Acórdão nº 1225/20.8YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução21 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

AA, de nacionalidade ..., com domicílio em ... n,° 5, …, veio, ao abrigo do art.° 978, do Código de Processo Civil, instaurar acção de revisão e confirmação da sentença proferida no Tribunal Arbitral em 18/7/1995 na qual ficou julgado que "...cabe a AA o título de Príncipe de ... - Duque de ... e que com base nesse estatuto e qualidade cabe ao mesmo o tratamento de Sua Alteza Real bem como o título de pretendente ao Trono de Portugal e de Chefe da Casa Real de Portugal com direito de usar o escudo de armas o direito de transmitir o título de casa real de Portugal e com todos os direitos de usar o escudo de armas o direito de transmitir o título e com todos os direitos ligados ao magistério das ordens dinásticas da casa real de Portugal. Cabe na qualidade acima referida a S.A.R o Príncipe Dom AA o direito à concessão de títulos nobiliárquicos, das distinções honoríficas da casa real de Portugal conforme fons honor um".

  1. Alegou, em síntese, que, em 9/7/1997, o Tribunal de Bucareste exarou sentença na qual decretou reconhecer efeitos jurídicos sobre o território da Roménia da sentença arbitral pronunciada a 18/7/1995 na República de San Marino pelo árbitro único tornada definitiva e executiva com a decisão n.° 463 de 19/12/1995 pelo Tribunal de Urbino da República Italiana; tudo se iniciou com uma questiúncula travada entre o requerente e um jurista ... BB onde colocava em dúvida os títulos a que o requerente dizia ter direito, viu-se o requerente na necessidade de recorrer a Tribunal Arbitral onde pediu que fosse declarado "ser ele o da ... Titular da Real Casa de Portugal pretendente ao trono de Portugal e que por conseguinte tem o direito de usar o Escudo de Armas e teria o direito de transmitir o Título bem como ao tratamento de Sua Alteza Real e de Grão Mestre das Ordens de Cavalaria Dinástica e da Coroa; b) AA seria pretendente ao trono de Portugal no seu estatuto e qualidade de Titular da Real Casa de Portugal, linha constitucional descendente de D. Carlos I e de D. Manuel II; c) AA teria o direito de usar o escudo de Armas e teria o direito de transmitir o título e ao tratamento de Alteza Real"; o Autor tem interesse em ter a sentença arbitral devidamente revista e confirmada em Portugal em razão de defender os seus direitos nomeadamente no âmbito do Direito Industrial relativamente a marcas e patentes; a lei substantiva permite que os particulares submetam os seus litígios a um Tribunal Arbitral conferindo ampla liberdade no que diz respeito à selecção de normas procedimentais aplicandas, a sentença arbitral foi revista e conformada pelo Tribunal de Urbino em Itália e pelo Tribunal de Bucareste, os requisitos previstos na Convenção sobre o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras celebrada em Nova Iorque em 10/6/1958 encontram-se completamente preenchidos 3.

    Citado o requerido, veio o mesmo dizer conforme original de fls. 129 e tradução de fls. 126 que "...

    a pedido do referido e na sequência da sua comunicação postal que por graves motivos de saúde não pode retirar informe que não pretendo opor-me ao processo de revisão/confirmação do julgamento do processo 1225/20.8yrlsb em trâmite neste Tribunal", documento apostilhado com data de 27/5/2021.

    O Requerente produziu alegações, reiterando a sua posição inicial.

  2. O Ministério Público, a fls. 156/159, atento o art 982° CPC referiu o seguinte: “poderá admitir-se correndo porém o risco de forçar a natureza pura dos conceitos estarmos perante um litígio relativo a direitos de personalidade na sua vertente de direito ao nome e à honra - cfr. António Menezes Cordeiro, "Títulos Nobiliárquicos e Registo Civil- a inconstitucionalidade da reforma de 2007" Portal da Ordem dos Advogados, pág, 2, nesta hipótese está em causa a capacidade de gozo de direitos indisponíveis os quais não podem ser objecto de transacção - cfr art.° 289/1 do Código de Processo Civil e Carlos Alberto A Mota Pinto, "Teoria Geral do Direito Civil", Coimbra Editora 1976, pág. 227; o reconhecimento em Portugal de decisões arbitrais estrangeiras depende da verificação das condições estabelecidas pela LAV e pela Convenção de Nova Iorque sobre o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras celebrada em Nova Iorque em 10/6/1958 conforme art.

    º 55 da LAV e dispõe o art.

    º 56/b/i) da LAV que o reconhecimento de sentença arbitral estrangeira pode ser recusada se o objecto do litígio não foi susceptível de ser decidido mediante arbitragem de acordo com o direito português; por sua vez a mesma LAV no seu art.

