Acórdão nº 636/14.2TDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA CUNHA
Data da Resolução06 de Abril de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc.º 636/14.2TDPRT.P1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO Nos presentes autos de processo comum e com a intervenção do Tribunal Coletivo, por acórdão de 25.11.2021, julgada improcedente a acusação pública, foram os arguidos AA, BB e CC absolvidos da prática dos crimes de peculato de que foram acusados.

*Inconformado com a absolvição dos arguidos AA e BB, o Ministério Público recorreu.

Termina a motivação do recurso com as seguintes conclusões [transcrição]: 1- O Tribunal a quo deu como provado que os arguidos AA e BB geriam, de facto, a Cooperativa X ..., a qual foi reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública por despacho de 2.10.1991; 2- Mais deu como provado que estes dois arguidos, aproveitando-se da natureza e do tipo de tarefas inerentes às suas funções, formularam o propósito de se apropriarem indevidamente de parte do produto da venda dos bilhetes de acesso ao festival internacional de cinema ...; 3- De tal forma que, no período compreendido entre Novembro de 2011 a Dezembro de 2012, em execução do plano cogitado por estes dois arguidos, foi transferido indevidamente para a conta bancária com o n.º ....., co-titulada por ambos, a quantia global de €2810,00 que estes arguidos fizeram coisa sua; 4- O Tribunal a quo deu ainda como provado que estes dois arguidos agiram de forma voluntária, livre e conscientemente, com o propósito concretizado de se apoderarem da sobredita quantia de €2.810,00.

5- Não obstante, o Tribunal a quo ter dado como provado que estes dois arguidos receberam numa conta pessoal quantias que eram pertencentes à Cooperativa que representavam, absolveu-os dos crimes de peculato pelos quais foram julgados, por entender que os arguidos, enquanto representantes da Cooperativa X ..., não assumem a qualidade de funcionários para efeitos penais; 6.- O Tribunal a quo alicerçou este entendimento na linha argumentativa do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/2020 que transpôs para o caso concreto; 7- A noção de funcionário para efeitos penais está prevista no artigo 386.º do Código Penal; 8- Da leitura do citado artigo 386.º do Código Penal ressalta que o conceito de funcionário aí plasmado é deveras mais amplo que o conceito meramente administrativo e relacionado com a actividade do Estado; 9- De acordo com a alínea d) do normativo legal em apreço, concluímos que é considerado funcionário quem desempenhar funções em organismos de utilidade pública; 10- A declaração de utilidade pública confere às pessoas colectivas que dela beneficiam uma série de direitos, como sejam algumas isenções fiscais, mas, por outro lado, também lhes confere uma série de deveres, nomeadamente, prestações de contas previstas na lei; 11- A Cooperativa X ..., tendo por objecto a promoção cultural e social dos seus membros desenvolve uma actividade que é de interesse público, com enfoque para o Festival Internacional de Cinema do ..., o ...; 12- Sendo assim, não pode vingar o raciocínio de que a ilegítima apropriação de parte do produto da venda dos bilhetes do ... consubstancia uma questão privatística que apenas se relaciona com a vida interna e receitas da Cooperativa X ..., tal como fez o Tribunal a quo no Acórdão de que se recorre; 13- O projecto ... trata-se de uma iniciativa cultural de grande interesse público e é subsidiada por apoios públicos; 14- Este festival é sustentado em grande medida por dinheiros públicos, provenientes de subsídios que lhe são atribuídos; 15 -Estando em causa o exercício de uma actividade de utilidade pública que envolve o uso de fundos públicos, o Estado acaba por ser indirectamente lesado com condutas como a dos autos, daí não se concordar com o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo no sentido de que estamos em presença de uma questão meramente privatística que apenas releva para a vida interna da Cooperativa X ... e para as suas receitas; 16- Estando em causa a realização de um evento cultural como o ..., com inegável interesse público e cultural e subsidiado com dinheiros públicos, não se pode conceber, como fez o Tribunal a quo, que estão apenas em causa interesses privados dos seus cooperantes; 17- Dispondo o artigo 386.º, n.º 1 alínea d) do Código Penal que a expressão funcionário abrange quem desempenhar funções em organismos de utilidade pública, devem os arguidos AA e BB ser considerados funcionários para efeitos penais pois ambos são representantes da Cooperativa X ..., pessoa colectiva a quem foi reconhecida utilidade pública, inserindo-se a sua actuação apropriativa no prosseguimento de um evento cultural de reconhecido interesse público e decorrente do estatuto de utilidade pública da Cooperativa X ...; 18- A jurisprudência fixada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/20 apenas versa sobre a responsabilidade criminal dos funcionários das IPSS e o raciocínio que lhe subjaz não pode ser transposto para o caso concreto até porque a natureza e regime legal que norteiam as IPSS e as Cooperativas é distinto; 19- No caso concreto estão verificados todos os elementos, objectivos e subjectivos, constitutivos do tipo legal de crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375.º, n.º 1 do Código Penal; 20- O arguidos AA e BB são considerados funcionários para efeitos penais à luz do disposto no artigo 386.º, n.º 1 alínea d) do Código Penal; 21- Tendo sido dado como provado no Acórdão de que agora se recorre...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT