Acórdão nº 2691/16.1T8CSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO CURA MARIANO
Data da Resolução21 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - Relatório A Autora intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra o 1.º Réu, peticionando a sua condenação nos seguintes termos: 1) Deverá ser reconhecido o direito de propriedade da herança aberta por óbito de DD; 2) Deverá o R. ser condenado no pagamento de uma indemnização correspondente à renda que seria devida pelo gozo do imóvel pelo R. correspondente, no mínimo, a 1/15 do VPT dos imóveis, o que correspondente a um mínimo de € 61. 224, 80 (sessenta e um mil duzentos e vinte e quatro euros e oitenta cêntimos); 3) Deverá o R. ser condenado no pagamento de uma indemnização correspondente à capitalização dos montantes não recebidos desde 2009 até à data da citação, que se deverá fixar numa taxa não inferior a 4% ao ano, a aplicar sobre o montante que se venha a fixar a título de indemnização devida pelo gozo exclusivo do imóvel; 4) Deverá o R. ser condenado no pagamento de juros de mora contados desde a citação na presente ação até efetivo e integral pagamento; 5) Deverá o R. ser condenado no pagamento das rendas vincendas até à realização da partilha dos imóveis; 6) Deverá o R. ser condenado a, alternativamente, no prazo de dois meses a contar do trânsito em julgado da sentença, a celebrar com a A. um contrato de arrendamento nos termos dos artigos 1022.º e seguintes do Código Civil, do qual resulte a renda fixada por este Tribunal e o prazo de pagamento da renda, que deverá corresponder ao primeiro dia útil do mês a que disser respeito, ou, no mesmo prazo, deixar o imóvel livre de pessoas e bens; 7) Por fim, deverá o R. ser condenado nas custas e demais encargos legais e em procuradoria.

Alegou, para tanto e em síntese, o seguinte: - No dia 25 de Fevereiro de 2009 faleceu o filho da autora e do 1º Réu, DD, no estado de solteiro, tendo deixado como únicos herdeiros os seus pais.

- O de cujus deixou como herança a fração designada pela letra ... do prédio sito na Praceta ..., ..., ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...85, da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...30, da mesma freguesia e ...91 das áreas comuns do condomínio onde está inserido o prédio sito na Urbanização ..., ..., na ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...15, da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...19 da mesma freguesia.

- Correu termos a ação especial de inventário para partilha da herança deixada por óbito de DD, tendo o cabeçalato sido deferido ao 1º Réu, a qual correu termos no Tribunal da Comarca ... – ... – Instância Local, Secção Cível, J..., sob o n.º 7181/11...., e onde foi determinada a remessa para os meios comuns a discussão da propriedade da referida fração, a qual vem sendo habitada pelos Réus e respetiva família, sem que tenha sido efetuado qualquer pagamento pela ocupação, nem tendo sido facultado o acesso à mesma à Autora.

- Ora, a referida fração era propriedade do de cujus, à data da sua morte, pelo que os respetivos herdeiros têm direito a exigir a sua quota nos rendimentos da herança e a exigir a respetiva partilha nos termos dos artigos 2092.º e 2101.º do Código Civil. Do mesmo modo, a Autora tem direito a exigir a devida compensação pela utilização do 1.º Réu da coisa comum, a qual impede a sua própria utilização, nos termos do artigo 1407.º do Código Civil.

- Considerando o valor patrimonial tributário da fração e ao parâmetro mínimo supletivo introduzido pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, de 1/15 do VPT dos imóveis, no presente caso, a renda mensal total deveria situar-se no valor de € 1.345,60, pelo que a Autora teria direito a receber metade desse valor, sendo a mesma devida desde a data da morte do de cujus, ou seja, 25 de Fevereiro de 2009, num total de 91 meses, a que corresponde a quantia de € 61 224,80. A este valor deverá acrescer uma indemnização de capitalização de valor não inferior a 4% ao ano.

Mais deverá o réu ser condenado a celebrar um contrato de arrendamento ou, alternativamente, a deixar o imóvel livre de pessoas e bens.

O Réu apresentou contestação, na qual se defendeu por exceção, invocando a ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário, na medida em que a fração em causa nos autos corresponde à sua casa de morada de família.

Mais se defendeu por impugnação, alegando, em síntese, o seguinte: - A sua mulher CC celebrou um contrato-promessa que teve por objeto a fração em causa nos autos, no âmbito do qual a Autora emitiu um cheque no valor de € 30.790,00 a título de sinal.

- Porquanto o Banco não concedeu o crédito para a sua aquisição, por forma a não perder a referida quantia, o Réu pediu ao de cujus que aceitasse figurar como comprador e mutuário, ao que o mesmo acedeu, tendo sido celebrado um contrato de cessão de posição contratual entre a mulher do Réu e o de cujus, pelo valor do sinal já entregue, sendo que o referido pagamento nunca chegou a ser feito pelo de cujus.

