Acórdão nº 21/21.0GTSTB-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAUR
Data da Resolução10 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Instrução Criminal de Setúbal - Juiz 1, no âmbito dos autos com o NUIPC 21/21.0GTSTB foi, em 7 de março de 2022, proferido o seguinte despacho (transcrição): ” Das Buscas O Ministério Público requereu que seja autorizada busca domiciliária e emitidos mandados a autorizar a sua realização, dos veículos e reboques que identifica. Alega para tanto que se investigam nestes autos factos suscetíveis de integrar a prática de diversos crimes de furto de combustível, ocorridos em várias zonas do país, bem como crime de falsificação de ou contrafação de documento. Relativamente aos veículos e reboques, não estando em causa o domicílio (casa habitada) pode o Ministério Público, se assim o entender, ordenar a realização de buscas, ao abrigo do disposto no artigo 174, nº1, 2 e 3 CPP. Pelo exposto, não autorizo a realização das buscas aos veículos e reboques requeridas pelo Ministério Público. Notifique.*Requereu ainda o Ministério Público que seja autorizada busca domiciliária e emitidos mandados a autorizar a sua realização às residências de: - AAA, sita na Rua (….); e - BBB, sita em (…). Mais se requer que a busca abranja os anexos, garagens, caixa do correio, outras dependências que se encontram no domínio dos suspeitos, logradouros bem como nos terrenos adjacentes que sejam utilizados pelo(s) suspeito(s), com menção expressa da possibilidade de arrombamento, em caso de necessidade, tudo com vista à apreensão de objetos que estejam relacionados com os factos e/ou outros meios de prova essenciais para a prova da prática do crime indiciado. De acordo com os relatórios do OPC juntos e com o requerimento do Ministério Público os referidos suspeitos, de nacionalidade romena, serão condutores de veículos pesados e reboques provenientes da Roménia e autores de parte dos furtos de combustível em investigação, integrando um grupo/associação de indivíduos que fazem desta conduta ilícita o seu modo de vida. Tudo indica que os meios para consumação dos ilícitos se encontram no interior dos veículos identificados nos autos. Quanto à residência dos suspeitos nada de concreto consta dos autos que nos permita concluir pela existência de indícios suficientes de que os objetos utilizados na prática dos ilícitos em investigação ou meios de prova da sua prática possam estar guardados nos domicílios identificados. Como se referiu, dos referidos indícios, resulta antes mais provável que tais objetos se encontram no interior dos referidos veículos. Pelo exposto, não autorizo a realização das buscas domiciliárias requeridas pelo Ministério Público. Notifique.*Devolva os autos ao Ministério Público.”*Inconformado com a decisão, o Ministério Público interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: 1. O Ministério Público promoveu, junto da Meritíssima Juiz, a realização de busca a veículos pesados/camiões e a reboques associados, promoveu também a realização de buscas domiciliárias a duas residências identificadas dois suspeitos, e bem assim promoveu a atribuição do segredo de justiça nos presentes autos.

  1. No presente inquérito investigam-se vários furtos de combustíveis, ocorridos em várias zonas do país, tendo sido possível identificar um vasto número de camiões, bem como as suas matrículas e reboques associados.

  2. Tais veículos têm matrícula estrangeira e são oriundos da XXX tendo sido possível apurar que transportam mercadorias para Portugal.

  3. Nesta senda, entende o Ministério Público que tais veículos, uma vez que consubstanciam um transporte de longo curso que, como é do conhecimento geral, os seus condutores-motoristas pernoitam no seu interior e transportam consigo bens pessoais, entendeu que a autoridade judiciária competente para a emissão dos respectivos mandados de busca é o Juiz de Instrução, nos termos do artigo 177º, nº1 do Código de Processo Penal.

  4. A necessidade da recolha de prova recai sobre a alçada do Ministério Público, sendo que, no caso concreto, mais nenhuma outra diligência de prova se mostra susceptível realizar o avanço da investigação e a identificação de possíveis suspeitos.

  5. Assim, a realização de busca às residências identificadas consubstancia-se numa diligência de prova necessária porquanto, existe a possibilidade de no interior destas estarem outras provas relacionadas com a prática deste ilícito e que nomeadamente permitiam identificar cabalmente todos os seus intervenientes.

  6. Por fim, o Meritíssimo Juiz não se pronunciou relativamente à promoção da atribuição de segredo de justiça nos presentes autos, incorrendo assim em omissão de pronúncia nos termos do artigo 379º nº1 al) c) do Código de Processo Penal.

