Acórdão nº 3668/18.8T8STS-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO DIAS DA SILVA
Data da Resolução21 de Abril de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação - 3ª Secção ECLI:PT:TRP:2022:3668/18.8T8STS-B.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório Por apenso aos autos de insolvência n.º 3668/18.8T8STS.P1 em que foi declarada insolvente a sociedade “M... Unipessoal, Lda.” foi autuado o presente incidente de qualificação da insolvência.

*A Sr.ª Administradora da Insolvência veio, nos termos do disposto no artigo 188º, n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, apresentar parecer, propondo a qualificação da insolvência de “M... Unipessoal, Ld.ª” como culposa, fundamentando tal proposta em factos que traduzem a violação do disposto no artigo 186º, n.º 2, alínea d) e n.º 3, alínea a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

*Cumprido o disposto no artigo 188º, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o Ministério Público emitiu parecer de concordância com a qualificação da insolvência como culposa, aderindo à posição da Administradora de Insolvência.

Ambos requereram a afectação de AA e BB.

*O requerido BB foi citado editalmente.

Foi nomeado patrono oficioso ao mesmo, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 21.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, que não apresentou contestação.

*Citada, a requerida AA apresentou contestação, pugnando pela qualificação da insolvência como fortuita.

*Notificado, o Sr. Administrador da Insolvência respondeu.

*Foi proferido despacho saneador.

*Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais*Após a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença na qual se decidiu: “

  1. Qualificar a insolvência da devedora “M... Unipessoal, Ld.ª” como culposa; b) Declarar afectados por essa qualificação AA e BB, aos quais se atribui culpa média; c) Decretar a inibição de AA e BB para administrar patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, bem como para ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses; d) Declarar perdidos quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente eventualmente detidos por AA e BB e a restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos, caso tenham tido lugar e) Condenar os afectados AA e BB, solidariamente e no montante correspondente a 50% dos créditos não satisfeitos, a indemnizar os credores da devedora/insolvente “M... Unipessoal, Ld.ª”, até às forças do respectivo património, pelo valor dos créditos que sejam incluídos na lista definitiva de credores.”*Não se conformando com a decisão proferida, veio a requerida AA, interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma: I.

    Foi a Recorrente notificada da sentença proferida, nos termos da qual o Tribunal a quo decidiu:

  2. Qualificar a insolvência da devedora M... Unipessoal, Ld.ª como culposa; b) Declarar afetados por essa qualificação AA e BB, aos quais se atribui culpa média; c) Decretar a inibição de AA e BB para administrar patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, bem como para ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses; d) Declarar perdidos quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente eventualmente detidos por AA e BB e a restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos, caso tenham tido lugar e) Condenar os afetados AA e BB, solidariamente e no montante correspondente a 50% dos créditos não satisfeitos, a indemnizar os credores da devedora/insolvente M... Unipessoal, Ld.ª, até às forças do respetivo património, pelo valor dos créditos que sejam incluídos na lista definitiva de credores.” II. A decisão fundamenta-se no facto de se mostrarem “preenchidas as causas de qualificação da insolvência como culposa, previstas no art. 186º, n.º 2, al. d) n.º 3, al. a) do CIRE, sendo que as pessoas responsáveis por estes atos culposos foram AA e BB, a primeira por ser gerente de direito, constando como tal no registo comercial, e também gerente de facto a partir de meados de 2016, e o segundo por ser gerente de facto da insolvente até meados de 2016.” III. Não pode a Recorrente conformar-se com tal decisão, pelo que vem impugná-la de facto e de direito nos termos das disposições conjugadas dos artigos 9.º, n.º 1 e 14.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresa e 627.º, n.º 1, 638.º, n.º 1 e 7, 639.º, 640.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.

    DA NULIDADE DA SENTENÇA IV. Incorre a douta sentença em nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, do Código de Processo Civil, por falta de pronúncia, na medida em que o M.mo Juiz a quo deixou de se pronunciar sobre factos que lhe cumpria conhecer, por terem sido invocados e com relevância para a decisão, V. Não cuidou o Tribunal a quo de se pronunciar sobre os esforços da ora recorrente no sentido de evitar a insolvência, no período em que, além de gerente de direito, efetivamente assume as funções de gerente de facto, os quais foram invocados nos pontos 26º a 29º da Oposição ao Incidente de Qualificação de Insolvência e resultaram provados em sede de discussão e julgamento – factos manifestamente relevantes para a decisão da causa, no sentido de aferir do grau de participação/responsabilidade da ora recorrente na situação da insolvência, e cuja apreciação foi colocada ao tribunal recorrido.

