Acórdão nº 603/20.7T8LLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelANA MARGARIDA LEITE
Data da Resolução28 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 603/20.7T8LLE.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo Local Cível de Loulé Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: 1.

Relatório Câmara de Comércio (…), associação civil brasileira, com sede em São Paulo, no Brasil, intentou em 27-02-2020 a presente ação de prestação de contas, com processo especial, contra (…), cidadão nacional dos Países Baixos, indicando como domicílio do réu a Urbanização (…), n.º (…), 3.º andar, N, 8125 – 586 Quarteira.

Alega que o réu foi diretor executivo da autora de janeiro de 2000 a 22 de novembro de 2017, período em que exerceu a administração, movimentando contas e fundos bancários da autora; sustentando que a última vez que o mesmo prestou contas foi a 24-11-2016, pede que preste contas dos atos que praticou a partir dessa data.

Citado, o réu contestou, invocando, além do mais, a incompetência internacional dos tribunais portugueses, pelos motivos que expõe, sustentando que não tem residência oficial em Portugal e que se encontra neste país de forma acidental, residindo em São Paulo, no Brasil.

Notificada para o efeito, a autora apresentou articulado no qual se pronuncia sobre a exceção arguida.

Foram efetuadas diligências destinadas a apurar o domicílio do réu.

Por despacho de 13-01-2022, foi declarada a incompetência internacional do tribunal, por se ter entendido que os tribunais brasileiros são os internacionalmente competentes para a causa, em consequência do que foi o réu absolvido da instância e a autora condenada no pagamento das custas, pelos motivos seguintes: Dispõe o artigo 59.º do Código de Processo Civil que, sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º de tal diploma, ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º de tal diploma.

Constata-se que a presente causa não se integra manifestamente nas matérias da competência exclusiva dos tribunais portugueses previstas no artigo 63.º do Código de Processo Civil.

Por outro lado, as partes também não atribuíram competência internacional aos tribunais portugueses para dirimir o presente litígio, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 94.º do Código de Processo Civil, antes pelo contrário, porquanto o contrato escrito assinado entre as partes (junto pelo Réu como doc. 2 da sua contestação, cfr. Cláusula 22.ª) atribuiu competência à comarca de São Paulo, no Brasil, para resolver litígios emergentes da relação contratual em causa.

Assim, os tribunais portugueses apenas seriam internacionalmente competentes para dirimir este litígio em caso de aplicação de alguma das alíneas do artigo 62.º do Código de Processo Civil.

A alínea b) de tal artigo 62.º é inaplicável, porquanto os factos subjacentes à pretensão da Autora foram praticados no Brasil, e não em Portugal.

Relativamente à alínea a) de tal artigo 62.º, apenas é eventualmente equacionável a sua aplicação caso se conclua pelo facto de o Réu ter domicílio em Portugal, conforme defende a Autora, por aplicação da regra geral e residual de competência territorial prevista no n.º 1 do artigo 80.º do Código de Processo Civil – única norma territorial com eventual relevo para o caso dos autos –, que dispõe que, em todos os casos não previstos nos artigos anteriores ou em disposições especiais, é competente para a acção o tribunal do domicílio do réu.

Sucede que o Réu na sua contestação alegou residir na Rua (…), n.º 484, Apartamento 72 C, CP 01238-010 São Paulo, Brasil, juntando com tal articulado um comprovativo de uma despesa de energia eléctrica com tal habitação relativa ao mês de Outubro de 2020, mês em que foi citado para a causa (e ainda um outro comprovativo bancário de tal residência por requerimento de 15/6/2021).

Mais comprovando o Réu, por requerimento de 15/6/2021, apresentar no Brasil a sua declaração de rendimentos pessoais (análoga ao nosso IRS) relativa aos anos fiscais de 2017 a 2020, declarações essas apresentadas no ano seguinte àquele a que diziam respeito (e que, portanto, dizem respeito a período que vai desde antes da instauração da presente acção até ao presente), e de onde se retira, naturalmente, que o Réu possui domicílio fiscal no Brasil, à luz das regras da experiência comum.

Ora, a nosso ver, para efeitos de aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 80.º do Código de Processo Civil, o domicílio do réu diz respeito à sua residência habitual (conforme se retira do confronto do n.º 1 com o n.º 2 do mesmo artigo), não relevando, assim, residências secundárias ou ocasionais (como as de férias), mas antes o principal local de residência onde a vida pessoal e patrimonial do réu está centrada.

Assim, tendo o Réu comprovado nos autos possuir habitação e domicílio fiscal no Brasil, onde continua a apresentar até ao presente as suas declarações de rendimentos pessoais, consideramos que se encontra claramente indiciado nos autos que o Réu reside habitualmente no Brasil, que é o principal local onde a sua vida pessoal e patrimonial está centrada, e onde por isso, possui o respectivo domicílio nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 80.º do Código de Processo Civil.

Sendo o seu local de residência conhecido nos autos em Portugal, aparentemente uma residência secundária ou ocasional, conforme alegado pelo Réu (o que não é de estranhar, à luz das regras da experiência comum, num homem de negócios com ligações internacionais como o Réu parece ser, segundo a sua nacionalidade e os factos alegados nos autos).

Pelo que é inaplicável a alínea a) do artigo 62.º do Código de Processo Civil para fundar a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer a presente acção.

Por último, também é inaplicável a alínea c) do artigo 62.º do Código de Processo Civil para atribuir competência aos tribunais nacionais para conhecer a presente acção, porquanto não existe qualquer elemento de conexão pessoal ou real do litígio dos autos com a ordem jurídica portuguesa (estando em causa uma relação contratual entre estrangeiros, domiciliados no estrangeiro, e exclusivamente estabelecida e executada no Brasil, sendo as testemunhas arroladas nos autos pelas partes também todas residentes no Brasil), sendo que não se vislumbra qualquer dificuldade à Autora, uma pessoa colectiva brasileira, em exercer os seus alegados direitos contra o Réu junto dos tribunais brasileiros (mais difícil sendo exercê-los em Portugal, mormente com...

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