Acórdão nº 218/20.0PBBGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA COIMBRA
Data da Resolução09 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I.

Após despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, apresentou o assistente M. R. requerimento para abertura de instrução que foi rejeitado pelo juiz de instrução criminal.

Inconformado, recorreu o assistente para este Tribunal, concluindo o seu recurso nos seguintes termos (transcrição): 1º A bem dizer, o requerimento de abertura de instrução refere inequívoca e claramente a ameaça de um mal futuro, refere a sua feroz gravidade, o propósito firme de a vir a concretizar, no caso de o assistente, por mero acaso, se cruzar com o arguido, ou se aproximar da sua oficina, passando v.g naquela artéria (rua muito movimentada da cidade) limitando-lhe a liberdade, incutindo-lhe medo extremo, perturbando o seu sossego. Tratou-se de uma ameaça que qualquer ser não idiota tomaria a sério. Ora, 2º Sendo o crime de ameaça um crime de perigo concreto, exige-se que a ameaça seja susceptível de afectar a liberdade de determinação. Foi e é o que está sucedendo.

O assistente indica ainda novos meios probatórios. Com efeito indica mais duas testemunhas. E, claro está, narra factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena.

  1. Narra o móbil do crime. Ou seja uma reclamação. Escreveu-se: v.g. item9 (in fine) É que os factos criminosos devem-se ao fútil motivo de não querer entregar o livro de reclamações e passar a respectiva factura com o número de contribuinte. Aliás, 4º O ora recorrente narra os factos concreta e, cremos que, claramente:

  1. Na data, hora e local constantes do requerimento de abertura de instrução, foi ameaçado pelo mecânico, ora arguido. Tudo porque lhe pediu o livro de reclamações e a factura com o número de contribuinte do montante pago.

  2. A ameaça foi séria. Foi grave e reportou-se a um mal futuro. V.g. item 4º... não te quero ver mais aqui, senão já sabes que levas nos cornos. Fodo-te de vez. Acabam as reclamações e as facturas.

  3. Assim se “destapou” o comezinho móbil do crime: reclamações e facturas.

  4. O assistente pediu a audição de novas testemunhas.

  5. O assistente referiu a intenção do arguido na prática do crime.

  6. O assistente referiu o conhecimento e consciência da ilicitude e ilegalidade por parte do arguido.

  7. Referiu as normas legais aplicáveis.

Enfim, o assistente expôs todas as razões de facto e de direito. Narra circunstanciadamente o sucedido. E, sobretudo indica claramente que, ao contrário do inferido por S. Exª o Representante do M.P. o mal ameaçado é um mal futuro.

5º Ora bem, indicando também meios de prova não considerados no inquérito que pretende que S.Exª o meritíssimo(ª) Juiz(ª) leve a cabo.

Desta forma entendemos que o requerimento de abertura de instrução configura explicitamente uma acusação. Baliza categoricamente o T.I.C.. Muito embora se não trate – como poderia?- de uma acusação formal. Desde logo porque – e isto é suficiente – não subsiste sem acusação do M.P. Esta uma das razões, senão a principal para que contenha a descrição dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido. Numa palavra. Define o THEMA que o jurista julgador há-de apreciar.

Do que vimos de dizer se extrai que foi violado o artigo 287º nº1 al) b, nº 2 do mesmo artº C.P.P., 6º Como violado foi o artº 288º nº4 C.P.P., porque foram indicados factos, porque foram indicadas provas, porque se delimitou o objecto. Verifica-se, pois, um quadro factual completo no que toca aos elementos objectivos e subjectivos. Ora, o despacho recorrido, com pesar o dizemos, apenas por manifesto lapso refere pág. 5 o crime de ameaça é (actualmente) um crime de perigo concreto, isto é, exige-se apenas que a ameaça seja susceptível de afectar a liberdade de determinação e que na situação concreta, seja...

Na Verdade o douto despacho recorrido ao referir a fls 5 apenas por lapso poderá ter escrito: “ visto isto, o assistente não imputa ao arguido os factos relativos aos elementos subjectivos do crime em causa.” 7º É que, sem rodeios, como se impõe. O requerente disse: O participado sabia que com tais termos e tais actos estava crime. Queria ofender e agredir, quiçá matar o queixoso e também sabia que lhe retirava como retirou a liberdade de se movimentar e, mesmo assim, não se inibiu de tal prática, cometendo, para além dum crime de injúrias, p.p pelo artº 181º C.P. foi ainda autor material do crime público de ameaça p.p. pelo artº 153º C.P. Donde, Não se verifica contrariamente ao douto despacho recorrido qualquer desigualdade de armas.

8º Porque o requerimento de abertura da instrução obedece aos requisitos legalmente impostos, indicando, sem margem para dúvida, os limites materiais da acusação, em nada prejudicando o direito de defesa do arguido.

Termos em que – atendendo às normas violadas – e nos mais de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a decisão recorrida, sendo admitido o requerimento de abertura de instrução do recorrente e declarada esta com as demais consequências, porquanto violadas foram as supra referidas normas legais.

ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.

*Admitido o recurso, a ele respondeu, em primeira instância, o Ministério Público, defendendo a confirmação do despacho recorrido.

*Remetidos os autos a este Tribunal, de novo foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

*Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP).

*Após os vistos, foram os autos à conferência.

II.

Cumpre apreciar e decidir tendo em conta que é pelas conclusões do recurso que se afere o seu âmbito – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – e que analisando a síntese conclusiva se impõe aferir se o requerimento de abertura de instrução é admissível nos termos em que foi formulado.

É o seguinte o teor do despacho recorrido (transcrição): Proferido despacho de arquivamento pelo Ministério Público, veio o assistente apresentar requerimento para a abertura da instrução contra o arguido F. T..

Conclui pugnando pela prolação de despacho de pronúncia contra o arguido pela prática de um crime de injúria, p.e p. pelo artigo 181.º, do CP e de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º do CP.

*Cumpre apreciar e decidir: A instrução destina-se ou a comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação, ou a proceder ao controlo judicial da decisão do Ministério Público de arquivar, sempre tendo em vista a submissão ou não da causa a julgamento – cfr. artigo 286.º, nº1, do Código de Processo Penal.

Enquanto fase jurisdicional, compreende a...

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