Acórdão nº 118/20.3GBCNF.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução18 de Maio de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

RECURSO N.º 118/20.3GBCNF.C1 Processo Comum Singular Crime de injúria agravada Crime de ameaça agravada Perfectibilização dos delitos Cancelamentos de registos criminais Medida da pena Penas de substituição Suspensão da execução da pena de prisão Juízo de Competência Genérica de Cinfães Tribunal Judicial da Comarca de Viseu Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1.

A SENTENÇA RECORRIDA No processo comum singular n.º 118/20.... do Juízo de Competência Genérica ...

– Comarca ... -, por sentença datada de 9 de Fevereiro de 2022, foi decidido: a. Condenar o arguido AA pela prática, em 18 de Dezembro de 2020, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 13.º, 14.º, n.º 1, 26.º, 181.º, n.º 1 e 184.º, todos do CP, na pessoa do militar da GNR BB, na pena de 3 [três] meses de prisão; b. Condenar o arguido AA pela prática, em 18 de Dezembro de 2020, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 13.º, 14.º, n.º 1, 26.º, 181.º, n.º 1 e 184.º, todos do CP, na pessoa do militar da GNR CC na pena de 3 [três] meses de prisão; c. Condenar o arguido AA pela prática, em 18 de Dezembro de 2020, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 13.º, 14.º, n.º 1, 26.º, 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea c), todos do CP, na pessoa do militar da GNR BB na pena de 6 [seis] meses de prisão; d.

Em cúmulo jurídico das penas mencionadas em a), b) e c), condenar o arguido AA numa pena única de 9 [nove] meses de prisão; e. Condenar o arguido DD pela prática, em 18 de Dezembro de 2020, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 13.º, 14.º, n.º 1, 26.º, 181.º, n.º 1 e 184.º, todos do CP, na pessoa do militar da GNR BB, na pena de 2 [dois] meses de prisão; f. Condenar o arguido DD pela prática, em 18 de Dezembro de 2020, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 13.º, 14.º, n.º 1, 26.º, 181.º, n.º 1 e 184.º, todos do CP, na pessoa do militar da GNR CC, na pena de 2 [dois] meses de prisão; g. Em cúmulo jurídico das penas mencionadas em e) e f), condenar o arguido DD numa pena única de 3 [três] meses de prisão; h. Suspender a execução da pena única de prisão aplicada em g) pelo período de 1 [um] ano, condicionada a regime de prova, em cumprimento de plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, que inclua, além do mais do mais tido por conveniente, a sujeição do arguido a tratamento à dependência etílica, a garantia da prevenção da reincidência, orientar o arguido para a consciencialização das regras violadas e das consequências penais do seu incumprimento e responsabilizá-lo perante o sistema de administração de Justiça e perante a sociedade».

2.

OS RECURSOS 2.1. Inconformado, o arguido AA recorreu – RECURSO 1 - da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «I. Os atos da audiência foram devidamente documentados, pelo que o poder de cognição desse Venerando Tribunal será extensivo a toda a matéria de facto como assim e ainda à matéria de Direito sendo que, entende o arguido, ora recorrente, a Douta decisão ora posta em crise não efetuou uma correta e ponderada análise factual e tão pouco a devida subsunção dessa matéria de facto ao Direito, havendo um erro notório na apreciação da prova e ainda, ao determinar a medida concreta da pena, em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares de prisão, condenando-se o arguido na pena única de 9 (nove) meses de prisão efetiva, o tribunal “A quo” violou o preceituado no artigo 71.º do Código Penal.

  1. Discorda pois, o arguido, das razões de facto e de Direito que levaram à sua condenação pela prática, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 13.º, 14.º, n.º 1, 26.º, 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea c), todos do CP.

  2. Entende ainda, o arguido ora recorrente que, a pena concretamente aplicada revela-se pouco criteriosa e desequilibradamente doseada, não tendo sido bem aplicada as disposições relativas à dissimetria na sua plenitude.

  3. Considerou o Tribunal “a quo” que da matéria de facto, demonstrou-se que, nas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido, ora reclamante, disse ao ofendido BB, militar da GNR em exercício de funções, “ainda te fodo hoje”.

  4. Fundamentou que “esta expressão proferida pelo arguido, num contexto de discussão, verbalmente, de modo sério e audível, visando o ofendido, identificável como militar da GNR, significa, inequivocamente, o anúncio de um mal para a integridade física do mesmo a ocorrer num momento próximo ao da sua prolação.

    Ao utilizar tal expressão, quis o arguido criar, como criou, um estado de medo no ofendido, temendo que o mesmo pudesse concretizar tais intentos anunciados tendo em conta a expressão proferida, de forma inusitada e inesperada forçoso é concluir que a ameaça foi apropriada, dentro de um critério de razoabilidade próprio do homem médio ou comum, a criar um estado de medo no mesmo.

