Acórdão nº 308/22 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução27 de Abril de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 308/2022

Processo n.º 217/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A., B., C. e D. interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15.11 (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), na sequência de acórdão do Tribunal de Contas (TdC) de 24 de novembro de 2011 que não admitiu o recurso para uniformização de jurisprudência por eles interposto. Os recorrentes suscitaram a fiscalização do disposto no artigo 48.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 3/2004 de 15.01 e do artigo 2.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 170/2008 de 26.08, quando interpretados no sentido de “reduzir ou suprimir a autonomia administrativa das Universidades consagrada no artigo 76.º da Constituição da República Portuguesa” e do artigo 7.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020 de 19.03, intepretados no sentido de impor a suspensão da contagem dos prazos de prescrição por condutas praticadas anteriormente à sua entrada em vigor, acrescentando 5 meses e 10 dias aos prazos máximos de prescrição legalmente estipulados”, alegando violação do “n.º 2 do artigo 76.º da CRP (Princípios da igualdade e Imparcialidade)” e do “n.º 4 do artigo 29.º da CRP (Princípio da irretroatividade da lei sancionatória)”.

2. Os recorrentes interpuseram recurso extraordinário para fixação de jurisprudência para o plenário do TdC do acórdão n.º 22/2021, proferido pelo Tribunal da 3.ª secção do TdC, que concedera parcial provimento ao recurso antes por eles interposto da sentença de 12 de julho de 2019. Pelo acórdão n.º 27/2021 de 24 de novembro de 2021, o plenário da 3.ª secção desse Tribunal julgou o recurso inadmissível, por não estarem reunidos os respetivos requisitos.

Inconformados e para além de interporem recurso para este Tribunal Constitucional, como se relatou, na mesma data os recorrentes apresentaram reclamação contra o acórdão, apontando violação do disposto no artigo 102.º, n.º 4, da Lei n.º 98/97 de 26.08 (Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, doravante designada por LOFTC) (composição do coletivo) e nulidade da decisão, com fundamento em omissão de pronúncia e falta de fundamentação, mais pedindo a competente reforma.

Por decisão singular de 14 de dezembro de 2021, o recurso para o Tribunal Constitucional foi admitido e, ainda, determinado que a reclamação seria apreciada em plenário da 3.ª secção do TdC.

Pelo acórdão n.º 32/2021 de 21 de dezembro de 2021 o TdC indeferiu a reclamação e pedido de reforma, mantendo o julgado nos seus precisos termos.

Já o recurso para o Tribunal Constitucional antes interposto, foi por sua vez admitido por despacho de 14 de dezembro de 2021, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Pela decisão sumária n.º 224/2022, decidiu-se não conhecer do mérito do recurso com fundamento em falta de definitividade da decisão recorrida, falta de arguição prévia da segunda das questões de inconstitucionalidade suscitadas e, quanto à primeira, por falta de indicação da interpretação normativa cujo controlo de constitucionalidade se peticionava.

Os fundamentos foram os seguintes, para o que ora importa:

“(…) Um primeiro problema que salta à vista no relatório que antecede respeita à definitividade da decisão jurisdicional recorrida, que constitui pressuposto processual de que depende o recurso interposto para o Tribunal Constitucional nos termos do artigo 70.º, n.º 2, 1.ª parte, da LTC.

De prima facie, esta disposição cinge a recorribilidade para o foro constitucional às decisões de que não caiba “recurso ordinário”, impondo que sejam esgotados os mecanismos regulares de revisão antes da interposição de recurso de fiscalização concreta. Colhendo deste preceito um princípio normativo orientador, a Jurisprudência sedimentou-se no sentido de que decisões jurisdicionais desprovidas de eficácia definitiva sobre a resolução da questão controvertida não comportam patamar de recurso para o Tribunal Constitucional (v., sobre o assunto, C. LOPES DO REGO, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, pp. 21-26).

Daqui decorrem, pois, os seguintes dois princípios gerais: (i) quando a decisão seja passível de reversão mediante institutos processuais ordinários de controlo e reavaliação, estes terão de ser esgotados como condição da regularidade da instância de recurso de fiscalização da constitucionalidade, resultando apenas sindicável a decisão sobre a controvérsia que se possa dizer final para a Jurisdição de que se recorre (artigo 70.º, n.º 2 da LTC); (ii) caso tenham sido acionados institutos processuais dirigidos à reversão da decisão dentro da jurisdição comum, esta não será passível de recurso de fiscalização para o Tribunal Constitucional, quer o acionamento tenha cobertura pelas regras de processo, quer não, nesse caso diferindo-se a recorribilidade da decisão para o momento em que a jurisdição reconheça a sua insindicabilidade (artigo 75.º, n.º 2 da LTC).

