em síntese, que o negócio jurídico de compra e venda celebrado entre o Autor e o irmão é simulado e, por essa razão, nulo.

Este processo é uma repetição do proc. 404/19.5T8MNC deste Tribunal.

A penhora realizada nos autos de execução é de 15-10-2014, tendo o A sido notificado da mesma em 16-11-2015 por carta registada com aviso de recepção.

*Por despacho de 27/10/2021 foi determinada a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre eventual existência de erro na forma do processo (ref.ª 47601885 - fls. 41).

*Pronunciou-se o Réu, pugnando, além do mais, pela verificação da nulidade processual de erro na forma do processo (ref.ª 40312699 - fls. 43 e 44)*Datado de 18/11/2021, foi proferido despacho (ref.ª 47753193 - fls. 45 e 46) que decidiu: «Julgar verificada a nulidade de erro na forma do processo; Determinar a remessa dos presentes autos para o Tribunal onde corre o processo no qual foi ordenada a penhora contra a qual o Autor pretende reagir, para o que se determina a notificação do A. para identificar o n.º do processo e respectivo Tribunal no prazo de 10 dias.

Custas processuais a cargo do Autor.

Fixa-se como valor da causa o indicado pelo Autor. Notifique.

Oportunamente, arquive e dê baixa».

* Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso o autor (ref.ª 40805813 – fls. 53 a 55), e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «A. O Autor apresentou a presente acção como uma acção declarativa de condenação; B. Trata-se de um protesto pela reivindicação de um direito à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito dos pais do Autor; C. Trata-se de uma acção declarativa sob processo comum. E cabe ao Autor apresentar o pedido e o fundamento da acção; D. A acção assim interposta não constitui erro na forma de processo; E. O despacho de que se recorre deve ser anulado por violação do disposto no artigo 3420 do CPC e o disposto n artigo 193 do CPC e bem assim o disposto no artigo 840 do Código Civil; F. Proferido o despacho que ordenada reenvio dos autos ao Tribunal onde corre o processo executivo e onde decorre a penhora, esgotou-se o poder jurisdicional do Magistrado; G. É clara a violação do disposto no n.º 1 do artigo 613 do CPC.

Deve, assim, o despacho de que se recorre ser julgado nulo por violação da lei e errada interpretação das normas jurídicas em referência.

Deve, o que se requer, ser proferido despacho de prosseguimento dos autos.

Assim decidindo farão V. Ex.as a costumada JUSTIÇA».

*Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.

*O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (ref.ª 47975170 – fls. 61).

*Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*II. Delimitação do objeto do recurso Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca unicamente à apreciação deste tribunal é a de saber se se verifica erro na forma do processo.

*III.

Fundamentos IV. Fundamentação de facto.

As incidências fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos).

*V. Fundamentação de direito 1. Do erro na forma do processo escolhido.

A questão a decidir resume-se a saber se é legalmente admissível a defesa do direito de propriedade, na sequência de penhora efectuada em execução em que não é parte quem se arroga tal direito, através da propositura de uma acção com processo comum, ou, se, ao invés, tal defesa apenas poderá ser judicialmente efectivada através da dedução de embargos de terceiro.

A sentença recorrida pronunciou-se neste último sentido. Entendeu-se, nela, que a pretensão deduzida pelo ora recorrente enferma de erro na forma de processo, porquanto o exercício do direito por si invocado tem a sua sede adjectiva própria, não na instauração de uma acção declarativa autónoma, mas sim na dedução de acção especialmente prevista (no caso, embargos de terceiro), nos termos do art. 342.º, n.º 1, do CPC, por apenso à acção executiva em que tenha sido ordenado o acto ofensivo (penhora) do direito do autor.

O recorrente discorda dessa decisão, aduzindo para o efeito que apresentou a presente acção como uma acção declarativa de condenação, traduzindo-se num protesto pela reivindicação de um direito à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito dos pais do Autor, a que corresponde uma acção declarativa sob a forma de processo comum, cabendo ao Autor apresentar o pedido e o fundamento da acção, pelo que, conclui, a acção assim interposta não constitui erro na forma de processo.

Vejamos se lhe assiste razão.

O art. 552º, n.º 1, al. c), do CPC exige que o autor indique na petição inicial, além do mais, a forma de processo, sendo essa indicação relevante em sede de distribuição (art. 212º do CPC) e autuação.

Como é sabido, o erro na forma de processo dá-se nos casos em que a pretensão não seja deduzida segundo a forma geral (comum) ou especial de processo legalmente prevista.

O que determina a forma de processo a empregar é apenas o pedido, sendo próprio, portanto, o que visa a finalidade pretendida pelo Autor (1).

Como se refere no Ac. da RP de 20/01/2004 (relator Fernando Samões), in www.dgsi.pt., «é em face da pretensão deduzida que se deve apreciar a propriedade ou inadequação da forma da providência solicitada. É o pedido formulado pelo autor ou requerente e não a causa de pedir que determina a forma de processo a utilizar em cada caso, conforme jurisprudência dominante ou até uniforme».

O mesmo é dizer, que é em função da pretensão de tutela jurisdicional deduzida pelo Autor que deve apreciar-se a propriedade da forma de processo, e não em referência à pretensão que devia ser por ele deduzida.

Se a forma de processo empregue não for apropriada ao tipo da pretensão deduzida, ocorre o vício processual de erro na forma de processo; se a forma de processo seguida se adequar à pretensão formulada, mas esta não for conforme aos fundamentos invocados, estaremos, quando muito, perante uma questão de mérito conducente à improcedência da ação (2).

Em suma, “o que caracteriza o erro na forma do processo é que ao pedido formulado corresponda forma de processo diversa do empregue e não se mostre possível, através da adequação formal, fazer com que, pela forma de processo efetivamente adotada, se venha a conseguir o efeito jurídico pretendido pelo autor” (3).

O erro na forma de processo é uma das nulidades que pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, nos termos dos arts. 196º e 547º ambos do CPC, sem prejuízo de o réu o poder invocar na contestação.

Segundo o art. 193º do CPC: «1 - O erro na...

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