    Estão, assim, integralmente verificados os elementos objectivos do tipo legal de crime de que o arguido vem acusado”.

  5. Ora, o recorrente não pode concordar, uma vez que dos factos dados como provados apenas se pode retirar que o grau de ilicitude não é reduzido nem elevado. É sim, moderado, é o que se impõe por força do disposto na al. a) do nº 2 do art. 71º do C.P.

  6. Há que contextualizar os factos, o que se passou e, no calor do desentendimento, o recorrente utilizou tal expressão como forma de “afastar” ou “espantar” os agentes de autoridade.

  7. Perante a expressão que o Tribunal considerou como provada, e analisada rigorosamente e no contexto em que foi proferida, não estamos perante um mal futuro que gere insegurança, intranquilidade ou medo no agente da GNR, de modo a condicionar as suas decisões e movimentos dali em diante.

  8. Tanto mais que, sendo autoridades policiais estão habituados a enfrentar este tipo de situações no dia-a-dia e lidar com eles, não se amedrontando perante tais expressões.

  9. Entende o arguido/recorrente que, a douta sentença ora colocada em crise procedeu a uma errada subsunção dos factos à norma incriminadora ao condenar o recorrente – tal qual supra descrita.

  10. A questão que se pretende ver dirimida por este Venerando Tribunal é a de saber se, os factos dados como provados consubstanciam verdadeiramente o crime de ameaça agravada previsto no normativo legal supra.

  11. Entendemos que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são absolutamente necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação do arguido.

  12. Mais concretamente, não foi indagada com a necessária profundidade e rigor a verdadeira intervenção do arguido no momento da ocorrência dos factos, provando-se apenas, que houve uma contenda entre os intervenientes mas, não foram reunidos elementos de facto suficientemente indiciadores que o arguido terá atuado por forma a causar medo ao ofendido, temendo este que o recorrente pudesse concretizar tais intentos anunciados.

  13. É evidente que o Douto Tribunal ficou convencido, pelos elementos de prova que lhe foram apresentados em audiência, de que o arguido terá agido com tal intenção. No entanto, claudicou o Tribunal ora recorrido em explanar na sua sentença, com suficiente clareza, exatidão e segurança qual a matéria de facto que o levou a chegar a essa conclusão.

  14. Aliás, justifica o Tribunal “a quo” que o comportamento do arguido é igualmente justificado pelo resultado de teste de álcool no sangue, com resultado elevado.

  15. Ora, em nenhum momento se provou a condição do recorrente e não consta do processo/autos o resultado de tal exame!!! XVII. Salvo o sempre devido respeito, a sentença recorrida viola o artigo 153º do C.P. porquanto integrou na previsão da norma uma conduta que a não preenche.

  16. A ameaça tem como requisito que o mal ameaçado não possa ser iminente, mas tenha que ser um mal futuro dependente apenas da vontade ou resolução do ameaçador.

  17. Assim, expressão “ainda te fodo hoje” é uma expressão de absoluto presente e não admite qualquer interpretação de ameaça para o futuro.

  18. Tem manifestamente um carácter temporal iminente.

  19. Para que se preencha o tipo legal de crime de ameaça, a ameaça, não pode ser iminente, pois que neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respetivo ato violento, isto é, do respetivo mal.

  20. A expressão supra referida foi proferida pelo arguido, num determinado contexto, para “afastar” ou “espantar” os agentes de autoridade.

  21. Constituiu, pois, um anúncio de um mal atual, iminente, contra a integridade física dos agentes, que começaria e acabaria no presente, integrando caso se concretizasse o crime respetivo, sem que, em qualquer dos casos, o mal anunciado se projetasse na liberdade de decisão e de ação futura dos agentes.

  22. Perante a expressão que o Tribunal considerou como provada, e analisada rigorosamente e no contexto em que foi proferida, não estamos perante um mal futuro que gere insegurança, intranquilidade ou medo nos agentes da GNR, de modo a condicionar as suas decisões e movimentos dali em diante.

  23. Tanto mais que sendo autoridades policiais estão habituados a enfrentar este tipo de situações no dia-a-dia e lidar com eles, não se amedrontando perante tais expressões.

  24. Deste modo e por não se verificar o preenchimento de todos os elementos do tipo de ilícito, falta um dos pressupostos legais para que efetivamente se possa afirmar que foi praticado um crime de ameaça, devendo em consequência ser o arguido absolvido da prática do crime de ameaça agravada de que vem acusado.

  25. Há um erro notório na apreciação da prova, quanto à condenação do ora recorrente pelo crime de ameaça agravada.

  26. Assim, foram violados os artigos 153 nº 1 e 155º nº 1 c) do C.P e 410º 2 c) do CPP.

  27. Mais se dirá que, o Tribunal “a quo” para fundamentar a pena aplicada ao arguido...

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