Acórdão nº 328/22 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução28 de Abril de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 328/2022

Processo n.º 1314/21

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e são recorridos B. e outros, a primeira veio interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do acórdão proferido por aquele Tribunal no dia 22 de setembro de 2021, que julgou improcedente o recurso de revista interposto, mantendo o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães de 21 de janeiro de 2021.

Em apenso de liquidação do ativo, que corre por apenso ao processo onde foi declarado insolvente C., a ora recorrente interpôs recurso de apelação da decisão da 1.a instância de 21 de agosto de 2020 que, indeferindo a pretensão pela mesma deduzida no sentido de suspender a entrega do imóvel apreendido para a massa insolvente, determinou que o administrador da insolvência diligenciasse pela marcação de nova data para proceder à tomada de posse do referido bem, assegurando a sua integral desocupação, para posterior entrega ao comprador.

No Tribunal da Relação de Guimarães foi proferido despacho concedendo à apelante o prazo de dez dias para exercer o contraditório relativamente à detetada falta de conclusões do seu requerimento de recurso e à sua consequente rejeição liminar, nos termos dos artigos 639.º, n.os 1 e 2, 641.º, n.º 2, alínea b), 652.º, n.º 1, alínea b), e 655.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Em resposta a essa notificação, a apelante apresentou novas alegações com conclusões, alegando que, por lapso, não as tinha apresentado.

O relator proferiu decisão singular indeferindo a apresentação das novas alegações e conclusões, abstendo-se de conhecer o objeto do recurso por falta de conclusões. A apelante deduziu reclamação desse despacho para a conferência, que foi indeferida. Ainda inconformada, interpôs recurso de revisão para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual foi admitido enquanto revista excecional e na sequência do qual foi então proferida aquela que para estes efeitos constitui a decisão recorrida.

2. A decisão recorrida apresenta, para o que aqui mais releva, o seguinte teor:

«(...)

2. O direito

2.1 Da falta de conhecimento do objeto da apelação por inexistência de conclusões:

Sustenta a Recorrente que o tribunal da Relação, ao invés de se ter abstido de apreciar o recurso, devia ter procedido à sua notificação para completar a alegação, com a inclusão das conclusões, "procedendo em conformidade com o disposto no art. 685.º-A, n.º 3, do CPC" (presumindo-se que quisesse dizer artigo 639.º, n.º 3, do CPC, posto que o preceito invocado pertence ao anterior Código de Processo Civil, revogado e inaplicável no caso).

A discordância da Recorrente reside, assim, no facto de não ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento com vista a conceder-lhe a oportunidade de sanar o vício verificado, cuja existência está, por isso, assente nos autos.

Na verdade, da análise do recurso de apelação interposto, inexiste qualquer dúvida quanto à circunstância de o mesmo não ter conclusões, já que, como bem refere o acórdão recorrido, tal recurso consiste num arrazoado de alegações de diversa natureza que culminam com um singelo pedido de revogação e substituição da decisão recorrida, sem qualquer referência, neste ponto, sintética, ou não, ao preceituado no art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Partindo desse pressuposto - de que o recurso de apelação carecia de conclusões - decidiu o tribunal a quo, apoiando-se em doutrina e jurisprudência que cita, que a omissão absoluta de conclusões determina o indeferimento do recurso e não o aperfeiçoamento quer porque essa falta absoluta não se insere em nenhum das qualificações para as quais tal despacho está previsto (deficiência, obscuridade, complexidade ou falta de especificação de alguma das exigências do artigo 639.º, n.º 2, do CPC), quer porque não se pode convidar a aperfeiçoar aquilo que não existia e que, nessa medida, não poderia ser aperfeiçoado, completado, esclarecido ou sintetizado tal como se prevê no artigo 639.º, n.º 3, do CPC.

Não podemos deixar de secundar tal entendimento pelo acerto que merece.

Com efeito, dispõe o artigo 639.º, n.º 1, do CPC, que O Recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão; acrescentando O n.º 2 que Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.

Prevê, por sua vez, o n.º 3 do mesmo normativo que Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas não se tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de não se conhecer do recurso na parte afetada.

Conforme decorre claramente deste preceito legal, recaem sobre o recorrente dois ónus: (i) o de apresentar a sua alegação de recurso; e (ii) o de a concluir pela indicação resumida dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão, ou seja, pela enunciação abreviada dos fundamentos do recurso.

Ensina Alberto dos Reis que A palavra conclusões é expressiva. No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: Que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. E claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões e fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta.

É claro que, para serem legitimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.

Assim sendo, a exigência de concluir cumpre-se quando o recorrente fecha a sua minuta pela enunciação de proposições que sintetizem, com precisão e concisão, os fundamentos do recurso. Por outras palavras, não valem como conclusões arrazoados longos e confusos, em que se não discriminem com facilidade as questões postas e os fundamentos invocados.

Resulta, por sua vez, do disposto no artigo 641.º, n.º 2, do CPC (que rege sobre o despacho em que o Juiz se pronuncia sobre o requerimento de interposição do recurso), que O requerimento é indeferido quando: (...) b) Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões.

A obrigatoriedade de apresentar conclusões está, de resto, bem patente na norma constante do artigo 637.º, n.º 2, do CPC na qual se prevê que o requerimento de interposição de recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico de recorribilidade.

Refira-se, aliás, que há muito que a doutrina e a jurisprudência vêm assinalando a importância de que se revestem as conclusões em função, além do mais, do que se dispõe no artigo 635.º, n.º 4, do CPC, já que será através delas que é delimitado o objeto do recurso.

Esta questão foi objeto de apreciação desenvolvida no acórdão do STJ de 07-10- 2020, no qual se escreveu, a propósito de um caso similar ao dos autos, que O modo como deve ser estruturada a interposição de recurso resulta mais evidente do art. 637º, nº 2, do CPC, na medida em que o requerimento de interposição, que anteriormente precedia a apresentação das alegações, deve agora conter obrigatoriamente (ou deve vir obrigatoriamente acompanhado) a alegação do recorrente, em cujas conclusões devem ser indicados determinados fundamentos específicos de recorribilidade que no caso se justifiquem.

A importância de apresentação de conclusões emerge também do art. 635º, nº 4, na medida em que, mais do que o teor das alegações, é através daquelas que se delimita o objeto do recurso. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem enunciar, de forma clara e rigorosa, aquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com o que foi decidido pelo tribunal a quo.

O relevo das conclusões no contexto alegatório resulta ainda mais evidente quando se observa o disposto no art. 641º, nº 2, al. b), nos termos do qual é motivo para a rejeição imediata do recurso não apenas a falta absoluta de alegações como a "falta de conclusões ".

Aliás, a existência de conclusões constitui o pressuposto básico para a solução paliativa prevista no art. 639º, nº 3 (em casos e que estejam em causa questões de direito), segundo o qual o relator deve proferir despacho de aperfeiçoamento destinado a afastar deficiências, obscuridades, complexidade ou omissões aí referidas, o que naturalmente pressupõe a existência de conclusões.

(...) Existe ainda um outro fator não menos importante ligado ao princípio do contraditório, associado ao direito da parte contrária de ser confrontada com uma peça da qual resulte com total inequivocidade o objeto da impugnação e as questões que são suscitadas, a fim de poder exercer a sua defesa que, aliás, pode ser multifacetada em função da iniciativa do recorrente (v.g. art. 636º do CPC).

A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objetivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT