Acórdão nº 157/20.4IDBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Abril de 2022
Magistrado Responsável | J |
Data da Resolução | 26 de Abril de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO: Nos presentes autos de processo comum, com o NUIPC nº 157/20.4IDBRG, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Braga – J1, com intervenção do tribunal singular, foram submetidos a julgamento os arguidos: “- X – Comércio de Artigos Sanitários, Lda.”, sociedade comercial por quotas, com o NIPC ………, com sede na Rua …, e aqui representada pela sua sócia e gerente, e também arguida, T. M.
; - T. M., casada, administrativa, nascida a -.01.1988, filha de J. M. e de M. C., natural da freguesia de ..., concelho de Braga e residente na Rua …, União das Freguesias de …, … e …; - A. E., casado, empresário, nascido a -.01.1984, filho de J. M. e de M. C., natural da freguesia de ..., concelho de Braga e residente na Rua …, Braga; e - J. M., casado, metalúrgico, nascido a -.12.1965, filho de J. F. e de C. M., natural da freguesia de ..., concelho de Braga e residente na Rua ..., Braga; Que estavam pronunciados pela prática, em coautoria, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 7.º e 105.º, n.º 1 e 4 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho.
*Após realização do julgamento, veio a ser proferida sentença com o dispositivo seguinte: (Transcrição) “(…) « DECISÃO: Nestes termos, decide-se:
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CONDENAR a arguida X – Comércio de Artigos Sanitários, Lda. pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 7.º e 105.º, n.º 1 e 4 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à razão diária de € 7,00 (sete euros), num total de € 1.260,00 (mil, duzentos e sessenta euros); b) CONDENAR o arguido A. E. pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artº 105.º, n.º 1 e 4 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis) euros, num total de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros).
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Absolver os arguidos T. M. e J. M. dos crimes pelos quais vieram pronunciados;» (…)” *Inconformado com o decidido relativamente à absolvição da arguida T. M., o Ministério Público, interpôs recurso, concluindo: (Transcrição) “EM CONCLUSÃO: A) A sentença recorrida padece dos vícios de contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova a que alude o artigo 410 n.º 2 do Código de Processo Penal; B) Na situação dos autos é patente a existência dos invocados vícios, retirando-se sem qualquer dificuldade da sentença recorrida a existência de várias contradições insanáveis designadamente na fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada, máxime quando escreve o seguinte: C) “No que toca à pessoa que assumia a responsabilidade e tomava as decisões pela empresa, esta testemunha esclareceu que apenas obteve a informação do que lhe foi comunicado pelo contabilista R. V. e por uma outra cliente da sociedade. Relatou, então, que o contabilista da empresa no momento da prática dos factos lhe declarou ter sido contratado pelo arguido A. E. para essas funções de contabilidade e que era este que lhe dava todas as instruções atinentes a assuntos contabilísticos. Esta versão, por sua vez, foi corroborada pela própria testemunha R. V. em sede de audiência de julgamento, confirmando que apenas entrou em contacto com a arguida T. M. muito esporadicamente e no contexto da outorga da documentação relativa à sociedade, enquanto sua representante estatutária.” D) “No que toca aos factos dados como não provados, o tribunal atendeu às declarações prestadas pela testemunha R. V. que declarou ter falado com a arguida T. M. sobre os assuntos da sociedade mas que era raro e esporádico contactar com ela a esse respeito, apenas se recordando da intervenção desta para assinar documentação. Face a este esclarecimento, o tribunal ficou com dúvidas de que a arguida T. M. tomasse a efetiva direção dos destinos da empresa ou que intervinha como sua representante de facto, para além da representação que assumia por ser sócia gerente da sociedade arguida. Por isso, atento o princípio do in dúbio pro reo, os factos pelos quais veio pronunciada consideraram-se como não provados.” E) Ora, como pode simultaneamente considerar-se que a arguida T. M. enquanto representante estatutária e única responsável por ela no plano jurídico (por ser a única sócia gerente), assinava documentos dessa sociedade, mas que não exercia a sua gerência de facto? F) Como se pode considerar que o contabilista certificado de uma sociedade falou e tratou com a arguida T. M., ainda que esporadicamente, de assuntos relativos a essa sociedade e ao mesmo tempo ficar-se com dúvidas que esta exercia de facto a gerência daquela? G) Como pode dar-se como provado que a sociedade laborava normalmente no segundo trimestre de 2019, vendendo produtos e prestando serviços, que a sociedade entregou a declaração periódica de IVA relativamente ao mencionado trimestre e, simultaneamente, que a sua única sócia-gerente nunca exerceu, de facto, a gerência de tal sociedade? H) Como pode a sociedade funcionar normalmente sem o exercício da gerência pela sua única sócia-gerente? I) Não podia o Tribunal, de forma razoável, ter ficado com dúvidas relativamente ao facto da arguida T. M. exercer a gerência, quando se refere na sentença que a mesma, sendo a única responsável no plano jurídico pela sociedade, assinava documentos relativamente àquela e tratava com o contabilista certificado, ainda que esporadicamente, de assuntos respeitantes à dita sociedade.
