Acórdão nº 8/18.0PBPTM-I.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelNUNO GARCIA
Data da Resolução26 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA RELATÓRIO Entre outros, foi a arguida IA, acusada da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artºs 21º, nº 1 e 25º, al. a), do D.L. 15/93 de 22/1, com referência à tabela I-C anexa a esse diploma legal

Tendo sido realizada instrução, não foi a arguida pronunciada pela prática do referido crime

Inconformado com tal decisão, dela recorreu o Ministério Público, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões: “1ª – O presente recurso tem por objeto a decisão instrutória proferida, nomeadamente no que concerne à declaração de nulidade do despacho de acusação relativamente à arguida IA ao abrigo do disposto no artigo 283.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal.; 2ª – O Tribunal a quo considerou que, no despacho de acusação deduzido pelo Ministério Público, não se encontram especificadas as circunstâncias de tempo, lugar, modo e motivação correspondentes à conduta imputada à arguida IA, e que tal particularidade configura a omissão dos elementos exigidos pelos artigos 283° n.º 3 alínea b) do Código de Processo Penal; 3ª – O artigo 283.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal, impõe que os factos sejam narrados, na acusação, de forma concisa e sintética, conglobando, se possível, as circunstâncias de tempo e lugar e o grau de participação que o agente neles teve – significa isso que deve ser descrita, com maior ou menor minúcia, o circunstancialismo envolvente, a participação de cada agente e, em caso de coautoria, a atinente atuação conjunta; 4ª – Não discordamos da douta posição sufragada na douta jurisprudência citada pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal, todavia, analisados os factos submetidos a apreciação nos mencionados Acórdãos verifica-se, salvo melhor opinião, que os despachos de acusação naqueles processos, não consta qualquer referência ou delimitação temporal dos factos praticados, o que in casu não sucedeu; 5ª – Na senda da jurisprudência (praticamente unânime), a delimitação temporalmente da prática dos factos que não concretiza uma data específica não põe em causa o direito de defesa do arguido, nem constitui uma nulidade prevista nos termos do artigo 283.º, n. º3 al. b) do Código de Processo Penal; 6ª – Conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra citado na motivação, “A indicação do lugar da prática dos factos, até porque não faz parte da ilicitude do tipo legal de crime, não deve ser vista como elemento essencial da acusação, sendo antes um mero elemento circunstancial”

7ª – O despacho de acusação efectua a necessária contextualização temporal dos factos imputados à arguida IA, bem como todos os elementos referentes ao preenchimento do elemento objectivo e subjectivo do tipo de ilícito criminal que lhe foi imputado, nomeadamente no que ao aqui concerne e foi posto em crise no despacho de não pronúncia: “Em datas não concretamente apuradas, mas no período compreendido entre Março/Abril de 2020 até ao início de 2021, o arguido BC vendeu a R quantidades não apuradas de canabis (liamba e/ou haxixe/resina) cerca de 3 vezes por mês, recebendo em contrapartida cerca de €20 e €50 por cada venda”; “Para o efeito, numa fase inicial era a arguida IA que, a pedido de R, solicitava tal produto ao arguido BC, tendo chegado também a arguida IA a entregar produto estupefaciente àquela”

“No dia 10-03-2021, pelas 07h00, na residência sita na Avenida …, …, utlizada pelo arguido BC e pela arguida IA, foi apreendido: - 1,763 gramas de produto estupefaciente canabis (Fls/Sumid.) equivalente a 4 doses, substância essa abrangida pela tabela I-C anexa ao Decreto-Lei nº 15/93 de 22/01; - 1,194 gramas de produto estupefaciente canabis (resina) equivalente a menos de 1 dose, substância essa abrangida pela tabela I-C anexa ao Decreto-Lei nº 15/93 de 22/01; - €510 euros em várias notas do BCE, - 1Telemóvel … com o IMEI … - 2 Moinhos.” 8ª – Da leitura global (dos artigos 45.º a 49.º, 91.º, 92.º, 93.º, 94.º e 95.º do despacho de acusação) extrai-se o comportamento delituoso praticado por IA, nomeadamente o período temporal, modo, forma, circunstâncias, motivação, resultando claro o seu grau de participação na actividade ilícita imputada; 9ª – Não obstante o despacho de acusação não concretizar as datas e as quantidades de produto de estupefaciente entregues pela arguida IA a R, enuncia de forma rigorosa e clara o comportamento delituoso desta que, na fase inicial no período compreendido entre Março/Abril de 2020 até ao início de 2021, a pedido da testemunha R solicitava a BC canábis (o qual vendeu R tal produto cerca de 3 vezes por mês, recebendo em contrapartida cerca de €20 e €50 por cada venda), para de seguida entregar-lhe tal substância, assim como, no dia 03 de Março de 2021, pelas 07h00, na residência a arguida foram apreendidas 1,763 gramas de canábis (Fls/Sumid.) equivalente a 4 doses e ainda, 1,194 gramas de produto estupefaciente canábis (resina) equivalente a menos de 1 dose; 10ª – É consabido que em certo tipo de ilícitos, como o tráfico de estupefacientes, nem sempre é fácil concretizar as circunstâncias de tempo, indicando a hora, dia, mês e ano em que tal atividade decorreu, pelo que, foi estatuída uma ressalva estabelecendo-se no artigo 283.º, n.º 3 alínea b) do Código de Processo Penal que a acusação deve consagrar sempre que possível as circunstâncias de lugar, o tempo e a motivação da sua prática; 11ª – O grau de pormenorização exigido pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal na descrição factual, que parece resultar do despacho de não pronúncia, carece de fundamento legal (cfr. 283.º, n.º 3 alínea b) do Código de Processo Penal - sempre que possível), e não é compatível sequer com a experiência comum na investigação e julgamento deste tipo de actividade criminal; 12ª – No que concerne à natureza jurídica do crime em causa dir-se-á ainda que constitui um crime de trato sucessivo, de execução permanente, mais...

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