Acórdão nº 1303/20.3T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução28 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães 1.

Relatório F. O. e mulher A. C. instauraram contra (1ºs) M. P. e mulher M. T. e (2ºs) E. P. e mulher M. B., no Juízo Central Cível de Vila Real – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, peticionando: 1) Ser declarado que assiste aos autores o direito de preferência na venda do prédio rústico versado no artigo 1º da petição inicial.

2) Condenar os 2ºs réus a ver isso decretado e, consequentemente, a abrir mão a favor dos autores, do prédio que adquiriram aos 1ºs réus.

3) Condenar os 1ºs réus a verem-se substituídos pelos autores, na versada venda, com as consequências legais.

4) Ser ordenado o cancelamento na Conservatória do Registo Predial de Peso da Régua, do registo da inscrição feito pelos 2ºs réus, com base na mencionada escritura.

Para tanto alegaram, em resumo, que, por escritura de compra e venda, os primeiros réus venderam aos segundos réus o prédio rústico que identificam, nos termos que consta da respetiva escritura.

Os autores são donos de um outro prédio rústico que identificam, o qual confina com o prédio objeto da compra e venda.

Nunca lhes foi dada a opção de exercerem a preferência, tendo tido conhecimento da venda por terceiros.

Cabe-lhes tal direito de opção, que pretendem exercer, já que os segundos réus não reúnem os requisitos necessários para prevalecerem sobre o direito de preferência que assiste aos autores.

*Citados, os réus apresentaram contestação, pugnando pela improcedência da ação (cfr. fls. 21 a 25).

Para tanto alegaram, em síntese, não assistir razão aos autores, já que os segundos réus adquirentes também são proprietários de um terreno confinante, que identificam e continuam a exploração que era feita no prédio adquirido.

Mais alegam que, apesar de o seu prédio constar inscrito como prédio misto, tal só se verifica ao nível do registo predial, já que estão em causa um prédio urbano e um rústico, existindo uma predominância do rústico em termos de área, a qual, somada à área do prédio adquirido, se aproxima mais da área da unidade de cultura, que atualmente é de 4 ha, do que o prédio dos autores.

*Procedeu-se à audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, em que se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo sido identificado o objeto do litígio, enunciados os temas da prova e admitidos os meios de prova (cfr. fls. 30 e 31).

*Procedeu-se a audiência de julgamento (cfr. fls. 48 a 51).

*Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença (cfr. fls. 80 a 89), nos termos da qual, julgando a ação procedente, decidiu: 1) Declarar que assiste aos autores o direito de preferência na venda do prédio rústico identificado no artigo 1º da petição inicial.

2) Condenar os segundos réus a ver isso decretado e, consequentemente, a abrir mão a favor dos autores, do prédio que adquiriram aos primeiros réus.

3) Condenar os primeiros réus a verem-se substituídos pelos autores, na versada venda, com as consequências legais.

4) Ordenar o cancelamento na Conservatória do Registo Predial de Peso da Régua, do registo da inscrição feito pelos segundos réus, com base na mencionada escritura.

*Inconformados com a sentença, dela interpuseram recurso os réus (ref.ª 41060381 – fls. 90 a 98), rematando as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1- Em primeiro lugar, a presente acção não poderia ser julgada procedente na medida em que os AA. não alegaram e consequentemente não demonstraram um dos requisitos essenciais do direito de preferência nos termos do art. 1380.º do C. Civil, mais concretamente, que os RR. adquirentes não são proprietários confinantes, ou que sendo igualmente confinantes, como são, porque motivo o seu direito prevalece sobre o direito dos RR. adquirentes.

2- Também não alegaram que o prédio dos RR. adquirentes é um prédio misto, nem factos que permitissem concluir pela predominância do prédio urbano.

3- Como decidido no Ac. do STJ de 14 de Janeiro de 2021 “É sobre aqueles que se arrogam titulares do direito de preferência e que pretendem que lhes seja judicialmente reconhecido esse direito que recai o ónus de alegação e prova de todos os requisitos, nos termos do art. 342.º n.º 1 do C. Civil.” 4- Assim, no elenco dos factos provados não constam factos que levem a decidir como a Mma Juiz a quo decidiu. Pelo contrário, os factos constantes dos pontos 10, 11, 12, 14, 15 e 16 (apesar da nossa discordância no que se refere às áreas) permitem concluir pela existência e prevalência do direito de preferência dos RR. adquirentes.

