Acórdão nº 356/22 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução12 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 356/2022

Processo n.º 1234/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é recorrente A., S.A. e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, a primeira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão proferido por aquele tribunal no dia 27 de outubro de 2021, que manteve a decisão do Tribunal Tributário de Lisboa de 13 de janeiro de 2021, julgando improcedente a impugnação de um ato de autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), relativo ao ano de 2016, assim como o despacho do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes de 29 de maio de 2017, que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pela impugnante contra aquele ato.

2. O requerimento de interposição do recurso tem o seguinte teor:

«A., S.A., Recorrente nos autos, notificada do douto Acórdão que negou provimento ao recurso interposto de Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, vem, ao abrigo do regime dos artigos 6º, 70º, n.ºs 1, alínea b), e 2, 71º, n.º 1, 72º, n.ºs 1, alínea b), e 2, 75º, n.º 1, e 75º-A, n.ºs 1 e 2, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional - LTC), interpor recurso daquele Acórdão para o Tribunal Constitucional, o qual requer que seja admitido, uma vez que o mesmo aplicou normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo (cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC).

As normas em causa são os artigos 2º, 3º, 4º, 11º e 12º do regime jurídico da "Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético", criada pelo artigo 228º da Lei n.º 83°-C/2013, de 31 de dezembro, em vigor durante 2016 através do artigo 6º da Lei n.º 159-C/2015, de 30 de dezembro (relativa à prorrogação para esse ano de receitas previstas no Orçamento do Estado para 2015).

No entendimento da Recorrente, as normas referidas violam os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da equivalência, emanações do princípio da Igualdade (artigo 13º da Constituição), da tributação das empresas pelo lucro real (n.º 2 do artigo 104º), ele próprio uma decorrência da capacidade contributiva e da Igualdade, da proporcionalidade (n.º 2 do artigo 18º), da livre iniciativa (artigo 61º), da propriedade privada (artigo 62º) e da não consignação (n.º 3 do artigo 105º).

A questão da inconstitucionalidade dos artigos em causa foi suscitada pela Recorrente na petição inicial que deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa, designadamente nos artigos 191º a 596º.

Para além disso, a mesma matéria é tratada nas alegações de recurso apresentadas neste Tribunal Central Administrativo - Sul, em toda a sua extensão, conforme depois traduzido nas conclusões A a P.»

3. Através da Decisão Sumária n.º 16/2022, considerando-se que se justificava lançar mão do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e mantido em vigor pela Lei n.º 159-C/2015, de 30 de dezembro) e, em consequência, negar provimento ao recurso. Foi a seguinte a fundamentação apresentada:

«3. Nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, o relator pode proferir decisão sumária quando se trate de uma questão simples, designadamente por já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal.

As questões suscitadas nos presentes autos foram, no essencial, apreciadas por este Tribunal no Acórdão n.º 7/2019, cuja posição foi recentemente reiterada e desenvolvida em diversos acórdãos e decisões sumárias (v., entre outros, as Decisões Sumárias n.os 229/2020, 11/2021, 358/2021, 417/2021, 422/2021 e 670/2021, e os Acórdãos n.os 301, 303, 436, 437, 438, 513, 532, 735, 756 e 777, todos de 2021).

Recentemente, a questão foi reapreciada pela 3.ª Secção, no Acórdão n.º 532/2021, no âmbito de um processo em que estava em causa – à semelhança do que acontece nos presentes autos – a impugnação de um ato de (auto)liquidação da CESE relativo ao ano de 2016. O recurso de constitucionalidade foi julgado improcedente, com os seguintes fundamentos:

«5. Constituem objeto do presente recurso as normas dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e mantido em vigor pela Lei n.º 159-C/2015, de 30 de dezembro, na redação dada pela Lei n.º 33/2015, de 27 de abril) —sobre as quais o Tribunal Constitucional teve ocasião de se pronunciar, pela primeira vez, no Acórdão n.º 7/2019. A posição aí adotada foi subsequentemente reafirmada nas Decisões Sumárias n.os 229/2020, 11/2021, 358/2021, 417/2021 e 422/2021 e recentemente reiterada nos Acórdãos n.os 303/21, 436/2021, 437/2021 e 438/2021.

