Acórdão nº 355/22 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução12 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 355/2022

Processo n.º 42/22

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em que é reclamante A. SGPS, S.A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do despacho proferido naquele tribunal no dia 23 de agosto de 2021, que, tendo admitido o recurso interposto pela arguida de decisão interlocutória da Autoridade da Concorrência no âmbito de processo contraordenacional, lhe fixou efeito meramente devolutivo.

2. A decisão recorrida apresenta, na parte que aqui releva, o seguinte teor:

«Por ter sido tempestivamente interposto, por quem detém legitimidade para o efeito e com respeito pelas exigências de forma, admito o recurso interposto, com efeito meramente devolutivo, de harmonia com o disposto nos artigos 84.º e 85.º do Regime Jurídico da Concorrência (vide ainda Comentário Conimbricense à Lei da Concorrência, 3.ª Ed., Almedina, pág. 956, quanto ao efeito do recurso sobre decisões interlocutórias), e artigo 55.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, ex vi do artigo 83.º do Regime Jurídico da Concorrência.»

3. A recorrente arguiu a nulidade desta decisão por omissão de pronúncia, tendo então sido proferido despacho indeferindo essa arguição de nulidade, com base na seguinte fundamentação:

«O Tribunal decidiu conceder ao presente recurso efeito meramente devolutivo, nos termos melhor constantes do despacho sob referência 312732, que aqui se consideram reproduzidos.

A Recorrente não se conformou e veio arguir nulidade do despacho por omissão de pronúncia, ou pelo menos, falta de fundamentação, e subsidiariamente a sua irregularidade. Invocou, em abono, que o Tribunal não se pronunciou sobre as razões esgrimidas pela Recorrente para ser concedido um diferente efeito ao recurso.

O Ministério Público pronuncia-se no sentido da inexistência de qualquer omissão de pronúncia, e quando assim se não entenda, haverá de ser considerado o esgotamento do poder jurisdicional em face do trânsito em julgado da decisão, visto que a Recorrente adotou um meio processual impróprio ao não recorrer do despacho.

Adiantando que aderimos às razões propugnadas pelo Ministério Público, vejamos porquê.

O aludido despacho sob referência 312732 não enferma de qualquer nulidade, porquanto se pronunciou, de forma clara, adequada e fundamentada, sobre o efeito a conceder ao recurso. Não só aduziu as normas legais para assim decidir, como indicou pertinentes referências doutrinárias. Ademais, consabidamente, o tribunal não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os motivos, razões e considerandos invocados pelos sujeitos processuais em sustentação da questão que pretendem ver analisada. Ao tribunal cabe decidir a questão concreta que lhe é apresentada, e só quando o não faça é que legitimamente se pode aventar nulidade por omissão de pronúncia, o que no caso sub judicio não aconteceu e, por isso, se indefere a impetrada nulidade ou irregularidade, seja pelo vício da omissão de pronúncia, seja pelo vício da falta de fundamentação.

Mas mais. Tendemos também a considerar que a vertente nulidade haveria de ter sido invocada em sede recursiva, porquanto a decisão em causa admite recurso, em harmonia com o disposto no artigo 89.º, do Regime Jurídico da Concorrência. Destarte, seguindo o raciocínio da Recorrente, e portanto quando fosse de admitir a invocada nulidade e quando tal nulidade pudesse ser invocada a propósito de um despacho por aplicação de normas concebidas para uma sentença (conferir artigo 374.º, 379.º e 380.º, n.º 3, a contrario sensu, todos do Código de Processo Penal), ainda assim sempre haveria de ser convocada a regra estatuída no n.º 2, do artigo 379.º, do Código de Processo Penal, segundo a qual as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, salvo se a decisão não admitir recurso, o que não ocorre in casu.

Em face das sobreditas razões, vai indeferido o requerido.»

4. Foi então interposto recurso de constitucionalidade com o seguinte conteúdo:

«A., SGPS, S.A. ("A. SGPS"), Arguida e Recorrente nos autos acima referenciados, vem, pelo presente, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 70.º, n.º 1 alínea b), 72.º, n.º 1 alínea b) e n.º 2 e 75.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (doravante "LTC"), interpor recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, do despacho do TCRS de 23.08.2021, que fixou o efeito meramente devolutivo ("Despacho") ao recurso interposto pela A. SGPS em 16.07.2021 de decisão interlocutória da Autoridade da Concorrência ("AdC") no âmbito de um processo de contraordenação, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

I. ANTECEDENTES PROCESSUAIS

1.º No presente processo de contraordenação, a A. SGPS foi alvo de diligência de busca e apreensão levadas a cabo pela AdC, no âmbito do qual foi apreendida diversa documentação da A. SGPS.

