Acórdão nº 1459/21.8T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução11 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1): I – Relatório 1.1. A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de X intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Y – Construções, SA, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe «a quantia € 57.120,00 acrescido de IVA a taxa legal no valor total de € 70.257,60, acrescida de juros à taxa legal sobre o capital vincendos desde a citação e até integral pagamento».

Para o efeito, alegou ter desencadeado em 17.12.2009 um procedimento por ajuste directo para empreitada de construção da denominada “Unidade de Cuidados Continuados Integrados de X”, em consequência do qual celebrou, em 07.04.2010, um contrato de empreitada com a empresa W – Sociedade de Construções, SA (doc. 2).

Como a W, SA, apresentou dificuldades para o exercício da sua actividade, a Autora celebrou com a Ré Y Construções, SA, um contrato de subempreitada em 17.01.2012, pelo qual esta se obrigou a prosseguir com a execução do trabalhos de empreitada geral nos rigorosos termos adjudicados e de acordo com o respetivo caderno de encargos (doc. 3), passando a Ré, em consequência da cessação de actividade pela W, a assumir a posição contratual desta na obra adjudicada, com a expressa aceitação da Autora, tendo prosseguido a sua execução, recebendo o respetivo preço e procedendo à entrega da obra em 11.12.2017.

Ficaram consignadas no auto de recepção provisória anomalias que a Ré se comprometeu a reparar e que lhe seriam imputados eventuais encargos com a correcção de anomalias não detectadas ou ocultas durante o prazo de garantia da obra (doc. 4), mas a Ré veio a comunicar posteriormente à Autora que não iria realizar as reparações por entender não serem de sua responsabilidade.

Como os aludidos defeitos se mantêm na presente data, em face da recusa e abandono por parte da Ré, não resta à Autora alternativa que não seja proceder ela própria à reparação, através de entidade terceira a quem adjudicará de imediato os trabalhos, e imputar o respetivo encargo à Ré, cujo valor estimado é de € 57.120,00, acrescido de IVA à taxa legal.

*A Ré contestou por excepção, invocando a ilegitimidade passiva e a caducidade do direito de acção, e por impugnação.

A Autora exerceu o contraditório relativamente àquelas duas excepções.

*1.2.

Na audiência prévia a Ré arguiu a excepção de incompetência absoluta, em razão da matéria, do Tribunal.

Na audiência prévia, veio a ré arguir a incompetência material deste tribunal para apreciação e julgamento da presente ação, pelos motivos que constam da gravação da diligência, tendo a autora mantido que o tribunal é competente.

Vejamos: De acordo com o disposto no art. 96.º, al. a) do CPC, a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual pode ser arguida pelas partes, e pode também ser suscitada oficiosamente pelo tribunal, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa – art. 97.º, n.º 1 do mesmo diploma legal.

Assim, o poder jurisdicional é dividido por diferentes categorias de tribunais, de acordo com a natureza das matérias em causa, segundo um princípio de especialização, sendo que de acordo com o art. 64.º do Código de Processo Civil e 40.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

Ou seja, o tribunal judicial, apenas é competente para conhecer desta causa, desde que não seja atribuída a um tribunal especial, neste caso ao tribunal administrativo e fiscal.

Ora, de acordo com o art. 4º, nº 1, al. e) do ETAF, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, no que para o caso interessa, a apreciação de litígios que tenham por objeto questões em que esteja em causa a validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes, situação da autora dos presentes autos, face ao disposto no Código dos Contratos Públicos (DL n.º 18/2008, de 29 de janeiro), nomeadamente no seu art. 2.º, n.º 2.

Acresce que, a autora Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de X é uma pessoa coletiva de utilidade pública e os contratos que celebrou (Procedimento por ajuste direto de empreitada e o próprio contrato de empreitada) foram submetidos ao regime dos contratos públicos, como dos mesmos consta.

Perante esta factualidade, dúvidas não nos restam de que no presente caso é competente o tribunal administrativo e fiscal.

A incompetência material, como já referido, determina a incompetência absoluta do tribunal – art. 96.º, al. a) do CPC, a qual constitui exceção dilatória, nos termos do previsto no art. 577.º, al. a) do mesmo diploma legal, e leva à absolvição da instância ou remessa do processo para outro tribunal – art. 576º, nº 2 do CPC.

Por tudo o exposto, declaro este juízo central cível absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer da causa e competente o tribunal administrativo e fiscal, pelo que absolvo a ré da instância

.

*1.3.

Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: «1. Não se conforma a recorrente com a sentença proferida pelo Mº Juiz “a quo”, datada de 18.01.2022 com a refª eletrónica 36447102, pela qual decidiu-se pela incompetência absoluta em razão da matéria do Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real considerando sumariamente que: (…).

2.Deverá enquadrar-se a relação das partes nos presentes autos e no contrato que lhe subjaz e especialmente na qualidade das partes intervenientes.

3.Refere Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira In, Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais — anotados volume I, Almedina, 2004, pág. 25, 4.Serão os seguintes os fatores e os critérios a que se recorrerá para a aplicação da clausula material de jurisdição dos tribunais administrativos que se encontra consagrada no artº 212 nº 3 da CRP definindo como relações jurídico Administrativas: “..em princípio, aquelas que se estabeleçam entre duas pessoas colectivas públicas ou entre dois órgãos administrativos (…) desde que não haja nas mesmas indícios claros da sua pertinência ao direito privado”; “aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos (seja ele público ou privado) actua no exercício de um poder de autoridade, com vista à realização de um interesse público legalmente definido (…)”; iii) “aquelas em que esse sujeito actua no cumprimento de deveres administrativos, de autoridade pública, impostos por motivos de interesse público (…).

” 5.Para Freitas do Amaral In, Direito Administrativo, fotocopiado, vol. III, pág. 439-440, relação jurídico-administrativa é “aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração”.

6.A alínea e) do nº 1 do artº 4 do ETAF acolheu a solução de atribuir aos Tribunais Administrativos a competência para as “questões relativas à validade de actos précontratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público” também acolhe como relevante a natureza jurídica do procedimento que antecedeu (ou que devia ou podia ter antecedido) a sua celebração e não a própria natureza do contrato.

7.Se se trata de um procedimento administrativo a jurisdição competente para conhecer da interpretação, validade e execução (em que se inserem as questões da responsabilidade contratual) do próprio contrato celebrado na sua sequência, independentemente de ele ser um contrato administrativo ou de direito privado, é a jurisdição administrativa 8.Os contratos cuja interpretação, validade ou execução pertence à jurisdição dos tribunais administrativos, nos termos desta alínea e) são assim quaisquer contratos, administrativos ou não (com excepção dos de natureza laboral, por força da alínea d) n.º 3 do artigo 4.º do ETAF) que uma lei específica submeta ou admita que sejam submetidos a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito...

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