Acórdão nº 312/22 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução28 de Abril de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 312/2022

Processo n.º 1328/2021

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Juízo Local Cível de Setúbal – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, em que é recorrente A. e recorrido B., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), da sentença proferida por aquele Tribunal em 13 de outubro de 2021.

2. Através da Decisão Sumária n.º 145/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. O recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos funda-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo», e incide, conforme indicado pelo recorrente, sobre a «sentença proferida em 13/10/2021, Ref.ª 93318825 que julgou improcedente a oposição deduzida pelo ora Recorrente ao procedimento cautelar especificado de restituição provisória e posse, mantendo nos seus exatos termos a decisão já proferida anteriormente».

Tal como delimitado no requerimento de interposição do recurso, o objeto do recurso é integrado: (i) pelo «n.º 1 do artigo 361.º do CPC, quando interpretad[o] no sentido que permita ao tribunal determinar a inversão do contencioso sem audiência prévia do requerido»; e (ii) pelo «complexo normativo formado pelos n.º 4 e 5 do artigo 757.º ex vi n.º 4 do artigo 764.º e n.º 1 do artigo 767.º todos do Código do Processo Civil, quando interpretado no sentido de legitimar a requisição de auxílio das autoridades policiais para arrobamento da porta de acesso de uma casa de habitação com vista à (pretensa) recuperação de um telemóvel».

5. Constitui pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que a decisão recorrida haja feito aplicação, como sua ratio decidendi, da norma ou conjunto de normas cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

Tal pressuposto decorre do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: não visando tais recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, um eventual juízo de inconstitucionalidade, formulado nos termos reivindicados pela recorrente, deverá poder «influir utilmente na decisão da questão de fundo» (v. o Acórdão n.º 169/1992), o que apenas sucederá se o critério normativo cuja validade constitucional se questiona corresponder à interpretação feita pelo tribunal a quo dos preceitos legais indicados pelo recorrente, isto é, ao modo como o comando destes extraído foi efetivamente perspetivado e aplicado na composição do litígio. Por essa razão, quando seja requerida a apreciação da constitucionalidade de uma norma segundo uma certa interpretação, esta deverá coincidir, em termos efetivos e estreitos, com o fundamento jurídico do julgado.

Quanto à norma referida em (i), tal pressuposto não pode dar-se por verificado.

Em primeiro lugar, o Tribunal a quo não aplicou o artigo 361.º do Código de Processo Civil, que disciplina o incidente de liquidação a deduzir pelo autor antes do início da discussão da causa para tornar líquido o pedido genérico, quando este se refira a uma universalidade ou às consequências de um facto ilícito; aplicou sim o regime constante dos artigos 369.º, n.º 1, e 376.º, n.º 4, ambos do referido Código, respeitante à inversão do contencioso em procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse.

Em segundo lugar, não aplicou tais preceitos no sentido impugnado pelo recorrente. É certo que, na decisão aqui recorrida, o Tribunal determinou a inversão do contencioso, dispensando o requerente, aqui recorrido, do ónus da propositura da ação principal, nos termos do disposto nos artigos 369.º, n.º 1, e 376.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil. Porém, contrariamente à decisão de 13 de julho de 2021, a decisão recorrida foi proferida na sequência do contraditório concedido ao (e exercido pelo) requerido, aqui recorrente.

Note-se ainda que, para assim decidir, o Tribunal não se limitou a remeter para a decisão de 13 de julho de 2021, que julgara procedente o procedimento cautelar com dispensa de contraditório do requerido. Analisada a decisão recorrida, verifica-se que a inversão do contencioso foi aí determinada com base num novo juízo, autónomo do anterior, através do qual se concluiu que existia «prova suficientemente forte para formar uma convicção segura acerca da efetiva existência do direito do Requerente» e «que a entrega do telemóvel ao Requerente, por via da presente providencia, realizar[ia] a composição definitiva do litígio».

É quanto basta para se concluir que a decisão recorrida, no segmento em que determinou a inversão do contencioso, não aplicou o «n.º 1 do artigo 361.º do CPC, [...] interpretad[o] no sentido que permita ao tribunal determinar a inversão do contencioso sem audiência prévia do requerido», o que torna inútil, nesta parte, o conhecimento do objeto do presente recurso.

6. Quanto ao «complexo normativo formado pelos n.º 4 e 5 do artigo 757.º ex vi n.º 4 do artigo 764.º e n.º 1 do artigo 767.º todos do Código do Processo Civil,...

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