Acórdão nº 932/17.7T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Maio de 2022
Magistrado Responsável | NUNO PINTO OLIVEIRA |
Data da Resolução | 05 de Maio de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1.
AA intentou acção declarativa de condenação contra Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., I. — pedindo que a Ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., seja condenada a pagar ao Banco BPI, S.A., o montante necessário e suficiente, para liquidação do contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 9 de Março de 2006; II. — requerendo a intervenção principal provocada de BB (seu pai), de CC (sua irmã) e de Banco BPI, S.A.
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A Ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção.
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Invocou a nulidade e, subsidiariamente, a anulabilidade do contrato de seguro por falsas declarações.
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Em 8 de Janeiro de 2021, o Tribunal de 1.ª instância julgou a acção improcedente.
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O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância foi do seguinte teor: Em razão do exposto julgo verificada a nulidade do contrato de seguro em lide, que declaro, e em consequência:
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Absolvo a Ré do pedido formulado nos autos.
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Condeno a Ré a restituir à Autora AA e Aos Intervenientes/Autores BB e CC as quantias correspondentes a todos os prémios de contrato de seguro que foram pagos, acrescidas de juros de mora à taxa legal civil desde a citação, a liquidar em incidente.
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Condeno a Autora AA e dos Intervenientes/Autores BB e CC no pagamento das custas, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido à primeira.
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A Autora AA interpôs recurso de apelação.
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Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:
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A Ré Allianz Portugal juntou documentos à sua contestação (documentos 4 e 5); b) A recorrente veio requerer o desentranhamento de tais documentos, por requerimento de 06/04/2017, com a ref.ª: ...55; c) Requerimento este indeferido no douto despacho proferido em sede de audiência prévia de fls. … (15/03/2018); d) De tal indeferimento veio a A. recorrente apresentar recurso de apelação para esse Tribunal da Relação; e) No qual foi proferido Acórdão que julgou parcialmente procedente a apelação e determinou o seguinte: “i. Declara-se nulo o consentimento prestado pela mãe da autora no boletim de adesão de fls. 30-31, nos termos do qual: «Autorizo os médicos ou qualquer entidade que me tenha tratado ou examinado a fornecer à Allianz Portugal sempre que esta solicitar todas as informações relacionada com o meu pedido de adesão ou com um eventual sinistro»; ii. Ordena-se a produção de prova tendo em vista apurar se os documentos em causa foram entregues por vontade expressa do viúvo, que se limitou a responder aos pedidos de documentação médica para análise do sinistro, devendo posteriormente o tribunal a quo decidir sobre a (in) suficiência da actuação dos familiares que vier a ser apurada.” f) Em consequência foi reaberta a audiência para: tomada de declarações da aqui recorrente; prestação de depoimento de parte dos intervenientes BB e CC, e inquirição de duas testemunhas indicadas pela Ré recorrida; g) Foi proferida sentença que, julgando improcedente o pedido da A. deu como provados os factos já transcritos e que aqui se dão por reproduzidos; h) Entende a recorrente que o Tribunal a quo fez uma interpretação errada da Lei, do Acórdão proferido por esse Tribunal da Relação e dos factos; i) Conforme o doutamente ordenado pela Relação, o Tribunal a quo deveria produzir prova quanto à vontade e consciência do viúvo, o interveniente BB, aquando da entrega dos documentos em causa, no sentido de tentar apurar se este tinha consciência que (i) ao entregar os tais documentos facultava informação que devassava a intimidade e a vida privada da falecida e (ii) que tinha o direito de recusar entregar tal documentação ou se, pelo contrário, (iii) entregou tais documentos duma forma acrítica e quase automática em cumprimento dos pedidos do banco; j) Deveria ainda o Tribunal a quo produzir prova acerca da autorização, consentimento e conhecimento que as restantes herdeiras da falecida, a recorrente e a interveniente CC, haviam prestado e tido ou não quanto aos documentos entregues, primeiramente ao Banco e após à Ré k) Tal prova foi produzida e registada conforme acta da sessão de julgamento de 07/10/2019 e, entende a recorrente, que a aludida prova deveria ter levado à inclusão nos Factos Provados dos seguintes: 1) Os documentos em causa foram entregues por vontade expressa do viúvo, que se limitou a responder aos pedidos de documentação médica para análise do sinistro, e; 2) Os restantes familiares da falecida – recorrente AA e interveniente CC - não tinham conhecimento dos documentos e respectivo teor, entregues ao banco e Ré seguradora e nunca consentiram ou autorizaram a sua entrega; l) Encontrando-se afastada a possibilidade de utilização dos elementos clínicos por via da declaração de nulidade do consentimento prestado pela falecida DD – cfr. Acórdão nos autos de 18/09/2018 –, importava agora ao Tribunal a quo produzir prova tendente a apurar se actuação dos familiares / herdeiros da falecida teria sido a bastante – “(in) suficiência” – para legitimar a utilização desses mesmos dados clínicos; m) O Tribunal a quo reabriu a audiência, tendo da sessão de 07/10/2019 resultado, no que para o presente importa no entendimento da recorrente, o seguinte: […] n) Ora, parece manifesto que, perante a prova produzida e supra transcrita, o Tribunal a quo deveria ter dado como assente dois factos essenciais: 1 – Que o viúvo se limitou a responder aos pedidos de documentação médica formulados pelo Banco, de forma automática e acrítica, sem que, alguma vez, tenha sido informado acerca dos seus direitos, nomeadamente, do direito de recusar a sua entrega; 2 – Que as restantes familiares / herdeiras, a aqui recorrente AA e a interveniente CC, filhas da falecida DD, (i) não tinham qualquer conhecimento da documentação entregue ao Banco, quer quanto ao seu conteúdo quer quanto à sua origem, (ii) jamais consentiram na sua entrega e (iii), pelo menos no que respeita à recorrente AA, vieram a opor-se à divulgação dos dados clínicos da falecida DD; o) Ao invés de retirar conclusões de facto do doutamente ordenado por essa Relação, o Tribunal a quo limitou-se a cumprir, de forma, o disposto no Acórdão de 18/09/2019 – ordenando a produção de prova – sem que dessa formalidade, que cumpriu, haja retirado qualquer conclusão.
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Ora, como é óbvio, não era esse o sentido do citado Acórdão.
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Antes pretendendo que se apurassem factos que permitissem concluir se os documentos clínicos acerca da falecida DD, podiam ou não ser utilizados para fundamentar a decisão do Tribunal a quo; r) Afastado que foi o consentimento da falecida DD, pela nulidade declarada, conjugado com a prova inequívoca acerca dos procedimentos do viúvo BB – que se limitou a aceder sucessivamente aos pedidos do Banco, sem qualquer sentido crítico sem qualquer consciência do alcance do seu procedimento e do total e absoluto conhecimento e falta de consentimento das filhas da falecida restantes herdeiras -, deveria o Tribunal a quo ter decidido pelo não conhecimento dos documentos em causa e, portanto, dar como não provados os pontos 16, 20 a 23 e 25 a 27, dos factos provados; s) O que deve acontecer; t) Também em consequência dessa mesma prova produzida, deverá constar do ponto 19. da matéria assente que a recorrente AA e a interveniente CC, embora conhecedoras da participação do sinistro feita pelo seu pai, o interveniente BB, desconheciam em absoluto os termos dessa participação, os documentos que a ela foram juntos, os que foram entregues posteriormente e qual o seu teor; u) Em clara contradição com o Acórdão dessa Relação, o Tribunal a quo, deu como provado que a falecida DD havia subscrito a seguinte declaração: “Autorizo os médicos ou qualquer entidade que me tenha tratado ou examinado a fornecer à Allianz, Portugal sempre que esta solicitar todas as informações relacionadas com o pedido de adesão ou com um eventual sinistro.”; v) Tal matéria consta do ponto 8 da Fundamentação de Facto e viola, frontalmente, o decidido no Acórdão de 18/09/2019, que, expressamente, a declarou nula; x) Como tal, o Tribunal a quo conheceu de matéria que já não podia conhecer, o que importa a nulidade da decisão recorrida, atento o disposto no art.º 615.º ,n.º 1, al. d) do Cód. Proc. Civil; z) A eliminação dos documentos em causa e dos elementos clínicos relativos à falecida DD, retira qualquer fundamento à sentença recorrida para a manutenção dos pontos da matéria assente cuja eliminação se requer, ou seja os pontos 16, 20 a 23 e 25 a 27, dos factos provados, dando-os como não provados; aa) E, retirados tais pontos da matéria de facto, não só não é possível concluir que o óbito ocorreu por doença pré existente à apólice, bem como não é possível concluir que a falecida haja prestado falsas declarações que permitam fundamentar a nulidade do contrato de seguro; bb) O que levaria, necessariamente, à procedência da acção; cc) Atenta a sentença recorrida, a actuação do interveniente BB seria legitimada por força do disposto no art.º 71.º n.º 2 do Cód. Civil; dd) Entende a recorrente que a interpretação dada pelo Tribunal a quo é precisamente a inversa daquela que a situação em causa impõe; ee) Por um lado, porque o interveniente BB não actuou na defesa dos direitos de personalidade da falecida DD mas antes contribuiu para a devassa da sua vida privada, divulgando dados clínicos e relativos à sua saúde, por outro lado foi a própria recorrente que procurou atenuar os efeitos da “ofensa já cometida” (art.º 70.º n.º 2 do Cód. Civil), tentando impedir a manutenção e aumento da devassa da intimidade de sua falecida mãe opondo-se à divulgação e entrega dos dados clínicos.
ff) Daí que, se alguém foi merecedor do conforto jurídico facultado pelo disposto no art.º 71.º do Cód. Civil essa pessoa seria a recorrente AA e não o interveniente BB.
gg) Consequentemente, a interpretação aduzida pelo Tribunal a quo é – obviamente, no entendimento da recorrente – desadequada e errada face à...
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