2.º Tendo sido requerida, nos termos legais, a proteção da confidencialidade de determinada informação constante dos documentos apreendidos nas buscas pela AdC, essa proteção foi indeferida pela AdC.

3.º Não se conformando com essa decisão interlocutória, a A. SGPS interpôs recurso para o TCRS quanto à mesma, tendo requerido expressamente que, apesar de se tratar de um recurso de uma decisão interlocutória da AdC, interposto ao abrigo do artigo 85.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio (“LdC”), lhe fosse atribuído efeito suspensivo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 407.º, n.º 1 e 408.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal (“CPP”), por remissão do artigo 41.º n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações (“RGCO”), aplicável ex vi artihgo 83.º da LdC, por entender que, de outra forma não se permitiria um efetivo acesso à tutela jurisdicional, nem bem assim, o cabal exercício do direito ao recurso, por absoluta inutilidade do mesmo.

4.º Entendeu e fundamentou a A. SGPS a existência de uma lacuna na LdC quanto à possibilidade de atribuição de efeito suspensivo ao recurso de decisões interlocutórias proferidas pela AdC em casos em que, por força do efeito meramente devolutivo, fosse retirado efeito útil ao recurso - como é o caso de decisões da AdC relativas ao tratamento de confidencialidades - sustentando, nessa medida, por via da remissão contida no artigo 83.º da LdC, a necessária aplicação do RGCO e, na sua omissão, do CPP.

5.º No entanto, antecipando que tal fosse outro o entendimento do TCRS, A. SGPS invocou desde logo a inconstitucionalidade:

(i) da norma do artigo 84.º n.ºs 4 e 5 da LdC, quando interpretada e aplicada no sentido de impedir a atribuição casuística de efeito suspensivo aos recursos interlocutórios de decisões da AdC, por violação dos artigos 2.º, 17.º, 18.º n.º 2, 20.º n.º 1, 61.º, 62.º, 202.º, 268.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa ("CRP"); e

(ii) da norma extraída do artigo 84.º, n.º 4 e n.º 5 da LdC no sentido de que o recurso de decisões interlocutórias da AdC tem sempre efeito meramente devolutivo, mesmo que a eficácia imediata da decisão seja suscetível de causar dano irreversível no direito que se pretende tutelar, por violação dos direitos à tutela jurisdicional efetiva, à reserva de competência jurisdicional em matéria de direitos e interesses legalmente protegidos, à impugnação de quaisquer atos administrativos lesivos de direitos e à adoção de medidas cautelares adequadas, à defesa da legalidade democrática (cf. artigos 2.º, 20.º n.º 2, 202.º n.º 2 e 268.º n.º 4 da CRP) e, bem assim, aos direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias da Recorrente (cf. artigos 17.º, 61.º e 62.º da CRP), tudo em violação do princípio da proporcionalidade na restrição de direitos fundamentais, decorrente do artigo 18.º, n.º 2 da CRP.

6.º Ora, no despacho de admissão de recurso da A. SGPS, o TCRS limitou-se a atribuir-lhe efeito meramente devolutivo, invocando as normas previstas nos artigos 84.º e 85.º da LdC,

7.º não se pronunciando sobre a requerida atribuição de efeito suspensivo, nem tão-pouco sobre a inconstitucionalidade invocada quanto às normas acima referidas, que teriam fundamentado a sua decisão quanto ao efeito do recurso).

8.º Neste Despacho - que constitui o objeto do presente recurso - o TCRS limitou-se a referir "Por ter sido tempestivamente interposto, por quem detém legitimidade para o efeito e com respeito pelas exigências de forma, admito o recurso interposto, com efeito meramente devolutivo, de harmonia com o disposto nos artigos 84.º e 85.º do Regime Jurídico da Concorrência (vide ainda Comentário Conimbricense à Lei da Concorrência, 3.ª Ed., Almedina, pág. 956, quanto ao efeito do recurso sobre decisões interlocutórias) e artigo 55.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, ex vi do artigo 83.º do da [sic] Regime Jurídico da Concorrência". (destacado e sublinhado nossos).

9.º Note-se, a este propósito, crê-se que a referência ao Comentário Conimbricense à Lei da Concorrência seja feita para o seguinte excerto:

"A regra estabelecida neste n.º 4 aplica-se igualmente a recursos de decisões interlocutórias proferidas pela AdC ao longo da investigação, já que a respetiva letra não estabelece qualquer distinção a este respeito (salvo quanto à aplicação de medidas de caráter estrutural). Este aspeto foi clarificado em várias ocasiões pelo Tribunal da Relação de Lisboa no quadro de acórdãos que revogaram despachos do TCRS que haviam fixado o efeito suspensivo a recursos de decisões interlocutórias da AdC (...)".

10.º Perante este Despacho, e tendo em consideração a jurisprudência constante do Tribunal...

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