Acórdão nº 01186/14.2BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2022
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 07 de Abril de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 1186/14.2BEAVR Recorrente: “A……………., S.A.” Recorrida: “Instituto de Segurança Social, I.P. - Centro Distrital de Aveiro” 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 25 de Novembro de 2021 – que negou provimento ao recurso por ela interposto da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação de contribuições para a Segurança Social –, dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor: «A. No acórdão recorrido, o TCA Norte prevalece-se da jurisprudência de um acórdão do TCAS, proferido no âmbito do processo n.º 1872/08.6BELRS, o qual tem na sua base um enquadramento jurídico distinto daquele à luz do qual deveria ter proferido uma decisão. Nos termos desse acórdão: «remunerações sujeitas a contribuições para a segurança social, para efeitos do Decreto Regulamentar 12/83 de 12 de Fevereiro, os prémios de produtividade que tenham carácter de regularidade; II. O carácter de regularidade do prémio de produtividade deverá ser aferido casuisticamente, atendendo às circunstâncias do caso concreto; III. Uma prestação terá carácter regular quando assume a mesma natureza e se repete num intervalo de tempo (contínuo ou periódico) podendo esses montantes ser constantes ou variáveis». Com efeito, para o TCA o prémio de produtividade assume carácter regular, constituindo remuneração, unicamente quando é atribuído várias vezes durante um considerável período de tempo, quer seja de forma contínua, quer seja com uma determinada periodicidade, cujos montantes podem ser constantes ou variáveis, independentemente de o mesmo estar ou não condicionado a eventos cuja susceptibilidade de ocorrência não está na esfera de controlo do trabalhador que deles beneficia.
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O Tribunal a quo faz, com efeito, o mais básico dos raciocínios, imputando ao conceito de “regular” da lei o sentido não jurídico ou comum, sem tratar do tema, colocado sobre a sua apreciação e amplamente sublinhado na lei, doutrina e jurisprudência do direito e das áreas de que é próprio, da influência que tem naquela noção as circunstâncias condicionantes da sua atribuição.
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O objecto do presente recurso é precisamente o excerto decisório do acórdão recorrido transcrito, no qual foi concluído que a Recorrente atribuiu prémios com carácter de regularidade unicamente por tê-lo feito durante uma série de cinco anos, independentemente do facto de essa atribuição ter ocorrido por força do cumprimento dos objectivos de que estava dependente a sua efectiva verificação e cuja ocorrência não era possível garantir à partida, porquanto dependente de factores exógenos e de grupo e já não intrínsecos, certos ou individuais.
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A questão que se submete a Revista é precisamente a de saber se o prémio atribuído pela Recorrente aos seus trabalhadores assume uma natureza retributiva mesmo estando a sua atribuição dependente da avaliação da produtividade e do desempenho profissional de um todo organizacional – nomeadamente, dependente do cumprimento de apertados prazos de resposta a solicitações operativas –, num ciclo temporal anual, excluída estando, em função desses factores, a antecipada garantia do direito ao seu pagamento. Mais: a questão que se submete a Revista é a de saber se, tendo por base a definição de remuneração providenciada pelo CT, é ou não relevante, naquela definição, para além da cadência com que foi atribuída num determinado período sob observação, que a prestação atribuída dependa do preenchimento de requisitos pré-estabelecidos (avaliação de desempenho/alcance dos objectivos) – que poderiam ou não, no final do período temporal respectivo, vir a ser observados –, e se, isto visto e assim sendo, se pode dizer que a mesma estava, ainda assim, antecipadamente garantida.
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Sendo o tema central dos presentes autos o de saber o que deve ser entendido por “remuneração” nos termos em que este conceito vem consagrado em sede contributiva, importa começar por aferir o sentido que ao mesmo vem dado pelo ramo do direito que lhe é próprio.
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Assim, estabelece o n.º 1 do artigo 258.º do Código do Trabalho (CT) que: “Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho” (itálico, negrito e sublinhado nosso).
A contrario, determina o artigo 260.º do CT, a propósito da delimitação dos conceitos de “prémio de desempenho” e “participação nos resultados”, que não se consideram susceptíveis de integrar o conceito de remuneração, a saber: As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa (cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 260.º do CT); As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido; A participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho.