Ora, na situação sub iudicio, os recorrentes apresentaram reclamação contra o acórdão que não admitiu o recurso extraordinário para uniformização, pedindo a sua reforma, ao mesmo tempo que apresentavam o recurso de fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional. A instauração daquele incidente que atacou a validade e sentido decisório do acórdão, em consonância com o exposto, precludiu a sua definitividade, conquanto o Tribunal “a quo” foi convocado a pronunciar-se sobre a sua validade e, bem assim, compelido a reformular o seu juízo.

Significa isto, pois, que a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional antes de a reclamação ter sido decidida conforma irregularidade insuprível da instauração da instância para fiscalização concreta, já que não estava ainda obtida a «última palavra» da jurisdição e porque não se podia entender, como tal, a questão como definitivamente decidida para efeitos do disposto no artigo 70.º, n.º 2, 1.ª parte, da LTC. (….)

De sublinhar que a atuação dos recorrentes não se justifica sequer por argumento «de cautela», já que o artigo 75.º, n.º 2 da LTC lhes garantia que, decidida a reclamação, o prazo para interposição de recurso de fiscalização concreta entender-se-ia diferido para esse momento ulterior. Assim, estava garantido aos recorrentes que o procedimento adotado – procurando obter a revisão da decisão mediante reclamação e pedido de reforma do acórdão – não precludiria o recurso de fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional, que lhes seria admitido interpor depois de concluído o debate sobre a regularidade do acórdão que rejeitou o recurso. Assim, o comportamento processual observado, para além de irregular, é injustificável pela economia de processo.

Concluímos desde já, em face do exposto, que o recurso não é admissível, vício da instância impeditivo da sua apreciação e passível de conhecimento oficioso na presente sede (cfr. artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 2, da LTC, articulado com o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, corpo do texto e 578.º, todos do Código de Processo Civil, ex vi artigo 69.º da LTC).

6. O recurso para o Tribunal Constitucional do Direito português em sede de fiscalização concreta recenseado no artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 69.º-85.º da LTC depende que a questão cuja sindicância se pretende tenha sido colocada no processo a que respeita de modo a ser apreciada na decisão recorrida (cfr. artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 2.ª parte, da LTC). Para além disso, terá ainda de ter sido colocada pelo próprio sujeito que recorre para o Tribunal Constitucional, como condição da sua legitimidade processual ativa (cfr. artigo 72.º, n.º 2 da LTC) (v., sobre este assunto, C. LOPES DO REGO, op. cit., pp. 75-106 e 181-182).

O exposto equivale a dizer que conforma condição da regularidade da presente instância recursiva que o recorrente tenha colocado o problema de constitucionalidade que pretende apreciado nesta sede ao Tribunal “a quo”, adotando a forma legalmente tabelada para o efeito, em prazo e em fase do processo oportuna, estabelecendo por essa via a vinculação temática do foro a sobre ela decidir ao abrigo do princípio de obrigatoriedade de pronúncia jurisdicional (cfr. artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, alínea d), ambos do CPC).

A obrigatoriedade de dedução prévia da questão jurídico-constitucional está recenseada no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), 2.ª parte, da Constituição da República Portuguesa e empresta ao Tribunal Constitucional a natureza de um verdadeiro foro de recurso, de patamar de revisão dos processos de fiscalização concreta empreendidos por órgãos jurisdicionais. Serão estes que, em primeira linha, serão chamados a avaliar a compatibilidade de normas infraconstitucionais para com a Lei Fundamental (leis de valor reforçado ou convenções internacionais), reservando-se aquele Tribunal para uma função de revisão, quer nos casos em que se tenha concluído pela conformidade, quer quando se recuse a aplicabilidade das normas por desrespeito àquelas fontes de Direito de valor superior. Em qualquer uma das situações o objecto do processo no Tribunal Constitucional incide sobre uma revisão da decisão primeiro tomada por um outro foro jurisdicional.

Ora, no que respeita ao pedido de fiscalização do disposto no...

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