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Com efeito, tais atos configuram atos próprios de gestão da referida sociedade com os quais a arguida T. M. representava e vinculava a sociedade arguida X.
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Com base na fundamentação esgrimida pelo Tribunal, deveria ter sido dado como provado, ao invés do que foi efetuado, que a arguida T. M. exerceu a gerência da sociedade arguida, enquanto sua sócia gerente, juntamente como o arguido A. E..
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No caso em apreço, como supra se referiu, a arguida assinava documentos da sociedade quando interpelada pelo contabilista certificado da mesma e tratava com este, ainda que esporadicamente, de assuntos respeitantes àquela. Ora, tal é revelador do exercício de cargo de gerência, pelo que andou mal o Tribunal ao considerar que a mesma não exercia a gerência da sociedade.
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Na verdade, o julgador é livre, ao apreciar as provas, no entanto, tal apreciação está vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum.
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Tal liberdade de decidir tem de se pautar pelo bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, aparecendo limitada pelo dever de perseguir a verdade material, devendo por isso ser sempre, em concreto, reconduzível a critérios objetivos e suscetível de motivação e controlo – cfr. art. 374° n° 2 do Código de Processo Penal.
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O art. 127° do Código de Processo Penal patenteia um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
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Ora, como já se referiu, a sentença recorrida violou as regras da experiência, decidindo contrariamente às mesmas ao decidir que alguém, único gerente de uma sociedade, que trata de assuntos respeitantes à mesma com o seu contabilista certificado e assina documentos desta, vinculando-a juridicamente, não exerce atos próprios de gerência e gere efetivamente a referida sociedade.
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Do exposto se conclui que a forma como nos surgem equacionadas as matérias supra referidas na sentença recorrida constituem um atropelo às regras da lógica e da experiência, consubstanciando diversas situações subsumíveis ao disposto na al. b) do nº.2 do art. 410º. CPP.
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Estas omissões e imprecisões, entre outras, na fundamentação que vimos de patentear são relevantes e manifestam, além do mais, também um exame crítico deficiente da prova e como tal acarreta uma insuficiência de fundamentação – cfr. art.º 374.º do Código de processo Penal.
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Na sentença em apreço não se lançou mão das regras da experiência comum e da “normalidade das coisas”, pois se tal o fizesse a decisão redundaria em condenação da arguida T. M..
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Atendendo à prova produzida em audiência de julgamento, a decisão sempre seria de condenação da arguida T. M. pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal.
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Mostra-se incorretamente julgado o segmento factual inserto na alínea A do ponto II.2 da matéria de facto não provada respeitantes à autoria dos factos descritos, mais precisamente na identificação como autor dos mesmos a arguida T. M., que deveria ter resultado como provada.
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As provas que impõem decisão diversa da recorrida quanto à matéria de facto impugnada consistem nas declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento pelas testemunhas A. F. e R. V., bem como a certidão permanente da sociedade arguida, constante de fls. 200 a 201.
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Com efeito, quando inquirida a testemunha A. F. (o depoimento consta gravado no dia 03/11/2021, através do sistema integrado de gravação digital (10:30:21 às 10:52:58) disponível na aplicação informática em uso neste tribunal), referiu que “a nível formal consta como gerente de direito a Senhora T. M.”, que “gerente de direito era só a senhora T. M.”, tendo chegado aos outros arguidos através das informações que lhe foram prestadas, em inquirições, quer pelo contabilista certificado, quer por uma cliente (14.50 a 16.50; 20:20 a 20:30 da gravação).
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Por seu turno, inquirido referiu R. V. (o depoimento consta gravado no dia 10/11/2021, através do sistema integrado de gravação digital (09:49:02 às 10:09:18) disponível na aplicação informática em uso neste tribunal), contabilista certificado, referiu que “foi contratado pelo A. E.”: “era a pessoa que fazia a ligação...
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