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É esta, com efeito, a afirmação do princípio de que as gratificações e prémios, entre outros tipos de atribuições patrimoniais, não constituem retribuição.
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Há, além disso, um outro passo que se impõe e que se prende com a necessidade de proceder à distinção entre os diferentes “tipos” de gratificações e prémios para apurar as excepções que a lei prevê.
I. Distinguem-se, em primeiro lugar, as prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, quando as mesmas estão antecipadamente garantidas – prestações estas que, à luz da lei laboral, constituem retribuição (cf. al. c) do n.º 1 do artigo 260.º do CT «a contrario»). Em segundo lugar, distinguem-se as gratificações devidas por força do contrato ou das normas que o regem e aquelas que “pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento da retribuição do trabalhador” (cf. n.º 2, alínea a), do artigo 260.º do CT). Finalmente, distinguem-se as prestações associadas aos resultados obtidos pela empresa, que poderão ser consideradas retribuição quando, quer no respectivo título atributivo, quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante (cf. n.º 2, alínea b), do artigo 260.º do CT).
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Como se sumariou no acórdão do STJ de 26/05/2015, proc. n.º 373/10.7TTPRT.P1.S1“II - Não assume natureza retributiva o prémio de produtividade cuja atribuição estava dependente da avaliação da produtividade e do desempenho profissional dos trabalhadores, num ciclo temporal anual, excluída estando, em função desses factores, a antecipada garantia do direito ao seu pagamento. (…)” Mais se entendeu naquele acórdão, interpretando-se o artigo 260.º, n.º 1 e n.º 3 do CT, o seguinte: “Tratando-se de uma prestação específica, dependente do preenchimento de requisitos pré-estabelecidos (avaliação de desempenho/alcance dos objectivos), que poderiam ou não, no final do período temporal respectivo, ser alcançados, excluída estava a antecipada garantia do direito ao seu pagamento.
A lei retira-lhe expressamente a natureza retributiva – art. 260.º, n.º 1, c), do Cód.
Trabalho: não se consideram retribuição (c) as prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido”.
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Aqui chegados, não há como não assentar na ideia, absolutamente firme quer na lei do ramo do direito com competência para o definir quer na sua jurisprudência, que as prestações apenas estão sujeitas a contribuições para a Segurança Social, apenas e só, quando não forem imprevisíveis ou arbitrárias, mas antes sujeitas a um evento verificável.
Para haver tributação, tem, deste modo, que ocorrer um (ou mais) condicionalismos certus an, ainda e mesmo que incertos na formação do quantum concreto e respetivo da prestação a pagar.
Mas já nunca ocorrerá a formação de um facto tributário em sede de Segurança Social quando o pagamento de tais remunerações for feito depender de condições que são meramente eventuais, que não dependem única e exclusivamente do seu beneficiário ou arbitrárias, portanto feitas depender de um condicionalismo incertus an.
L. É o que se extrai, por exemplo, do acórdão do STA, proferido no Processo n.º 1038/10, de 29 de Novembro de 2013: “A regularidade das prestações tem a ver com outra característica das prestações já acima referida: a de que são atribuídas em regra (são ordinárias) e com regras (não arbitrárias).
” (o sublinhado é nosso).
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Vale isto por dizer que, para estarem sujeitas a contribuições para a Segurança Social, as atribuições não podem estar, designadamente, sujeitas a eventos dependentes, em última análise, da vontade do empregador ou de circunstancialismo aleatório; e é assim, porque só em tais circunstâncias se pode falar da formação de “uma expectativa do seu recebimento no ano seguinte e com a repetição dos respectivos pressupostos” (cfr. acórdão do STA proferido no Processo n.º 1038/10, de 29 de Novembro de 2013).
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Com relação ao prémio em análise nos presentes autos, vindo de dizer o que se disse, não há como não concluir, com base na matéria de facto supra elencada, naquela que, de resto, parte o Tribunal na sua decisão e naquela que nunca foi objecto de impugnação nos presentes autos, que jamais o mesmo poderá considerar-se abrangido pelo conceito de remuneração...
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