    º 1.° faz depender a possibilidade de submeter a arbitragem voluntária da circunstância de o litígio respeitar a direito patrimoniais (n.° 1) ou, tratando-se de direitos não patrimoniais da possibilidade das partes puderem celebrar transacção sobre o direito controvertido (n.° 2); Já a Convenção de Nova Iorque estabelecem no seu art.° V n.°s 1 e 2, alínea a) que o reconhecimento e execução de decisões será recusado em primeira linha se o litígio em causa não for susceptível de ser resolvido por via arbitral de acordo com a lei do país do reconhecimento e como dissemos o pretenso direito objecto do litígio que constitui o caso base respeita a direitos de personalidade não patrimoniais nem suscetíveis de transacção de acordo com o direito português e por isso estamos perante um caso de manifesta inarbitrabilidade face à lei do estado do reconhecimento que obsta à revisão e reconhecimento da decisão revidenda. O reconhecimento da decisão dada à luz pela pena do árbitro CC na Sereníssima República de São Marino conduziria a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública internacional do Estado Português: Portugal é um república soberana de acordo com o art.° 1.° da Constituição e o art.° 3/1 estatui que a soberania é una e indivisível reside no povo que a exerce segundo as formas previstas na Constituição, a forma republica e a sua natureza soberana são princípios basilares e inderrogáveis da estrutura política do Estado Português, as normas que os corporizam concretiza princípios estruturantes da ordem jurídica portuguesa indiscutivelmente a ordem pública internacional do Estado Português, a pretensão do requerente no sentido de impor na ordem jurídica portuguesa uma fantasiosa restauração monárquica produzida por cidadãos estrangeiros num tribunal arbitral estrangeiro e em benefício exclusivo do cidadão ... AA traduzir-se-ia se obtivesse vencimento num resultado intolerável e mesmo repugnante face ao sentimento ético-jurídico dominante no nosso país e violaria gravemente os valores essenciais para a gida colectiva da sociedade portuguesa a soberania e a forma republicana do estado, e tal resultado é manifestamente incompatível com a ordem pública internacional do Estado Português pelo que não poderá deixar se se recusar o reconhecimento.” 5.

    Em resposta o Autor em suma diz: “In causa, não está em conflito qualquer direito de personalidade (quer na vertente direito ao nome que na vertente da honra). O novel príncipe, a República, aboliu todos os títulos honoríficos ou nobiliárquicos em 1910 em conformidade com o princípio da igualdade pois que desse modo todo o povo era visto como o conjunto de cidadãos em pé de igualdade entre-si sem distinção de foros ou outros privilégios perante a lei. Contudo, até ao ano de 1995, existindo ordenamento jurídico português uma certa permissividade a que o legislador pôs finalmente termo através de decreto-lei. Se tal matéria fosse conforme a natureza dos direitos de personalidade, ela nunca poderia ser validamente abolida pelo legislador porquanto a mesma é relativa à pessoa humana, logo um autêntico direito natural superior às humanas leis como ensinou Sófocles na sua imortal Antígona... A matéria dos direitos de personalidade vem expressamente consagrada no art.70° do CC sob a epígrafe tutela geral da personalidade e, salvo o devido respeito por opinião contrária, não se vislumbra em parte alguma uma restea de letra da lei que se refira a títulos nobiliárquicos. Pelo que pretender incluir essa matéria no rol legal dos direitos de personalidade é de uma violência interpretativa que viola não só as regras legais da hermenêutica jurídica como, também, o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado. A apologética apresentada, salvo o devido respeito, não passa de um flatus voeis destituído de qualquer suporte popular. Podemos ver que o denominado representante da monarquia portuguesa é convidado para toda a sorte de eventos nacionais constando, portanto, do protocolo da república portuguesa e, nem por isso, alguma vez a sua presença foi considerada um perigo para a estabilidade da actual forma de Estado. Sendo certo que, no espectro partidário existem vários partidos monárquicos regularmente instituídos e um até já fez parte do Governo da República participando, também, regularmente em eleições. Não merece o mínimo de base dizer que a «...pretensão do requerente no sentido impor na ordem jurídica portuguesa uma fantasiosa "restauração monárquica"...» pois que a questiúncula (pequeno conflito, pois que envolve meros interesses de natureza privada) se resume ao reconhecimento de sentença que já anteriormente até fora reconhecida em outro Estado da União Europeia não tendo a sentença revidenda qualquer potencialidade de actuar na forma do Estado”! 6.

    O Tribunal da Relação ao conhecer do pedido formulado elencou como questões a resolver: A - Se o litígio se mostra susceptível de ser dirimido por arbitragem; B - Se a sentença arbitral reconhecenda contraria a ordem pública internacional do Estado português.

  3. E decidiu que não devia rever e confirmar a decisão arbitral porque a mesma versava sobre problemática não susceptível de ser resolvida por arbitragem e não porque a decisão revidenda violasse a ordem pública internacional do Estado Português.

  4. Não se conformando com a decisão, o recorrido apresentou recurso de revista, onde figuram...

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