Nestes termos e nos demais de Direitos, deve ser concedido provimento ao recurso e, consequentemente, devem os despachos formulados serem revogados por outros que autorizem a realização das buscas aos camiões identificados, e bem assim às residências, e em consequência deve o Meritíssimo Juiz proceder à emissão dos competentes mandados de busca.

E, bem assim, deve o referido despacho ser considerado nulo, nos termos do artigo 379º nº1 al.c) do Código de Processo Penal.”*Previamente à prolação do despacho a admitir o recurso, o Mº Juiz proferiu o seguinte despacho (transcrição): “Da nulidade do despachado por omissão de pronúncia Alegou o Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 379º, 1, c) CPP, a omissão de pronúncia por não ter o Tribunal proferido decisão quanto ao segredo de justiça aplicado pelo Ministério Público. Como resulta da citada norma, a verificar-se a omissão alegada, a mesma configura uma nulidade que deve ser arguida em recurso, podendo o Tribunal supri-la – artigos 279º, 1, 414º, 4, 380ºº, 3 e 97º CPP. Melhor compulsados os autos, verifica-se que ocorreu a omissão de pronúncia alegada, não tendo este Tribunal tomado posição quanto ao Segredo de Justiça aplicado, pelo que se impõe suprir a nulidade devidamente invocada. Por despacho de 28/02/21 o Ministério Público determinou, nos termos do disposto no artigo 86.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a aplicação do segredo de justiça ao presente inquérito com fundamento nos interesses da investigação, atendendo à natureza da factualidade indiciada nestes autos. Os autos foram conclusos ao juiz de instrução criminal em 07/03/22. O instituto do segredo de justiça constitui uma exceção ao princípio da publicidade do processo penal — conferir artigo 86º do Código de Processo Penal. Os interesses da investigação e as concretas circunstâncias que justifiquem a opção pelo afastamento daquela regra de publicidade deverão ser, assim, excecionais. Refere do artigo 86º, 3 CPP que “sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas.” No caso vertente, o prazo máximo de 72 (setenta e duas) horas a que alude o normativo supra citado atingiu o seu termo no dia 03/03/22. Tendo os autos sido conclusos em 07/03/22, estando nesta última data decorrido o prazo a que alude o n.° 3 do ar. 86.° Código de Processo Penal, sem prejuízo da renovação da decisão pelo Ministério Público, não valido a sujeição dos presentes autos a segredo de justiça Notifique.”.*O recurso foi admitido, fixado o respetivo regime de subida e efeito e ordenada a subida dos autos ao Tribunal da Relação.

*Neste Tribunal da Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos: “ (…) − Indicação das normas jurídicas violadas: não indicadas nas conclusões. o Tendo em conta o disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a) e artigo 417.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, não indicando o recorrente, de forma especificada, expressa ou autónoma, a norma ou normas jurídicas que tenham sido violadas, impõe-se ponderar se deve ser proferido despacho que convide o recorrente a proceder , no prazo de 10 dias, ao aperfeiçoamento do recurso apresentado, nomeadamente em sede de conclusões, sob pena de não ser conhecido o recurso (cf. ainda Ac. Tribunal Constitucional n.º 320/2002). - O verdadeiro ónus do recorrente consiste na apresentação da motivação (exposição de modo circunstanciado, das razões de direito e de facto pelas quais diverge da decisão recorrida) e das conclusões (formular, no final da peça, as respetivas conclusões, com a indicação resumida dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão). - As conclusões têm a função importante de definir e delimitar o objeto do recurso, circunscrevendo assim o campo de intervenção do tribunal a quo. - Consta-se que em nenhuma das conclusões o recorrente indica, de forma específica e autónoma, quais as normas jurídicas violadas, i.e., as normas que constituem fundamento jurídico da decisão e deviam ter sido corretamente interpretadas e aplicadas. - Porém, a nosso juízo, percebe-se o sentido do recurso, no que se refere `à matéria de direito, pois o recorrente refere na motivação as normas que constituíram o fundamento jurídico da decisão e o modo como foram interpretadas e aplicadas. Parece-nos, assim, que se consegue deduzir e delimitar o objeto do recurso, nomeadamente a nível das normas jurídicas violadas e cuja incorreta interpretação/aplicação conduziu à decisão que se visa alterar. - Não sendo essa indicação específica, expressa ou autónoma das normas jurídicas violadas fundamento particular do recurso ordinário, devem vigorar as regras gerais da recorribilidade e admissibilidade do recurso, pelo que não nos parece imperioso a indicação específica da recorribilidade que está em questão. - Divisa-se na motivação e conclusões apresentadas que o recorrente pretende a revogação da decisão recorrida, por entender que as buscas promovidas...

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