5- Quanto ao ponto 16, entendem os recorrentes que deve ser alterado no que se refere às áreas pois, ao contrário do que ali consta, a área do prédio urbano não tem a área de 1.145m2, uma vez que a área do campo de futebol pertence ao prédio rústico, pois é entendido pela jurisprudência que um campo de futebol é um prédio rústico e não urbano (Ac. do STJ de 27/09/2012 e Ac. do STJ e 24/09/2013). Para além de que, quer na descrição predial, quer na inscrição matricial a área coberta do prédio urbano é de 147m2.

6- O critério para aferir da predominância da parte urbana ou da parte rústica é o critério da afectação económica e não o critério do proveito económico, pelo que, cremos que, salvo o devido respeito, andou mal a Mma Juiz a quo ao recorrer a este critério para decidir pela predominância do prédio urbano sobre o rústico.

7- Ainda que assim fosse, não está correcta essa conclusão baseada no relatório de verificação não judicial qualificada, pois o Sr. Perito ao calcular o proveito económico do prédio urbano (ao contrário do que fez quanto ao prédio rústico) apenas teve em conta o valor da renda que poderia ser cobrada, mas não teve em conta as despesas de construção e de manutenção de tal prédio. Note-se que ainda pende sobre o prédio o ónus de uma hipoteca.

8- Acresce ainda que não ficou demonstrado que a habitação é a função essencial do prédio misto, nem tal foi alegado pelos AA..

9- Mas, ainda que se tenha em conta a área constante do relatório de verificação não judicial qualificada e que consta do ponto 16 dos factos provados, o prédio rústico tem uma área de cerca de três vezes superior à do prédio urbano, ou seja, não se trata apenas de um logradouro do prédio urbano.

10- Além disso, contrariamente ao entendido na d. sentença de que se recorre e no relatório de verificação não judicial qualificada, o prédio rústico é que continua a dar rendimento aos RR. adquirentes, rendimento esse que ascende a 2.000€/ano, já deduzidas as despesas de produção (cálculo que o Sr. Perito não fez quanto ao prédio urbano, como atrás se fez referência).

11- Assim sendo, impunha-se à Mma Juiz a quo analisar mais aprofundadamente o referido relatório até porque nos termos do art. 494.º, n.º 2 do C.P.C. trata-se de um meio de prova livremente apreciado pelo Tribunal.

12- No presente caso não restam dúvidas que estamos perante uma exploração agrícola associada a uma casa, o terreno não constitui apenas um complemento da habitação. O núcleo essencial do prédio misto dos RR. adquirentes, a sua destinação e afectação são próprias de um prédio rústico e não de um logradouro.

13- Não se verifica a situação prevista no art. 1381.º, al. a) do C. Civil pois o terreno dos RR. adquirentes não constitui parte componente de um prédio urbano, nem se destina a algum fim que não seja a cultura.

14- De referir que os acórdãos citados pela Mma Juiz a quo na d. sentença não poderiam levar a concluir da forma como concluiu, mas sim pela predominância do prédio rústico sobre o prédio urbano e, consequentemente, pela existência e prevalência do direito de preferência dos RR. adquirentes.

15- Pelo exposto, a al. a) dos factos não provados deverá passar a constar dos factos provados.

16- Por fim, cumpre referir que, tal como o R. E. P. mencionou no seu depoimento, os AA. têm à venda o prédio rústico com base no qual pretendem exercer a preferência, o que se comprova pelo anúncio de venda que ora se junta ao abrigo do disposto nos art.s 425.º e 651.º do C.P.C. pois os RR. apenas tomaram conhecimento de tal anúncio após a audiência de discussão e julgamento.

17- Como se pode constatar nesse anúncio, encontra-se à venda um terreno de vinha, sendo certo que os AA. apenas têm no local um prédio rústico com vinha que é o que está em causa na presente acção.

18- Pelo exposto, pensamos, com o devido respeito, não ter sido feita a melhor e mais correcta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, nomeadamente dos art.s 204.º, 1380.º e 1381.º do C. Civil e dos arts. 5.º e 494.º do Código Processo Civil.

Nestes e nos melhores termos de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a acção, assim resultando mais bem aplicada a lei e possibilitada a melhor realização da JUSTIÇA».

*Contra-alegaram os autores, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida (ref.ª 41475260 – fls. 100 a 111).

*O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (ref.ª 36603698 – 112).

*Foram colhidos os vistos legais.

*II. Delimitação do objeto do recurso O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber: i) Questão Prévia: (in)admissibilidade do...

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