    VI.

    Como, aliás, ficou consignado no início da audiência. (CD - FICHEIRO 20210908100728_15457905_3995017, minuto 00:47: “Ó Srª Drª, há aqui uma coisa que importa ficar perfeitamente claro. É que, na circunstância de se verificar alguma das presunções do artigo 186º, n.º 2, do CIRE, o gerente de direito é sempre afetado pela qualificação. A orientação jurisprudencial é totalmente nesse sentido.

    Portanto, por muito esforço que haja da senhora querer distanciar-se, a verdade é que ela é gerente de direito, assumiu essa condição e sofre as consequências dessa situação. Portanto, isto é apenas um alerta porque, porventura poderá ser inglório, um esforço processual no sentido de demonstrar que a senhora estava alheada, a verdade é que a senhora era gerente de direito e quando o legislador criou essa norma não foi para afastar o gerente de direito, foi para alargar ao gerente de facto essa responsabilidade no sentido da afetação pela insolvência culposa.

    ”MANDATÁRIA : “Eu tenho perfeita noção disso.” JUIZ: “Pronto, Sr.ª Drª, existindo essa noção, a Srª Drª poderá tentar demonstrar que ela estaria alheia à vida da sociedade, mas a verdade é que era a gerente de direito e isso não está contestado no processo.” MANDATÁRIA : “Sabendo disso de antemão, não só tentarei, como é óbvio, abordar esse assunto, tanto mais para averiguar o grau da culpa, que eu acho que é importante, designadamente para efeitos da medida, de facto, mas veremos se, de facto, as presunções serão…poderão ou não estar verificadas.” VII. Porém, o Tribunal recorrido omitiu tal factualidade, não tendo, sequer, sido apresentada qualquer fundamentação para sustentar tal omissão ou para os excluir seleção de factos.

    DA MATÉRIA DE FACTO VIII. O erro notório na apreciação da prova consiste num vício no apuramento da matéria de facto, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, é o que nos parece ter acontecido nestes autos.

    1. Porquanto, salvo o devido respeito, não podiam ter sido considerados provados ou carecem de aditamentos e esclarecimentos os factos constantes dos pontos 6, 7, 10, 12, 13, 14, 15, 16, 26, 27, 28.

    2. Quanto aos pontos 6, 7, 26, 27 e 28 o Tribunal a quo considerou provado que “ …”6. No período entre 20 de janeiro de 2014 e meados de 2016, a gerência de facto da sociedade foi exercida única e exclusivamente pelo requerido BB, pai da gerente de direito e requerida AA, passando esta a exercer em exclusivo tais funções desde meados de 2016.

      1. Até meados de 2016, não obstante fosse gerente de direito, a requerida AA nunca havia participado na vida social/financeira da sociedade insolvente.

        (…) 26. Até meados de 2016, a requerida AA nunca tomou qualquer decisão de pagamento a fornecedores, trabalhadores ou ao Estado.

      2. Até meados de 2016, foi sempre o requerido BB a lidar com os fornecedores, quer comprando, quer pagando; a lidar com o Técnico Oficial de Conta da sociedade insolvente, a quem entregava os documentos necessários para a contabilidade; a emitir as faturas aos clientes e recebia destes os respectivos pagamentos.

      3. Até meados de 2016, a requerida AA nunca esteve envolvida no giro e funcionamento comercial da insolvente, nunca acompanhou e controlou a condução da atividade da sociedade, nunca teve poder decisório sobre o destino da empresa, nunca contratou com terceiros em nome da empresa, nunca admitiu ou despediu, nunca exerceu poderes de chefia, nunca praticou atos de comando, ou deu instruções ou ordens aos empregados, nunca fez pagamentos a fornecedores ou credores, ou sequer encomendas, nem tão pouco contactos com clientes, fornecedores ou credores.” XI. Contudo, tais factos carecem de esclarecimentos que foram omitidos pelo Tribunal a quo e que foram prestados pelas testemunhas em sede de audiência e julgamento.

    3. A factualidade ora em causa terá, de acordo com o vertido na motivação, sido considerada provada em face do depoimento das testemunhas CC, contabilista certificado (anteriormente denominado TOC) da sociedade insolvente M..., o qual, de acordo com o Tribunal a quo“…num depoimento espontâneo, objetivo, coerente e devidamente fundamentado, merecedor por isso da credibilidade que o Tribunal lhe conferiu, apontou o período correspondente a meados de 2016, como aquele em que, apercebendo-se do avolumar das dívidas à Segurança Social, alertou a requerida AA para a necessidade de...

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