Contudo, a recorrente defende que a jurisprudência do Acórdão n.º 7/2019 não é transponível para o caso dos autos, essencialmente, por duas razões: porque esse acórdão não tratou detidamente a questão da inconstitucionalidade do artigo 12.º do regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (adiante designada «CESE»); e porque «limit[ou] o objeto do respetivo recurso ao ano de 2014, uma vez que o processo diz respeito a uma liquidação relativa à CESE desse ano».

Quanto ao primeiro argumento, cumpre referir que — ainda que assistisse razão à recorrente — a questão da inconstitucionalidade do artigo 12.º do regime jurídico da CESE foi objeto de nova apreciação desenvolvida, no Acórdão n.º 301/2021 (cuja posição foi reiterada nos Acórdãos n.os 303, 436, 437 e 438, todos de 2021). Nesse processo, o Tribunal teve oportunidade de se pronunciar sobre argumentos muito idênticos aos aqui expostos pela recorrente, num caso em que estava também em causa a impugnação de um ato de liquidação de CESE (e não de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, adiante designado «IRC»).

Depois de considerar que a circunstância de a CESE não ser dedutível para efeitos de apuramento do lucro tributável não era, per se, suficiente para infirmar as conclusões alcançadas no Acórdão n.º 7/2019 sobre a natureza jurídica do tributo, esclareceu o Tribunal no Acórdão n.º 301/2021:

«8. (…) [T]ambém no que respeita à arguida inconstitucionalidade do artigo 12.º do regime jurídico da CESE por violação do princípio da proporcionalidade, as alegações produzidas pela recorrente desviaram-se da configuração inicial do problema. Com efeito, a recorrente não foi capaz de autonomizar qualquer questão especificamente relacionada com a norma a que ficou reduzido o objeto do presente recurso, dirigindo novamente a censura constitucional – agora centrada na violação do princípio da igualdade proporcional – às regras de incidência subjetiva e objetiva do tributo. Todas as referências à impossibilidade de deduzir o encargo suportado com a CESE ao lucro tributável em IRC serviram apenas para arguir a «especial gravidade» ou «especial notoriedade» da alegada ofensa aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, imputada ao regime jurídico que criou o tributo, considerado nos seus aspetos essenciais. Quanto a esta linha de argumentação, nada há, pois, a acrescentar (…).

Em qualquer caso, é manifesta a improcedência da questão da inconstitucionalidade do artigo 12.º do regime jurídico da CESE, tal como colocada na reclamação apresentada dessa decisão sumária. Recorde-se que a Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético foi criada no singular contexto da execução do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro, como atesta o Relatório do Orçamento do Estado para 2014, com um propósito claro: « (…) num esforço de cumprimento equitativo das metas orçamentais para 2014, será introduzida uma contribuição extraordinária sobre o setor energético e aumentada a contribuição sobre o sistema bancário. Estas medidas destinam-se não só a contribuir para a sustentabilidade sistémica destes setores mas também a repartir o esforço de ajustamento orçamental com as empresas de maior capacidade contributiva.» (v. Relatório do Orçamento do Estado para 2014, p. 33, disponível em https://www.dgo.gov.pt/politicaorcamental/).

A liquidação desta contribuição haveria, assim, de contribuir para a consolidação das contas públicas de duas formas: por um lado, as despesas com a adoção das medidas tidas por necessárias para assegurar a sustentabilidade do setor energético passariam a ser financiadas pelas receitas adicionais obtidas através da liquidação do tributo; por outro, as receitas do orçamento geral do Estado resultantes da liquidação do IRC não sofreriam qualquer diminuição consequente da liquidação do tributo, porque o encargo suportado pelos sujeitos passivos da CESE não poderia ser deduzido ao lucro tributável (v. a alínea q), do n.º 1, do artigo 23.º-A do Código do IRC).

Ao invocar que o artigo 12.º do regime jurídico da CESE contende com o princípio da proporcionalidade, por tornar excessivo o montante do tributo exigido, a recorrente confunde estas duas dimensões do esforço de ajustamento orçamental especialmente exigido aos operadores do setor energético. Não há dúvida de que, tal como este Tribunal tem reconhecido, a criação de tributos comutativos deve obedecer ao princípio da equivalência, que constitui expressão dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, ao impor que «o quantitativo da prestação tributária deva corresponder ao custo ou benefício que se pretende compensar, sendo o tributo inválido se manifestamente excessivo ao custo ou valor dos bens e...

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