- Foi o Réu quem sempre procedeu ao pagamento do preço e de todos os encargos, porque na verdade era o seu proprietário.

Concluiu pela improcedência da ação ou, caso assim não se entenda, peticiona que o Tribunal declare uma situação de enriquecimento sem causa da herança, condenando a mesma a devolver os imóveis em causa ao 1.º Réu e, em consequência, que se ordene o respetivo registo a seu favor.

Após convite, o Réu apresentou nova contestação reformulada, em que deduziu pedido reconvencional de condenação da Autora na devolução do imóvel em causa ao Réu, ordenando-se o registo do mesmo a seu favor.

A Autora deduziu réplica em que se pronunciou pela não admissibilidade do pedido reconvencional.

Foi proferido despacho de não admissão da reconvenção deduzida pelo Réu e admitido o incidente de intervenção principal provocada de CC, entretanto requerido pela Autora, tendo aquela sido citada para contestar a ação.

A chamada aderiu ao articulado de contestação, com exceção dos pontos 1 a 8.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença em que se decidiu o seguinte: “Nos termos supra expostos, julga-se a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência, decide o Tribunal: A. Declarar que a fração autónoma composta por Bloco ... – habitação – ... com uma arrecadação com o n.º ... e 2 lugares de estacionamento, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...15..., da freguesia ... e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...30 (com origem no artigo ...20), faz parte da herança deixada por óbito de DD; B. Declarar que 5/1091 avos do prédio urbano sito em ... “...”, lote ...47, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...12, da freguesia ... e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...29 (com origem no artigo ...19), faz parte da herança deixada por óbito de DD; C. Absolver os RR. do demais contra si peticionado; D. Condenar A. e RR. nas custas devidas, na proporção de 21 % para a A. e 79% para os RR.

”.

Desta decisão recorreu a Autora.

O Tribunal da Relação ... proferiu acórdão em que se decidiu: “Pelo exposto acorda-se em julgar procedente a apelação revogando-se parcialmente a sentença recorrida e consequentemente: Mantém-se o decidido em A e B. Condenam-se os RR. a pagar à A. metade do que vier a ser apurado em liquidação de sentença como o valor mensal que seria possível obter num arrendamento das frações supra identificadas desde o óbito do falecido (25/2/2009) e até ao presente. Mais vão condenados a pagar à recorrente metade dos valores mensais que se vencerem até à partilha (ou à desocupação).

Sobre os valores a pagar incidirão juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada prestação mensal e até integral pagamento. Custas pelos recorridos”.

Não se resignando, o Réu interpôs recurso de revista deste Acórdão.

Termina as suas alegações, concluindo: “I. O Tribunal da Relação ..., no douto Acórdão recorrido, defende que a ocupação do imóvel pertencente à herança por parte do Recorrente é abusiva e que causou um prejuízo manifesto à Recorrida enquanto co-herdeira, merecendo este prejuízo a tutela do direito sob pena do outro co-herdeiro se locupletar injustificadamente.

  1. Mais defendeu o Tribunal a quo que o Recorrente, por ter atuado em violação do disposto no art.º 2086, n.º 1, b) do Código Civil., incorreu em responsabilidade civil ao fazer um uso exclusivo e em seu benefício dos bens da herança devendo indemnizar o outro co-herdeiro pelo valor correspetivo.

  2. Por um lado, o Tribunal a quo qualificou o facto dos Réus viverem na casa que pertence à herança como abusiva, considerando que, por outro lado, o Recorrente não administrou o bem com prudência e zelo (artigo 2086.º n.º 1 alínea b) do CC), mas, ao invés do que é defendido no douto acórdão recorrido, não conseguimos retirar da matéria de facto provada que a ocupação do imóvel é abusiva e que a administração do cabeça-de-casal não foi prudente nem zelosa.

  3. O facto de o Recorrente viver no imóvel, de não ter pago qualquer quantia à Recorrida pela sua ocupação e de não ter dado acesso ao imóvel a esta última não configura, por si só, uma administração imprudente e sem zelo.

  4. Com efeito, para determinar a responsabilidade civil do Recorrente, os factos dados como provados nas alíneas G, H e I, são meramente conclusivos e não demonstrativos da sua eventual ilicitude.

  5. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, dispõe o artigo 483.º n.º 1 do Código Civil.

  6. Os pressupostos da responsabilidade civil são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e ao nexo de causalidade do facto ao dano.

  7. Pratica um ato ilícito quem age com culpa, com dolo ou mera culpa, dispõe o artigo 483.º n.º 1 ab initio do Código Civil.

  8. Ora, transpondo a análise da ilicitude no caso sub...

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